Partidos da direita populista tentam relançar debate da integração
Presidência da UE preocupada com a proibição dos minaretes na Suíça
30.11.2009 - 16:40 Sofia Lorena
Parte da União Europeia foi atravessada por um sentimento de incomodidade face ao resultado do referendo de ontem na Suíça. Excepção: os partidos de extrema-direita ou da direita, no caso de Itália ou da Alemanha, que pediram para se tentar compreender os “medos” suíços, em vez de criticar o seu “sim” à proibição da construção de minaretes.
Entre as reacções mais indignadas, conta-se a do ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Bernand Kouchner, que se disse “um pouco escandalizado” pela decisão, que descreve como “expressão de intolerância, e eu detesto a intolerância”. A construção dos minaretes “não é grande coisa”, disse ainda Kouchner, em declarações à RTL. E perguntou: “Será que é uma ofensa num país de montanhas que haja uma construção um pouco mais elevada?”.
A presidência sueca da UE considerou a própria realização da consulta “surpreendente”. “Os suíços têm um excelente sistema de consulta popular, mas às vezes pode ser mal usada, como neste caso”, considerou a ministra da Integração, Nyamko Sabumi. “Não há problemas entre os muçulmanos e os europeus na UE. Os muçulmanos são europeus”, acrescentou. “É a expressão de um preconceito e talvez até de um medo, mas é claro que se trata de um sinal negativo. Não há dúvidas sobre isso”, afirmou, por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Carl Bild.
A própria Comissão Europeia escusou-se a comentar directamente “decisões de um Estado soberano terceiro”, já que a Suíça não integra a União. Mas lembrou aos Estados membros que estejam tentados a seguir os passos da Suíça e a realizar referendos do mesmo tipo que é necessário “respeitar os direitos fundamentais, como a liberdade de religião”.
As tentações já têm rosto: na Holanda, o deputado de extrema-direita anti-islão Geert Wilders, apelou à realização no seu país de uma consulta idêntica. Saudando “um resultado fabuloso”, disse que ia “pedir ao Governo para realizar assim que possível um referendo na Europa”. “O que é possível na Suíça também se deve fazer aqui”, defendeu num texto publicado no site do seu Partido para a Liberdade, que tem nove lugares dos 150 da câmara baixa do Parlamento. Wilders considera o Corão “fascista” e denuncia há muito uma “islamização da Europa”.
Wilders não foi o único a festejar o resultado. Em Itália, ministros e deputados da Liga Norte e do Povo da Liberdade (de Silvio Berlusconi) reagiram favoravelmente, apesar de o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Frattini, se ter afirmado “preocupado”, lembrando que se a Itália “defende o direito de expor crucifixos nas escolas,” deve ver com inquietação “certas mensagens de desafio ou mesmo de proibição face a uma outra religião”. O Tribunal de Estrasburgo proibiu o mês passado os crucifixos nas escolas italianas.
“A Suíça enviou-nos um sinal claro: sim aos campanários, não aos minaretes”, disse o ministro da Simplificação Administrativa, Roberto Calderoli (da Liga, partido populista anti-imigração), considerando que os suíços se manifestaram contra “os aspectos políticos e de propaganda ligados ao islão”. O deputado Ricardo De Corato, do PdL, o mesmo partido de Frattini, estimou que “a muito democrática suíça deu à Itália uma lição, em particular à esquerda que teria montado barricadas e gritado escândalo se tal referendo tivesse lugar” no país.
Em França também houve reacções muito diferentes das de Kouchner. Dentro da UMP, do Presidente Nicolas Sarkozy, o chefe do partido, Xavier Bertrand, estimou que a proibição dos minaretes não se coloca no país e que esta nada tem a ver com a da burqa, o traje muçulmano que cobre toda a mulher e cuja interdição é actualmente alvo de um debate na Assembleia Nacional Francesa. Mas o porta-voz adjunto de Sakozy afirmou “não ter a certeza” se é necessário construir minaretes em França. “As salas de oração são indispensáveis, mas para isso será preciso ter minaretes sobre essas salas de oração? Eu não tenho a certeza”, interrogou-se Dominique Paillé.
Já a Frente Nacional, de extrema-direita, felicitou-se com o resultado suíço. Para Marine Le Pen, que em França tem liderado, por exemplo, os protestos contra a construção da Grande Mesquita de Marselha, que será a maior do país, “na Suíça, como em França, as ‘elites’ são massivamente a favor” dos minaretes. “Estas ‘elites’ devem cessar de negar as aspirações e os medos dos povos europeus que, sem se opor à liberdade religiosa, rejeitam os sinais de ostentação que os grupos político-religiosos querem impor, muitas vezes no limite da provocação.”
