quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Inéditos de Sampaio Bruno: evolução e revolução
Por Pedro Baptista, Doutor em Filosofia, escritor e investigador
(AS ARTES ENTRE AS LETRAS) 24.02.2010
Em a “A FOLHA NOVA”, 1883, a 8 anos do 31 de Janeiro, o filósofo portuense considera que se impõe ao movimento republicano passar para uma nova fase do “processo” pois, até então, desmontaram-se as ilusões sobre o governo da realeza, mostrando a que ponto o sistema político é “racionalmente absurdo, atentatório da dignidade cívica e na prática traduzindo-se em mil funestos resultados”, mas era a altura de ultrapassar essa fase negativa, transitória, e passar a outra, “fundamentalmente, orgânica e sintética”, uma vez que a “monarquia já morreu nos espíritos”, sendo “preciso agora dissolvê-la de facto”.
Na arquitectura política bruniana, surge a noção de república carac
terizada pela substituição da figura de rei hereditário, pela de chefe supremo electivo, mas a transformação política que preconizava não se podia ficar por aí, não podia ser apenas republicana, mas teria de ser democrática, implicaria o estabelecimento de novas instituições e a organização da sociedade civil e política em princípios de liberdade individual e garantia de direitos!
Das duas, uma: ou se ia da república para a solução democrática, de um governo para as instituições democráticas ou, ao contrário, a democracia deveria edificar soluções até fechar a abóbada no poder republicano. Está claro que, no primeiro caso, o caminho era o da revolução, no segundo, o da evolução contínua. O primeiro, é o de juntar forças para desencadear a “violência armada”, o segundo, é o do “processo lento de sucessivas conquistas pacíficas”.
Bruno considera que o Partido Republicano já optou pela segunda via. “Ser evolucionista”, afirma, “é, no estado presente do desenvolvimento científico, uma obrigação intelectual, não uma questão de gosto, nem de preferências”. Ademais, afirma o pensador, os seus princípios filosóficos só lhe permitem aceitar a ideia de revolução por “necessidades históricas” que não existem entre nós. Bruno pretende pois “a democracia tornada governo” pois só ela poderá efectivar princípios que com a monarquia nunca sairão da atrofia, por isso combate com a pena, como combateria com a espingarda, se assim entendesse ser o seu dever. Mas o que, para lá do debate das duas opções, neste ano de 1883, Bruno não aceita, é que se cruze os braços face ao caos governativo e se espere o momento da sua putrefacção para agir! Isso levaria a uma acumulação de problemas de difícil resolução posterior, enquanto accionando desde já a “democracia a actuar como impulso governativo, ela obrigaria os conservadores a transigir sucessivamente”.
Para isso é preciso que as forças democráticas desenvolvam a propaganda pacífica, assim se conseguindo, pela persistência continuada, a concessão reclamada. A prazo, na estratégia bruniana de tomar o poder progressivamente, da democracia para a república, o Partido Republicano prestigiar-se-ia, o direito popular fortalecer-se-ia, e as instituições vigentes seriam cercadas pelas novas, de tal forma, que “o desmoronamento da realeza se faria sem abalos, sem sobressaltos, simples e triunfantemente”.
Sampaio Bruno assegura que “aos povos modernos repugna o princípio revolucionário” e que só o aceita se ele se impuser como uma necessidade histórica, mas vai deixando cair o aviso sobre o procedimento dos dominantes, quando incapazes de compreenderem os processos históricos e a sequente necessidade de recuarem e abandonarem posições.
O pensamento estratégico político de Bruno é o da democracia, no sentido de penetrar na consciência pública com as suas doutrinas, criando uma “energia mais poderosa” que face à acumulação de imperfeições e erros do regime monárquico, contribua para “produzir a mudança desejada”.
Mas interroga-se, agora no matutino portuense “A DISCUSSÃO”, já em 1884: Uma vez “chegados ao máximo da tensão” o efeito não deixará de se produzir e é provável que seja a revolução armada ou é provável que não.
Há exemplos históricos para um lado e para o outro. Se ocorrer, e é possível que assim seja, a intervenção ulterior e final do princípio revolucionário, estaremos a trair o nosso critério de evolucionistas? Bruno garante que não, pois, sendo “o princípio geral o evolutivo, a revolução não é mais do que um aspecto especial do desenvolvimento contínuo, o seu fecho, a sua consumação”.
O importante, reitera Bruno, é que a revolução seja antecedida “de toda uma preparação longa e obscura que durante anos aparentemente serenos se foi desfiando”. A revolução é o último termo de uma longa fieira de sucessos históricos! Estaremos à beira do momento solene? Será pretensioso respondermos neste momento, mas certo, reitera Bruno, é que mesmo sendo preciso ser evolucionista para ser revolucionário, “não será o nosso evolucionismo a proibir-nos de cumprir o terrível dever”!

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