"Papa tem obrigação moral de ser o primeiro a demitir-se"
(DN) FRANCISCO MANGAS Hoje
Críticos do Papa. O polémico Bento XVI divide opiniões na Igreja. Há quem o ache excepcional, há quem lhe faça duras críticas. Mário Oliveira, padre sem paróquia, que dirige o jornal 'Fraternizar', é um deles. Diz que Ratzinger é o grande desastre da Igreja dos séc. XX e XXI e que ele devia assumir responsabilidade pelos casos de pedofilia
Como define o pontificado de Bento XVI?
Depois do Concílio do Vaticano II é o grande desastre. É uma espécie de Inverno na Igreja. Enquanto o Vaticano II tinha significado a Primavera na Igreja, com Bento XVI, que leva já cinco anos de pontificado, regressamos ao Inverno, sem termos chegado ao Verão.
Joseph Ratzinger teve grande intervenção no Vaticano II...
É verdade. Só que enquanto teólogo é uma personalidade, depois que aceitou vir para a Cúria Ro-mana, como cardeal, e ficou responsável à frente da Congregação para a Doutrina da Fé durante o pontificado de João Paulo II, ele mudou por completo.
Defende posições teológicas contra a sua própria teologia?
Até há autores que se dão ao trabalho de comparar o que ele diz com o que escreveu há 30, 40 anos. E metem-no a ridículo. Para mim é o grande desastre na Igreja no século XX e já no século XXI.
É a continuação de João Paulo II?
Para pior. João Paulo II tudo o que dizia e pregava, por todo o mundo - conteúdos doutrinais, morais, moralistas - era já fornecido por Ratzinger, o seu grande conselheiro. João Paulo II não sabia nada praticamente de teologia, era como um qualquer pároco de aldeia, nunca mais estudou desde que saiu do seminário. Mas, pelo menos, tinha uma coisa que este não tem: era bom actor. Colocou isso, de certo modo, ao serviço da Cúria Romana e a agressividade que sempre teve durante o pon- tificado - foi o que mais conde- nou a Teologia e os teólogos da libertação, já com Ratzinger na Congregação da Fé - não ganhou visibilidade graças aos seus gestos teatrais. Sobretudo nas suas deslocações.
Agora é mais visível?
Com Bento XVI tornou-se muito visível, ele não tem nenhum jeito para actor. É o antiactor, ainda é o intelectual gabinete.
É a segundo visita de um papa ao Porto. Significa isto uma banalização destes actos?
A visita ao Porto, pela segunda vez, percebe-se porque este ano de 2010, o bispo da Diocese, D. Ma-nuel Clemente, deliberou ser o ano da missão. Estamos a ver aqui o trabalho da pressão da diocese para que ele venha a dar cobertura à missão 2010 em curso, dar um bocadinho de projecção, como que a apropriar-se dela ao nível da Igreja universal. Isto é tudo táctica e hábil da parte do poder eclesiástico. Porque a missão 2010 é um bluff, aquilo espremido não tem nada.
E a visita a Fátima?
É pior. Enquanto teólogo ele sabe, como todo os teólogos - e nós não encontramos nenhum teólogo convicto que defenda Fátima - que do ponto de vista da teologia é absolutamente impossível haver aparições. Do ponto de vista da fé cristã é impossível poder falar-se alguma vez de aparições. Im- possível. E ele como teólogo sabe isso e apesar disso vai lá. Contra a sua própria teologia, vai como que canonizar, por um véu de canonicidade, de autenticidade, sobre uma mentira que são as aparições de 1917, com uma agravante que não havia nos anos anteriores.
Que agravante é essa?
Faz a visita num contexto absolutamente novo na instituição eclesiástica católica: estamos todos a assistir à denúncia de casos de pedofilia que envolvem crianças vítimas de clérigos. Neste contexto, a visita de Bento XVI a Fátima ainda é uma agravante, que o devia levar a ter um pouco de pudor. Porque as três crianças de Fátima, em 1917, foram vítimas - não em termos de pedofilia, de sexo - também do clero de Ourém que organizadamente inventou aquela historieta toda. E a encenou e a representou, servindo-se das três crianças. Desse universo de crianças, duas acabaram por morrer e a que sobreviveu foi sempre sequestrada até à morte.
A resposta da Igreja aos casos de pedofilia tem sido satisfatória?
A resposta tem sido desastrosa. Ultimamente parece que estão a querer melhorar um pouco, com esta deslocação do Papa a Malta: ele até fez por derramar umas lágrimas de crocodilo pa-ra a comunicação social... Tem sido desastrosa a maneira como ao nível hierárquico a Igreja tem conduzido este drama. Eu eu acho que ao nível desses casos deveríamos distinguir dois tipos de vítimas.
Dois tipos de vítimas?
Sim. As crianças, objectivamente. Mas o vitimador, o clérigo que faz as vítimas, por sua vez, é ele vítima: precisávamos de denunciar isso. O que está em jogo não é o caso do clérigo A , B, ou C, que fez isto, mas o porquê, por que é que determinados homens duma formação, que a sociedade supunha humanista, foram capazes de praticar actos hediondos. E a questão mais profunda, que não tem sido abordada, vai pôr em causa este modelo de igreja.
Precisa de uma reforma?
Precisa de uma alternativa radical. Os clérigos que fazem esses actos hediondos foram vítimas de actos hediondos, se calhar mais hediondos - não no nível do sexual - mas da formação mental de consciência. Foi a formação de 12 anos num seminário tridentino. Fechados, sem hipótese de liberdade, de criatividade de consciência crítica: são homens sem afectos.
Os padres pedófilos, como alguns defendem, deveriam ser excomungados?
Isso é horrível. Mas já não é tão horrível ser demitido das suas funções e não mais estar em condições de poder exercer sem antes, por ventura, darem provas de que se tinham reabilitado. Nesse caso, vou mais além: como foi a instituição que os formou - mal - e tomou conhecimento quando eles cometeram esses actos e escondeu-os para bem do nome da Igreja, e não fez nada: em última instância quem tem de se demitir é o Papa. Tem obrigação moral de ser o primeiro a dizer: "Eu demito-me, e agora sigam o meu exemplo." Enquanto o não fizer, não tem moral para demitir ninguém.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
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1 comentário:
O padre Mário Oliveira foi meu professor da cadeira de Moral no antigo 7º ano (actual 11º), no então Liceu D. Manuel II, rebaptizado após o 25 de Abril com o nome original, ou seja, Rodrigues de Freitas.
A porta da sua casa, ao lado do café Diu, estava sempre aberta e era um ponto de encontro obrigatório para todos aqueles que, mesmo não sendo católicos praticantes, como era o meu caso, tinham por ele uma enorme estima.
Não estarei a exagerar se disser que o padre Mário Oliveira é um dos portugueses que mais admiro. Creio que não vale a pena acrescentar mais nada.
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