terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

PEDRO BAPTISTA
Respostas ao jornalista João Vasco Almeida
(20.2.2010)
1 - Esta semana, disse em declarações públicas, o seguinte: "O partido vive, efectivamente, uma ditadura de silêncio. E o secretário-geral, com este procedimento, parece que considera o partido um rebanho com um pastor que o conduz para aqui e para acolá com os carneiros todos a balirem". Refere-se à infrequência das reuniões dos órgãos do partido ou ao clima político interno?
Refiro-me aos dois aspectos porque ambos constituem uma realidade no PS. A Comissão Nacional, que tem de reunir de 4 em 4 meses, reuniu agora ao cabo de quase um ano; a Comissão Política Distrital que tem de reunir de 3 em e 3 meses vai reunir agora ao fim de 4 meses porque houve quem fizesse barulho e para se inserir na campanha de desagravo em curso; a minha Secção que tem de reunir de 3 em 3 meses reúne de 4 em 4 anos. São exemplos, não é todo o partido assim, mas é grande parte, porque os paradigmas de incumprimento dos estatutos, ou seja da lei do partido, vêm de cima. Lutamos pelo Estado de direito democrático, mas dentro do PS não há “estado” de direito. E tudo porque a apetência pelos lugares do poder não deixa emergir a cultura democrática. Por isso há um clima de silêncio e aquiescência. A quem afirmar a sua cidadania militante e a sua independência pensante e falante, ainda não lhe partem as rótulas nem há notícia de atropelamentos viários mas é marginalizado. No PS as diversas sensibilidades com pensamento autónomo deixaram de estar representadas nos órgãos, porque a pluralidade é reprimida por um poder que não está preparado para trabalhar com a diversidade, tem medo de se apagar no confronto democrático. São pessoas que não se bateram contra a ditadura e têm uma noção instrumental da democracia.

2 - A sua crítica, ainda, fala mesmo das Comissões que agora tocaram a reunir. Diz: "O secretário-geral tem de se submeter aos estatutos. Nunca estes órgãos funcionaram regularmente. A Comissão Nacional vai reunir agora, mas não reunia há um ano e tinha de reunir de quatro em quatro meses." Perante o facto, considera que os seus camaradas de partido estão, eles sim, apáticos perante a situação?
Também é verdade. De cima para baixo procura narcotizar-se o partido mas a verdade é que sendo todos os militantes maiores e vacinados só se deixam narcotizar porque querem. A liberdade, como a dignidade, não é uma dádiva mas uma conquista permanente. Há no entanto um grande número de militantes virtuais que só existem para os cabos de voto exibirem o seu poder negocial e outros para quem a independência de espírito ou o livre pensamento não são valores mais importantes, pelo contrário. Todavia, os portugueses, já mostraram que são dos povos com mais capacidade de surpreender. É provável que um destes dias haja surpresas. Mas a obrigação da liderança era manter sempre o partido mobilizado e utilizá-lo como entremeio interactivo da liderança e da sociedade nos dois sentidos. Não mantê-lo desactivado e activá-lo de repente para bradarem um clamor de apoio ao Chefe!

3 - Nas últimas semanas ressalta o facto de serem jovens militantes do PS, com carreira iniciada na Juventude Socialista, a aparecerem como cara dos escândalos - os chamados "boys". Considera que, por exemplo, a extinção das juventudes partidárias podia impedir o carreirismo político?
Sim, as Jotas têm todos os defeitos dos outros e não são uma iniciação às virtudes republicanas. Nos partidos socialistas europeus nos anos 60 tinham uma missão, hoje, como não têm pensamento autónomo e se dispõe a serem instrumentalizadas a troco de um espaço para carreira, não servem para nada, antes pelo contrário. Imagino que haja uma excepção ou outra que confirmam a regra. Infelizmente.

