A petição do Douro
Elisa, Ferreira, Eurodeputada
Nas próximas semanas, haverá um sem-número de temas a suscitar comentário as eleições paquistanesas, ainda no rescaldo do assassinato de Benazir Bhutto; a estimulante e interessantíssima disputa que se desenrola no campo democrata das eleições americanas; na Europa, enquanto a economia oscila, aguarda- -se as últimas auditorias às contas anuais dos bancos, ainda na senda, que parece não mais terminar, da chamada "crise do subprime"; mais perto de nós, a tensão política aumenta em Espanha com a aproximação das eleições legislativas, ao mesmo tempo que em Itália, e para desilusão de muitos (entre os quais me incluo), os caminhos parece convergirem no sentido de facilitar o regresso de Berlusconi ao poder...Mas hoje optei por não tratar destes ou de outros magnos tópicos equiparáveis em favor de me debruçar sobre um tema a que, embora possa parecer eventualmente menor para alguns, atribuo pessoalmente o maior relevo; refiro-me a um abaixo-assinado subscrito por mais de sessenta viticultores do Douro a propósito da construção de uma estrada.Pensará talvez o leitor que se trata de mais um desses movimentos que nos habituámos a ver surgir, quer em Portugal, quer no resto da Europa, para chamar a atenção e pedir aos decisores políticos que construam infraestruturas e equipamentos, que evitem o encerramento de certos serviços públicos, que produzam legislação protectora deste ou daquele interesse, que impeçam a destruição ou desvalorização de certos direitos adquiridos; em síntese, pedindo mais despesa, mais direitos, mais serviços. Ora, o carácter totalmente original da iniciativa a que me refiro reside precisamente no teor do pedido de forma inédita, esta petição aponta para que o Governo "não faça" uma obra prevista, para que ele não se meta a construir de novo, para que opte antes por manter e recuperar o que existe (poupando a paisagem e as melhores vinhas do Douro e, acrescento eu, também muito dinheiro). É, pois, o carácter "sui generis" desta iniciativa que me leva a dar-lhe visibilidade pública, na esperança de que venha a merecer a devida consideração.Trata-se da construção que está em curso de um troço do chamado Itinerário Principal 2 (IP2) - a estrada que, de acordo com o Plano Rodoviário Nacional, ligará o norte de Bragança a Faro pelo interior do País -, concretamente do trecho em que ela atravessa o Douro (mais precisamente entre Junqueira e o Pocinho).Sem entrar em outros detalhes, está-se em pleno Alto Douro Vinhateiro, a tal região que mereceu a classificação de Património da Humanidade por parte da UNESCO pela sua qualidade paisagística, isto é, em resultado de um equilíbrio único entre a natureza e o trabalho secular dos homens em torno de um produto de reconhecimento mundial, os vinhos do Porto e do Douro. Uma região relativamente à qual, após anos e anos de adormecimento, parecemos enfim despertar seja aos olhos dos investidores privados dos sectores do vinho e turismo ou enquanto prioridade de política nacional.Com este enquadramento, esperar-se-ia que as propostas de atravessamento por estrada fossem rodeadas de cuidados absolutamente excepcionais no sentido de interferirem o mínimo possível com a paisagem, com valores ambientais relevantes e, ainda, com as estruturas fundamentais de produção vinícola de grande qualidade. E é neste preciso sentido que deveria ser interpretada a recomendação consagrada no estudo prévio sobre a construção do IP2 nesta zona aproveitar, tanto quanto possível, o traçado da estrada pré existente (EN 120).Chegada a "hora da verdade", é absolutamente surpreendente que nenhuma das três propostas concretas de traçado apresentadas para discussão pública na fase de AIA (Avaliação de Impacte Ambiental) cumpra tal recomendação. Não há mesmo, nesses estudos, qualquer referência ao estatuto paisagístico do Douro, apesar de duas das alternativas se proporem atravessar extensamente a zona classificada. Algumas das propostas admitem mesmo cortar (o que pode querer dizer destruir) uma das mais emblemáticas quintas que pertenceram a Dona Antónia Adelaide Ferreira, na qual estão em curso importantes projectos de investimento e se produzem alguns dos vinhos mais premiados nacional e internacionalmente (o "Barca Velha" da Ferreirinha, por exemplo). Acresce que zonas sensíveis de reserva ecológica podem também vir a ser atravessadas.Mas por que foi afinal abandonada a opção de melhorar a estrada existente? Sem mais explicações, o estudo refere taxativamente que "não contempla o aproveitamento do traçado da actual EN 120 pelo facto de ela se desenvolver a cotas inferiores à cota da cheia milenar do rio Douro"; por outras palavras, na menos má das hipóteses (a que mais se aproxima da EN 120), a nova estrada teria troços paralelos à que já existe, escavados na meia encosta, obrigando à construção de túneis e taludes e causando uma forte agressão paisagística unicamente para precaver a hipótese de, uma vez em cada mil anos, a água do Douro chegar à estrada!!!Sei que, em 30 de Novembro último, saiu em 'Diário da República' o anúncio do concurso da "Subconcessão do Douro Interior", integrando esta e outras obras; no entanto, tenho confiança de que, à semelhança do que já aconteceu com projectos mais visíveis do que este, o bom senso e o amor a um activo da importância do Douro possam vir a prevalecer!P.S. - Uma recordatória final se considera que o Douro merece juntar aos seus galardões o de ser uma das sete maravilhas da natureza, não deixe entretanto de ir a www.new7wonders.com para votar "Douro".Elisa Ferreira
domingo, 17 de fevereiro de 2008
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