O partido conservador da chanceler alemã Angela Merkel considera que a vitória da campanha pela proibição dos minaretes deve “ser levada a sério”. Criticar a decisão dos suíços será contra-produtivo, estimou Wolfgang Bosbach, responsável da comissão dos Assuntos Internos do Parlamento. Este resultado, avisa, reflecte um perigo da islamização da sociedade. Recordando a “viva oposição” que suscitou o projecto de construção de uma grande mesquita em Colónia, este responsável diz que “há anos” constata “uma grande distância entre a opinião pública e os políticos”. Já os sociais-democratas consideraram o resultado “problemático”.
Segundo o tablóide “Bild”, que reclama saber medir como nenhum outro o pulso aos alemães, estes votariam provavelmente da mesma forma que os suíços se tivessem a oportunidade. “O minarete não é só o símbolo de uma religião, mas de uma cultura completamente diferente. Grande parte do mundo muçulmano não partilha dos nossos valores europeus básicos: o legado da Iluminismo, a igualdade do homem e da mulher, a separação da Igreja e do Estado, um sistema de justiça independente da Bíblia ou do Corão”, escreve o diário. “O referendo é um desastre para a Suíça. Quando estas seis palavras ‘a construção de minaretes é proibida” estiverem inscritas na Constituição suíça, isso vai contrariar essa Constituição de várias formas, tal como viola a sua garantia de liberdade religiosa e a proibição da discriminação”, escreve por seu turno o jornal "Suddeutsche Zeitung", de centro-esquerda.
Na Bélgica, a imprensa francófona denunciou “o voto do medo”, mas do lado flamengo, o jornal "De Standaard" sublinhou que este “debate tem igualmente lugar na Flandres”, onde o partido de extrema-direita Vlaams Belang quer “proibir a construção de novas mesquitas.
Uma perita das Nações Unidas considerou hoje que o voto suíço pode ter “consequências negativas na liberdade de religião e de crença dos membros da comunidade muçulmana na Suíça”. A proibição de construir minaretes “equivale a uma restrição da manifestação de religiosidade e constitui uma clara descriminação contra” esta comunidade, disse em comunicado Asma Jahangir, relatora especial da ONU para a liberdade de religião.
Presidência da UE preocupada com a proibição dos minaretes na Suíça
30.11.2009 - 16:40 Sofia Lorena
Parte da União Europeia foi atravessada por um sentimento de incomodidade face ao resultado do referendo de ontem na Suíça. Excepção: os partidos de extrema-direita ou da direita, no caso de Itália ou da Alemanha, que pediram para se tentar compreender os “medos” suíços, em vez de criticar o seu “sim” à proibição da construção de minaretes.
Entre as reacções mais indignadas, conta-se a do ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Bernand Kouchner, que se disse “um pouco escandalizado” pela decisão, que descreve como “expressão de intolerância, e eu detesto a intolerância”. A construção dos minaretes “não é grande coisa”, disse ainda Kouchner, em declarações à RTL. E perguntou: “Será que é uma ofensa num país de montanhas que haja uma construção um pouco mais elevada?”.
A presidência sueca da UE considerou a própria realização da consulta “surpreendente”. “Os suíços têm um excelente sistema de consulta popular, mas às vezes pode ser mal usada, como neste caso”, considerou a ministra da Integração, Nyamko Sabumi. “Não há problemas entre os muçulmanos e os europeus na UE. Os muçulmanos são europeus”, acrescentou. “É a expressão de um preconceito e talvez até de um medo, mas é claro que se trata de um sinal negativo. Não há dúvidas sobre isso”, afirmou, por seu turno, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Carl Bild.
A própria Comissão Europeia escusou-se a comentar directamente “decisões de um Estado soberano terceiro”, já que a Suíça não integra a União. Mas lembrou aos Estados membros que estejam tentados a seguir os passos da Suíça e a realizar referendos do mesmo tipo que é necessário “respeitar os direitos fundamentais, como a liberdade de religião”.
As tentações já têm rosto: na Holanda, o deputado de extrema-direita anti-islão Geert Wilders, apelou à realização no seu país de uma consulta idêntica. Saudando “um resultado fabuloso”, disse que ia “pedir ao Governo para realizar assim que possível um referendo na Europa”. “O que é possível na Suíça também se deve fazer aqui”, defendeu num texto publicado no site do seu Partido para a Liberdade, que tem nove lugares dos 150 da câmara baixa do Parlamento. Wilders considera o Corão “fascista” e denuncia há muito uma “islamização da Europa”.