4 - Perante o cenário montado à volta do Governo, que conselhos daria ao seu Secretário Geral, uma vez que aparentemente as declarações do eng.º José Sócrates não convencem cabalmente os políticos adversários e o País?
Esclarecimentos substantivos e materiais das questões que surgem. Tanto dos problemas que são levantados pela comunicação social, como pelas questões que são colocadas no parlamento pelo oposição. Não declarações de fé, porque a grande maioria das pessoas perderam a “fé”.

5 - O Partido Socialista aparenta estar refém de figuras de sucessão, como António Costa ou António José Seguro. No entanto, parece que há muito não se discute política pura, como foi feito em tantos outros momentos. Concorda?
O esquema das eleições directas precedendo numa quinzena de dias o congresso, embora tivesse virtualidades, falhou porque destruiu totalmente os congressos. Não são mais do que Te Deum que, politicamente, só servem para a propaganda e barata do líder entronizado. Temos de voltar aos congressos em que há a legítima luta de ideias e de pessoas pelo poder. O esquema das directas, afinal, não funciona. E dá uma força exagerada ao líder, fora dos padrões republicanos tradicionais. Os militantes exprimem-se pela eleição dos delegados. E os delegados elegem os dirigentes. É assim que tem de voltar a ser.

6 - E, já agora, tem alguma consideração a tecer sobre os nomes indicados ou apostaria noutras figuras para suceder ao actual líder do PS?
Há muitas outras pessoas, felizmente, no PS, com capacidade para exercerem o cargo de Secretário-geral e serem Primeiro-ministro.

7 - A sua história pessoal encerra momentos de combate pela liberdade. Na sua mais profunda opinião, há motivos para, em Portugal, se temer a falta de liberdade de expressão? E de imprensa?
Tudo é relativo quanto à liberdade de expressão. No PS os quadros distritais têm 3 ou 4 minutos de liberdade de expressão por trimestre se tiverem sorte. Mas quem tem acesso à comunicação social, porque esta o quer ouvir, tem liberdade de expressão. Só que tem também as consequências na marginalidade política dentro do partido, “castigo” que inibe alguns. Na sociedade a liberdade também implica responsabilidade. Por isso há a lei. Ninguém tem direito a fazer censuras prévias. A lei exerce-se a posteriori excepto quando há providências cautelares e é assim que deve ser. Assusta-me que em relação à Manuela Moura Guedes alguns se tenham atrevido a fazer, praticamente, como corolário de uma crítica do gosto, uma censura do gosto! É um estado muito avançado dum comportamento ditatorial! Quanto à liberdade de Imprensa a questão é mais complexa. Em democracia ela deve ser sagrada. Porque sem liberdade de Imprensa não há democracia, o sistema resvalará logo para a cleptocracia e a tirania. É intolerável que haja qualquer ingerência directa ou indirecta do poder (e sobretudo do poder) para controlar os media. Claro que todo o agente político pode e deve refilar como quiser com os jornalistas, como pode e deve procurar seduzi-lo com os seus argumentos, o seu charme, a sua inteligência, até o seu alfobre informativo! Mas controlá-lo, no sentido de o dominar, de lhe coarctar a independência crítica, isso não. E se a ideia é ir pela propriedade dos jornais para nomear boys para as directorias temos uma berlusconização da democracia, não há democracia, há, com efeito, um crime contra uma dos pilares essenciais do Estado de direito. Os jornalistas têm também uma palavra (ou a muitas) a dizer. Eles também são combatentes pela liberdade, é este mesmo o aspecto principal do seu “profissionalismo”, mas também aí, como em toda a parte, houve sempre o sabujo, o rafeiro, o miserável. Além disso, os jornalistas deviam ser defendidos da precariedade, como os polícias, os juízes e os políticos, são defendidos de muita coisa, com vista a preservar-lhe a liberdade, a independência e impedir a chantagem sobre a qualidade informativa ou seja sobre a verdade plural. É essencial para a democracia e para o país.

