REN ou REM?
Manuel Correia Fernandes, Arquitecto
Ecomo se já não bastasse a sensação de que a crise "global" está instalada, eis que as notícias vindas do lado de quem nos governa, não ajudam a melhorar as coisas. De facto, entre as coisas bem resolvidas mas mal explicadas e as coisas mal explicadas mas também mal resolvidas, há situações para todos os gostos sendo que, em geral, são quase sempre mal compreendidas. Esta questão está a tornar-se estrutural a ponto de nada parecer fazer parte dum programa ou dum plano de que se conheça o princípio, o meio e o fim. Por isso, a desconfiança é a primeira atitude com que o cidadão comum recebe as decisões e a ultrapassagem da lei a primeira arma com que pensa defender-se.Ora, a questão que hoje retorna às primeiras páginas dos jornais, é de fundo, é estruturante mas aparece assim de mansinho como se de um simples detalhe se tratasse no meio da confusão de leis que é o ordenamento jurídico do nosso ordenamento territorial. Refiro-me à importantíssima questão das áreas de "reserva nacional" como é, no caso presente, a questão das áreas de Reserva Ecológica Nacional (REN) que, por definição, e tal como as áreas de Reserva Agrícola Nacional (RAN), têm carácter nacional e estão vinculadas a um estatuto que as diferentes instâncias do poder regional ou local não podem alterar a seu bel-prazer. Resumidamente, o problema é o seguinte em termos de ordenamento territorial, há áreas que estão classificadas como de reserva para determinados fins ou actividades como, por exemplo, o uso agrícola, o equilíbrio ecológico, a salvaguarda da paisagem, a protecção dos cursos de água ou de monumentos, etc. Trata-se, portanto, de áreas que se pretendem defender de malfeitorias ou de usos que não sejam estritamente do foro da coisa pública. Teoricamente, tais áreas, estarão assim defendidas de intervenções que as destruam, desfigurem ou, de qualquer modo, as ponham em causa. Dizemos "teoricamente" porque todos sabemos que em Portugal, como dizia o presidente Jorge Sampaio, "as leis são, assim, uma espécie de
sugestões!" e não disposições para seguir com o rigor próprio dum estado de direito e justo. Em Portugal, a verdade é que há muitas situações em que a lei é a lei por mais que a realidade não encaixe nela (são as leis injustas) ou, então, em que sempre se descobre uma boa razão para não lhe dar cumprimento (são as leis impraticáveis). Vivemos, portanto, num regime perigoso e potencialmente destrutivo do estado justo.Temos, agora, uma nova investida no sentido de "descentralizar" a definição das áreas de REN, em que o governo se propõe passar tal competência para as autarquias. A verdade, no entanto, é esta e é clara se alguma coisa tem contribuído para que o território nacional não esteja mais destruído do que o que está, essa coisa é a REN. À REN pode, ainda, acrescentar-se a RAN, que tem sensivelmente o mesmo regime, ou seja, ambas são definidas pelo poder central e só o poder central as pode alterar e em determinadas condições. É certo que isto não garante tudo porque todos conhecemos os atropelos que o poder central tem permitido quando não é ele próprio o autor da malfeitoria, bastando, para tanto, que a oportunidade se apresente como um bom negócio. Mas, apesar de tudo, sempre é mais escrutinado o poder central do que a miríade de pequenos poderes locais que - caso essa transferência se dê - não se coibirão de, por tudo e por nada, afectar e desafectar (mas, sobretudo, desafectar) as referidas áreas da dita classificação.Porquê, então, esta mudança? Como sempre, falta, pelo menos, explicar porque razão, o governo, quer passar a responsabilidade do desenho das áreas de "reserva ecológica" do nível nacional (REN) para o nível local, de onde não poderá resultar mais do que um simples somatório de pequenas e vulneráveis áreas de "reserva ecológica municipal" (REM)?
(JN 15.02.2008)
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
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