Wilders não foi o único a festejar o resultado. Em Itália, ministros e deputados da Liga Norte e do Povo da Liberdade (de Silvio Berlusconi) reagiram favoravelmente, apesar de o ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Frattini, se ter afirmado “preocupado”, lembrando que se a Itália “defende o direito de expor crucifixos nas escolas,” deve ver com inquietação “certas mensagens de desafio ou mesmo de proibição face a uma outra religião”. O Tribunal de Estrasburgo proibiu o mês passado os crucifixos nas escolas italianas.
“A Suíça enviou-nos um sinal claro: sim aos campanários, não aos minaretes”, disse o ministro da Simplificação Administrativa, Roberto Calderoli (da Liga, partido populista anti-imigração), considerando que os suíços se manifestaram contra “os aspectos políticos e de propaganda ligados ao islão”. O deputado Ricardo De Corato, do PdL, o mesmo partido de Frattini, estimou que “a muito democrática suíça deu à Itália uma lição, em particular à esquerda que teria montado barricadas e gritado escândalo se tal referendo tivesse lugar” no país.
Em França também houve reacções muito diferentes das de Kouchner. Dentro da UMP, do Presidente Nicolas Sarkozy, o chefe do partido, Xavier Bertrand, estimou que a proibição dos minaretes não se coloca no país e que esta nada tem a ver com a da burqa, o traje muçulmano que cobre toda a mulher e cuja interdição é actualmente alvo de um debate na Assembleia Nacional Francesa. Mas o porta-voz adjunto de Sakozy afirmou “não ter a certeza” se é necessário construir minaretes em França. “As salas de oração são indispensáveis, mas para isso será preciso ter minaretes sobre essas salas de oração? Eu não tenho a certeza”, interrogou-se Dominique Paillé.
Já a Frente Nacional, de extrema-direita, felicitou-se com o resultado suíço. Para Marine Le Pen, que em França tem liderado, por exemplo, os protestos contra a construção da Grande Mesquita de Marselha, que será a maior do país, “na Suíça, como em França, as ‘elites’ são massivamente a favor” dos minaretes. “Estas ‘elites’ devem cessar de negar as aspirações e os medos dos povos europeus que, sem se opor à liberdade religiosa, rejeitam os sinais de ostentação que os grupos político-religiosos querem impor, muitas vezes no limite da provocação.”
O partido conservador da chanceler alemã Angela Merkel considera que a vitória da campanha pela proibição dos minaretes deve “ser levada a sério”. Criticar a decisão dos suíços será contra-produtivo, estimou Wolfgang Bosbach, responsável da comissão dos Assuntos Internos do Parlamento. Este resultado, avisa, reflecte um perigo da islamização da sociedade. Recordando a “viva oposição” que suscitou o projecto de construção de uma grande mesquita em Colónia, este responsável diz que “há anos” constata “uma grande distância entre a opinião pública e os políticos”. Já os sociais-democratas consideraram o resultado “problemático”.
Segundo o tablóide “Bild”, que reclama saber medir como nenhum outro o pulso aos alemães, estes votariam provavelmente da mesma forma que os suíços se tivessem a oportunidade. “O minarete não é só o símbolo de uma religião, mas de uma cultura completamente diferente. Grande parte do mundo muçulmano não partilha dos nossos valores europeus básicos: o legado da Iluminismo, a igualdade do homem e da mulher, a separação da Igreja e do Estado, um sistema de justiça independente da Bíblia ou do Corão”, escreve o diário. “O referendo é um desastre para a Suíça. Quando estas seis palavras ‘a construção de minaretes é proibida” estiverem inscritas na Constituição suíça, isso vai contrariar essa Constituição de várias formas, tal como viola a sua garantia de liberdade religiosa e a proibição da discriminação”, escreve por seu turno o jornal "Suddeutsche Zeitung", de centro-esquerda.
Na Bélgica, a imprensa francófona denunciou “o voto do medo”, mas do lado flamengo, o jornal "De Standaard" sublinhou que este “debate tem igualmente lugar na Flandres”, onde o partido de extrema-direita Vlaams Belang quer “proibir a construção de novas mesquitas.
Uma perita das Nações Unidas considerou hoje que o voto suíço pode ter “consequências negativas na liberdade de religião e de crença dos membros da comunidade muçulmana na Suíça”. A proibição de construir minaretes “equivale a uma restrição da manifestação de religiosidade e constitui uma clara descriminação contra” esta comunidade, disse em comunicado Asma Jahangir, relatora especial da ONU para a liberdade de religião.