8- Por fim, considera que o eng.º José Sócrates tem ainda condições para se manter como primeiro-ministro, ou o PS devia indicar um novo nome ao senhor Presidente da República.
O ideal seria ser Sócrates a ter consciência que estamos no fim dum ciclo. Fez o melhor que sabia e podia. Mas a sua imagem está muito desgastada e degradada. Licenciatura ao domingo com um mesmo professor a 5 disciplinas que está a ser julgado por corrupção com família de permeio, Freepoort envolvendo de novo a família, Face oculta com as contradições na PT e tudo gente da sua roda, tem sido demais, mesmo para quem tem a capacidade de resistência dele. Por muito menos, com atoardas totalmente infundadas, Ferro Rodrigues saiu para lhe dar o lugar. A resistência de Sócrates tornou-se um problema pessoal, dele e da sua roda. Para o PS é preciso outras soluções. Para o país, também, no quadro dos resultados eleitorais das últimas legislativas, em que há soluções alternativas aos últimos 10 anos que, com várias coisas positivas, enterraram o país numa situação muito difícil e que tende a piorar.

5 comentários:

Pedro Aroso disse...

Caro Pedro Baptista

Este é um assunto que não me diz respeito e, como tal, talvez devesse ficar calado. No entanto, não ficaria de bem com a minha consciência se não o felicitasse pela sua coragem. Faço-o com o mesmo distanciamento, mas também com a mesma admiração que sempre tive pelos deputados da Ala Liberal no tempo do Marcelo Caetano e, mais recentemente, com aqueles militantes do Partido Comunista que, após uma vida de luta e sacrifícios pelo partido, foram capazes de perceber que os interesses do país falam mais alto.

Um grande abraço

AM disse...

Caro Pedro Aroso

Portugal é dos cidadãos (na maioria portugueses), não dos militantes deste ou daquele partido.

Se apenas os partidos podem apresentar candidaturas e ser eleitos para o parlamento e, daí, escolher a equipa e as políticas que vão determinar os destinos deste país e dos seus cidadãos, tal diz-nos respeito a todos e não apenas àqueles que, seja movidos pelas mais altruístas ou pelas mais reles das intenções, resolveram aderir a um programa e integrar um partido político.

Da mesma forma que as lutas intestinas a que assistimos no PSD entre as jovens hienas excitadas com o cheiro da carniça de um Sócrates ferido (de morte?) nos dizem respeito a todos, também a todos diz respeito a luta de alguns que pretendem devolver dignidade, honestidade e sentido de serviço à causa pública, remando contra a maré, num PS embrutecido pelo poder e suas mordomias.
SEMPRE e não apenas agora que o "chefe" deixou de parecer garantia de coisa nenhuma (quando já nem consegue segurar os boys nas EP........)

Assim, em minha opinião, este assunto diz-lhe todo o respeito e, como tal, fez muitíssimo bem em vir aqui felicitar o Pedro Baptista.

O assunto também me diz todo o respeito e, tal como o Pedro Aroso, também eu sinto a obrigação (que é um prazer) de felicitar o Pedro Baptista, não tanto pela sua coragem (que penso não ser ainda o caso), mas acima de tudo pela sua lucidez, pela sua clarividência, e pela sua seriedade.

Assinaria tudo por baixo sem hesitação (vá lá, pelo menos aí uns 99,99%) :)

Espero que ainda seja possível aos Socialistas, aos Democratas, aos Republicanos, vir a reconquistar o Partido Socialista aos seus actuais "donos".

Quando isso acontecer (ou para ajudar a que isso aconteça) sabe que pode contar sempre com o meu apoio.

Obrigado
António Moreira

Paulo MB disse...

Caro Pedro,
Mantenho que é necessário eleger o secretário-geral em directas, mas as mesmas deveriam ser precedidas de um Congresso para que aí se discutissem alternativas a sério e não a simples consagração do eleito.
Quanto ao estado do PS é certa a tua visão. E todos o sabem. Mas fazem de conta...
Por fim, discordo da conclusão final da tua entrevista. Para mim, não é por haver um clima muito bem montado para apear o líder do PS, que o mesmo deverá sair. Ferro Rodrigues não devia ter virado a cara à luta. Fraquejou. Terá Sócrates de fazer o mesmo?
Dos fracos não reza a
História.

