Linha do Douro à moda antiga revolta utentes
Projecto de electrificação está em vias de ser adiado, penalizando muitos passageiros
(JN) 17.6.2010 António Orlando
Foram feitas expropriações, foram demolidas casas, até já foram abertas as propostas para a execução da obra, mas a electrificação da linha entre Caíde e o Marco, prometida há muitos anos, está em vias de não ser concretizada.Os passageiros estão revoltados.
O plano de investimentos da Refer está a ser “objecto de revisão” e, conforme admitiu a própria empresa, em resposta ao JN, só após a conclusão desse trabalho é que se ficará a saber se a electrificação daquele troço será mesmo para avançar.
Autarcas e população têm poucas esperanças e acreditam que, num contexto de crise, o projecto vai continuar congelado. Ainda que o serviço seja vital numa zona onde residem cerca de 120 mil pessoas.
Quem usa o comboio como meio de transporte está farto das velhas automotoras a gasóleo. São lentas e, volta e meia, avariam. Luís Teixeira, 26 anos, engenheiro mecânico nascido e criado em Rio de Galinhas, Marco de Canaveses, começa a “pensar duas vezes” se vale a pena continuar a passar pelo martírio do transbordo diário.
“No mínimo, perco uma hora por dia neste entra e sai do comboio. Enem sempre há ligações. Mais: por vezes, os comboios velhos avariam”, critica o passageiro. “Imagine o que não poderia fazer numa hora, cinco dias por semana...”, desabafa. Deixar a sua terra e ir morar para outro lado é uma hipótese que ganha cada vez mais força.
São muitos os passageiros que partilham o tormento de Luís Teixeira. A viagem entre o Marco e o Porto tem cerca de 50 quilómetros, mas obriga a transbordo em Caíde. Entre aquela freguesia de Lousada e o Marco (cerca de 16 quilómetros) a linha ainda não está electrificada. As viagens são feitas em velhas automotoras a gasóleo.
Carlos Monteiro já não acredita que a electrificação venha a ser executada. Mas, apesar de “achar mal”, atribui responsabilidades a todos, utentes incluídos. “Quando vemos fazer outras obras, que se calhar não são tão necessárias, e deixamos que isso aconteça... os culpados somos nós”, argumenta.
A própria economia local ressente-se da falta de um meio de transporte eficaz. Veja-se, por exemplo, o caso da Nanta. A empresa de rações do Marco de Canaveses adquiriu recentemente unidades em Mealhada e em Alverca e anseia pela electrificação da linha, para garantir um sistema de transporte em condições, retirando os camiões da estrada. Actualmente, a empresa tem a circular cerca de 50 pesados por dia.
A construção de uma plataforma logística para escoamento de produtos (empreendimento privado) e a criação de um terminal rodoviário (parceria público/privada entre a Câmara e uma transportadora), ambos projectos a nascer no Marco, também estão em risco por causa do adiamento da electrificação da linha.
Opresidente da Autarquia marcoense, Manuel Moreira, não tem dúvidas de que a electrificação da Linha do Douro vai marcar passo, uma vez que “a Refer já ultrapassou o plafond de endividamento para o ano em curso”.
O facto é que o grosso do investimento até já estará feito, uma vez que das 23 passagens-de-nível que existiam apenas faltará eliminar uma (Santo Isidoro, Marco) e as expropriações já foram pagas, algumas das quais envolvendo valores bastante avultados.
Enquanto a situação não se resolve, há quem prefira fazer de automóvel a viagem entre o Marco e Penafiel, apanhando ali o comboio para o Porto. Os 90 cêntimos de portagens são baratos ao pensar nas dores de cabeça que se poupam.
Ligação continua sem carris
A indignação entre os utentes da Linha do Douro transborda para os passageiros da Linha do Tâmega, ou melhor, da antiga Linha do Tâmega, que ficou sem carris na ligação entre Amarante e a Livração (Marco de Canaveses) em Março de 2009.
“Foi uma chapada que nos deram à falsa fé”, sentencia Adelaide Pinto, sentada num banco da estação da Livração, enquanto aguardava pelo autocarro que a iria levar de volta à freguesia de Vila Caiz (Amarante). O autocarro substituiu o comboio. E não há esperança de que o transporte ferroviário regresse. “Prometer, toda a gente promete. Agora cumprir... Nunca mais vamos ter comboio”, observou Adelaide Pinto, não poupando críticas ao Governo e às câmaras municipais.
A circulação na Linha do Tâmega foi proibida pelo Governo três dias depois da Câmara de Amarante ter celebrado os 100 anos da estrutura.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
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