segunda-feira, 3 de maio de 2010

Francisco Louça em entrevista ao JN
"A Esquerda portuguesa tem de saber chegar ao Governo"
(JN) Ontem Entrevista de ALEXANDRA MARQUES E PAULO MARTINS
Qual é a disponibilidade do BE para a revisão constitucional?
Não é prioridade, não é importante e não resolve qualquer problema na sociedade portuguesa. Estamos, em período normal de revisão, disponíveis, mas não é prioritária. O que é preciso [fazer] são pequenas correcções cirúrgicas. Se me pergunta se devemos alterar as leis eleitorais, a nossa resposta é "não".
É o que mais o preocupa na proposta do PSD?
Ninguém sabe muito bem qual é a proposta do PSD. Pelos vistos, tem duas vertentes: uma tentativa de aliança com o PS, para ganhar na secretaria os votos que não tem na população, para uma deturpação antidemocrática. Mas há uma segunda parte da proposta do PSD: o cheque-ensino, o cheque-saúde.
É a matriz liberal…
É a desagregação de serviços mínimos da democracia, que tornam as pessoas mais iguais perante a adversidade ou a falta de oportunidades. São golpes antidemocráticos, mas dou-lhes pouca credibilidade. Têm mais a ver com o jogo político de Passos Coelho, que chegou às eleições internas dizendo: 'Segurem-me, senão eu bato-lhes; mal for eleito rebento isto tudo!" E saiu das eleições a dizer: "Agora, vamos esperar o que for preciso", para uma revisão constitucional. O problema de Portugal não é a revisão constitucional; é o PEC, a especulação que leva a fazer disparar os juros da dívida externa, a crise económica.
Apesar das posições já conhecidas do PS, admite que ceda em algum plano?
Todas as revisões constitucionais foram feitas por cedências entre o PS e o PSD. Sempre se entenderam e o resultado foi sempre péssimo para os portugueses. A grande diferença é que durante os últimos cinco anos e meio o PS foi, ele próprio, o "Bloco Central". Isso levou uma certa Esquerda do PS a ser causticada pelo socratismo - Cravinho, Alegre, entre outros. Agora, reconstituem-se as condições em que o PSD tenta renegociar com o PS as condições da matriz liberal. Mas ninguém foi tão longe como o Governo de Sócrates. A Direita nunca se atreveu…
Também o PSD nunca teve uma posição tão liberal.
Exactamente. Por isso se pode aproximar tanto da ideia de que o serviço de saúde deve ser mínimo. E veremos se não é na Segurança Social, que já foi tão transformada, que se fazem os próximos acordos entre Sócrates e Passos Coelho. Há pressão para a redução das despesas sociais. Nisso, PS e PSD estão de acordo, o que é perigosíssimo para a sociedade portuguesa e levanta um problema para a Esquerda. A Esquerda tem de saber chegar ao Governo, disputar uma alternativa de governação, porque é a única solução para uma política de solidariedade e de justiça.
Como é que o Governo PS, tomando decisões que interpreta como de Centro-Direita, pode apoiar um candidato presidencial que está contra as medidas que referiu?
Essa é a contradição do PS.
Quando fala de Governo de Esquerda, é um Governo BE-PCP?
Não. Hoje em dia, o BE e o PCP não têm força para apresentar um Governo. É preciso uma transformação política da Esquerda, que dispute a maioria. Por que é que Alegre tem a confiança de que a Esquerda precisa de ter para estes combates difíceis? Porque é coerente. O discurso dele sobre o PEC é uma definição programática, absolutamente essencial.
Parece que o BE se "atrelou" ao milhão de votos que Manuel Alegre teve nas presidenciais…
Não. Aqui não há uma coligação. O candidato não depende do BE. Está acima do BE, como do PS ou do PCP. É uma disputa política; não procuramos dividendos. A coragem, na política, é escolher os campos em que têm de fazer-se as demarcações. Isso significa diálogos que não são novos. A eleição presidencial será clarificadora, porque Portugal vive um processo de degradação aceleradado. Exemplos: os três milhões de Mexia, os 18 milhões de Rendeiro, que quer que lhe paguem os impostos. São sintomas da rampa inclinada em que está a economia nacional.
Como se contraria?
É preciso criar uma alternativa. Não estamos só numa política de resistência. O protesto é fraco; a alternativa tem de ser forte.

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