Pedro Baptista disse...

Caros Amigos:
É preciso ter azar! Estive 40 minutos a responder às vossas prestimosas contribuições, com mais detalhe para a do Paulo e o seu reparo á parte final da minha entrevista, mas quando tentei publicá-la, por 2 vezes, sumiu-se! Só pode ser por excesso de tamanho. Ou excesso de nabice tecnológica minha. Anda-me a faltar o choque. bem, Caro Paulo, lá terei de escrever um artigo sobre o tema, um destes dias.
Obrigado e abraço a todos

coelho dos santos disse...

Meu caro Pedro Batista
É depois de ler a tua entrevista e os comentários inerentes, que fazem jus a quem os escreve, que resolvo colaborar, descrevendo o conteúdo de uma carta que enviei aos militantes da minha secção, em 13.11.2006 ,que julgo se enquadra mais ou menos no que, corajosamente, denuncias.
E é pelo facto de me rever no que dizes, que o faço, por considerar que, apesar desta distância, contempla alguns laivos de actualidade.
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- "Terminou da maneira já esperada o Congresso do Unanimismo O Congresso que determinou a "formação" de um outro PS. Um P+S Caudilhista.
Para mim,habituado que estou
às várias metamorfoses que o PS tem passado nos últimos tempos, nunca pensei que fosse esta a "forma" encontrada para o "domesticar".
Não restam dúvidas aos mais esclarecidos e aos menos dependentes, que este P+S, o tal da Esquerda Moderna, vai reinar por uns tempos. Até quando, não se sabe e da maneira como vai acabar, muito menos. O que é certo, é que neste momento não existe partido, para além do governo. Mas... o tempo, que tudo decide, lá se encarregará mais cedo ou mais tarde de repor as coisas no seu devido lugar. Até lá, cabe aos socialistas da "mãozinha", àqueles que uns quantos rotulam de "obsoletos e ultrapassados", guardar com convicção os valores que lhes são queridos, pois foram herdados e, evitar com determinação que estes sejam tidos como "dejectos mal cheirosos".
O socialismo, traduzido na solidariedade, na igualdade e na fraternidade, não tem idade, não tem dono e muito menos cheiro. Mistura-se com o desejo e complementa-se com a esperança.
Não venham com a treta, de que o socialismo moderno se identifica e enquadra melhor com o Partido de hoje.
Pode-se ser Caudilho, sem ser necessário inventar "fantasmas" nem lançar anátemas sobre o que, ou quem quer que seja, para utilizar um poder que num certo momento é dado e num outro, retirado. Mesmo, quando o poder é legitimamente obtido com 98% não o torna só por isso, infinitamente duradouro.
Por tudo isto, é que entendo que o Partido Socialista, seja "antigo" ou "moderno" não pode renunciar à sua Gênesis Republicana e não é por isto, que deixará de ser um partido moderno e de sempre."
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Meu caro Pedro
Acredita que tudo isto que se está a passar no Partido Socialista, é um problema de coluna vertebral.
Hoje no partido, deixou de haver valores e princípios. Deixou de haver um mínimo de solidariedade e unidade na acção. Cada um é uma personalidade e o "narcisismo" alastrou em vários sentidos.
A política sem ideais fenece com o tempo, não é mais que uma prática mercantil, que desprestigia a política, os políticos e a democracia. Hoje os valores éticos são uma utupia. O espirito de serviço é interesseiro. Os comportamentos quotidianos, são uma aberração.
Fiquemos atentos e esperançados, pois não há bem que sempre dure e mal que nunca acabe. Lutemos para uma renovação de nomes mas sobretudo para uma alteração de comportamentos e de postura ética.
Um abraço amigo
CS