quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Face oculta
Pinto Monteiro esconde escutas de Paulo Penedos e de Vara
(Público) 10.02.2010 - 08:34 Mariana Oliveira
Pinto Monteiro recusou o acesso aos autos relativos a este caso com o argumento de que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Noronha Nascimento, tinha declarado nulas as 11 intercepções que apanharam o primeiro-ministro José Sócrates, a falar com Armando Vara, na altura vice-presidente do BCP.
O que Pinto Monteiro omitiu a todos foi que nas certidões que lhe chegaram estavam também incluídas escutas telefónicas, cuja validade ninguém contesta, entre Paulo Penedos e Rui Pedro Soares, o administrador executivo da empresa para quem o advogado trabalhava, relevantes para as suspeitas que envolvem o primeiro-ministro. E que havia ainda outra escutas envolvendo Armando Vara e outras pessoas, que não José Sócrates.
A diferença da validade das intercepções está relacionada com um regime especial, introduzido na última reforma penal em 2007, que prevê que, no caso das três mais altas figuras do Estado, incluindo o primeiro-ministro, o presidente do Supremo é o responsável por "autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversas" em que estes intervenham, além da respectiva destruição. A autorização de todas as restantes escutas cabe ao juiz de intrução do caso, neste caso, António Gomes, que validou as intercepções de acordo com as formalidades legais.
"Não é possível facultar certidões dos despachos proferidos pelo procurador-geral da República, uma vez que nos mesmos se encontram transcritas partes dos relatórios referentes às gravações em causa [as do primeiro-ministro], já que não seria possível fundamentar os despachos sem referir o que foi escutado", alegou Pinto Monteiro pouco antes do Natal.
Nessa altura, admitia, contudo, divulgar as decisões integrais do presidente do STJ, o que de facto veio a fazer.
Não se percebe é porque é que não facultou nessa altura também o acesso às escutas agora reveladas pelo semanário Sol.
Questionado pelo PÚBLICO, o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP), João Palma, diz não conhecer qualquer argumento jurídico que possa sustentar a recusa destes elementos. O PÚBLICO questionou, sem sucesso, Pinto Monteiro sobre o motivo que o levou a recusar o acesso às certidões sob o pretexto de que as escutas nele contidas eram nulas, quando afinal há nestes autos várias intercepções válidas e relevantes.
As regras de acesso aos processos judiciais foram ontem um dos assuntos do dia, com o ministro da Justiça, Alberto Martins, a anunciar que pediu ao procurador-geral da República para apresentar "com urgência uma solução tendente a combater as sucessivas e sistemáticas violações do segredo de justiça". Numa conferência de imprensa, o ministro defendeu afincadamente o presidente do STJ e o PGR. "Além de completamente descabidos e inaceitáveis, são um perigoso precedente, os ataques feitos ao presidente do STJ e ao PGR, que agiram estritamente no âmbito das suas competências", afirmou Alberto Martins. E acrescentou: "A Justiça não se faz na praça pública, mas sim nos tribunais, e com respeito pelos que neles exercem funções".
A conferência de imprensa do ministro foi marcada já depois de a Associação Sindical dos Juízes Portugueses ter divulgado um editorial, assinado pela Direcção Nacional, no qual avisava que "começa, publicamente, a questionar-se a real autonomia do Ministério Público e a efectiva independência do poder judicial. Porque, perante os factos ora divulgados, os cidadãos não compreendem as razões que levaram aquelas autoridades judiciárias a desvalorizar os indícios recolhidos no inquérito". "É um imperativo democrático que as principais autoridades judiciárias prestem os esclarecimentos que têm a prestar. E que o façam imediatamente, de forma cabal e definitiva, para que, de uma vez por todas, não fique qualquer dúvida sobre os seus procedimentos e decisões", insistem.
Já o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público diz estar a acompanhar com "muita preocupação e perplexidade" o que se está a passar e lamenta que os "magistrados se debatam com uma série de situações que não lhes permitem exercer com objectividade e serenidade as suas funções". João Palma faz assim uma alusão ao caso das alegadas pressões do procurador Lopes da Mota sobre os seus colegas responsáveis pela investigação do caso Freeport para arquivar o processo. Quanto às palavras do ministro da Justiça, João Palma afirma: "Chega a ser ridículo e triste que se reduzam os problemas da Justiça em Portugal a alegadas violações do segredo de justiça".

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