O filósofo alemão Peter Sloterdijk, em “A Loucura de Deus”, recentemente publicado entre nós, atribui ao militantismo universalista e monoteísta, do judaísmo ao cristianismo e ao islamismo, prolongando-se pelo iluminismo, de Voltaire a Rousseau e a Robespierre, e pelas suas derivações leninistas, trotsquistas ou maoístas, a faculdade de se transformar num universalismo incontrolado, manipulado pelo demónio do bem capaz de se concretizar num “fascismo de bem”.
O crime será o supremo culto de Deus pelos que mais almejam a pureza da coerência e da obediência na execução dos superiores ditames, no cumprimento do dever. Actos de heroísmo subjugando a própria natureza, mormente qualquer tensão repulsiva, a “natural” fraqueza que cumpre ultrapassar.
As piores formas de terror decorrem das mais elevadas intenções. Foram elas que preencheram o confronto intermonoteísta, do antijudaísmo cristão (S.João), do anti-islamismo cristão (Bizâncio, Dante, Bento XVI), do anti-paganismo cristão (oposição aos “pagani” e aos “gentili”), do anticristianismo e antijudaísmo islâmicos (Maomé, Sayyid Qutb), do anti-paganismo islâmico (culturas nómadas do deserto), do anticristianismo judaico (apagai os nazarenos!), do anti-islamismo judaico (nova-iorquino Meir Kahan), do anti-paganismo judaico (exofobia judaica judeus-nãojudeus), a que acrescentaremos as realidades e as possibilidades das cisões de um anti-cristianismo cristão(Reforma), de um anti-islamismo islâmico (“chia” do sunita al-Zarkawi) e de um antijudaísmo judaico (legalistas e messiânicos), rol que, dada a religionalização do ateísmo, será preciso completar com um ateísmo cristão (condenado à morte pela ortodoxia cristã ou pela teocracia de Massachusetts), um ateísmo islamista (condenado pelo zelo islâmico, possível morte para a apostasia) e finalmente com um ateísmo judaico (condenado pela piedade judaica), mas que se pode alargar ao iluminismo totalitário do esclarecido Rousseau preconizando a ameaça de pena de morte contra os apóstatas da “religião civil”.
E o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizec, com “Violência”, também publicado, este ano, no nosso idioma, interroga-se: será que quanto mais universal é a nossa ética explícita, mais brutal será a exclusão que lhe subjaz? Se a expressão de Paulo (“não há homens, nem mulheres!”) significar a exclusão dos que não aceitam a inclusão na comunidade cristã? Se afirmar que “todos os homens são irmãos” significar que os que não aceitam tal fraternidade, não são homens? Zizec lembra o paradoxo de Khomeni a afirmar que a revolução iraniana não tinha liquidado uma única pessoa e quando confrontado com as execuções noticiadas a responder que não se tratavam de pessoas, mas de cães criminosos! Não será que a superação que os cristãos tanto gostam de exibir, de terem ultrapassado o exclusivismo judaico do povo eleito com a noção de universalidade, não significará que enquanto os judeus aceitam a humanidade dos outros que celebram deuses falsos, o universalismo cristão exclui os não crentes da própria universalidade humana?
Os beligerantes tendem sempre para elevar o nível da violência pois, como afirmou Simone Weil, há sempre “um sentido ilimitado no desejo” e estes, ao contrário dos limitados, não estão em harmonia com o mundo; pior, o nosso contacto com o bem, ao contrário das atitudes anti-éticas egoístas, sendo impulsionado por desejos de infinitude, visam o absoluto! A origem do bem tem um poder destrutivo tal que, para a nossa estabilidade pessoal, tem de aparecer como mal. Por isso Cristo teve de morrer. Por isso o bem espiritual infinito acaba por ser a “máscara do mal”. A violência não é um acidente das religiões, é a sua essência; a disputa religiosa cresce como uma “maré tinta de sangue”. Também por isto é preciso o que Zizec denomina “a religião anónima do ateísmo”, pois o malogro de todos os esforços para unirem as religiões mostra ser este o único espaço para ser religioso.
Disseram-nos que sem religião não passaríamos de uma alcateia! Que dizer quando a religião emerge como principal fonte de violência assassina no mundo? Não será o ateísmo a oportunidade de paz? Nada melhor para ultrapassar as inibições homicidas do homem do que uma causa sagrada!
Em “Os Irmãos Karamazov”, “se Deus não existe tudo é permitido”? A lição do terrorismo actual é a de que se “há” Deus tudo é permitido, mormente matar milhares de inocentes. In nomine Dei.
O crime será o supremo culto de Deus pelos que mais almejam a pureza da coerência e da obediência na execução dos superiores ditames, no cumprimento do dever. Actos de heroísmo subjugando a própria natureza, mormente qualquer tensão repulsiva, a “natural” fraqueza que cumpre ultrapassar.
As piores formas de terror decorrem das mais elevadas intenções. Foram elas que preencheram o confronto intermonoteísta, do antijudaísmo cristão (S.João), do anti-islamismo cristão (Bizâncio, Dante, Bento XVI), do anti-paganismo cristão (oposição aos “pagani” e aos “gentili”), do anticristianismo e antijudaísmo islâmicos (Maomé, Sayyid Qutb), do anti-paganismo islâmico (culturas nómadas do deserto), do anticristianismo judaico (apagai os nazarenos!), do anti-islamismo judaico (nova-iorquino Meir Kahan), do anti-paganismo judaico (exofobia judaica judeus-nãojudeus), a que acrescentaremos as realidades e as possibilidades das cisões de um anti-cristianismo cristão(Reforma), de um anti-islamismo islâmico (“chia” do sunita al-Zarkawi) e de um antijudaísmo judaico (legalistas e messiânicos), rol que, dada a religionalização do ateísmo, será preciso completar com um ateísmo cristão (condenado à morte pela ortodoxia cristã ou pela teocracia de Massachusetts), um ateísmo islamista (condenado pelo zelo islâmico, possível morte para a apostasia) e finalmente com um ateísmo judaico (condenado pela piedade judaica), mas que se pode alargar ao iluminismo totalitário do esclarecido Rousseau preconizando a ameaça de pena de morte contra os apóstatas da “religião civil”.
E o filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizec, com “Violência”, também publicado, este ano, no nosso idioma, interroga-se: será que quanto mais universal é a nossa ética explícita, mais brutal será a exclusão que lhe subjaz? Se a expressão de Paulo (“não há homens, nem mulheres!”) significar a exclusão dos que não aceitam a inclusão na comunidade cristã? Se afirmar que “todos os homens são irmãos” significar que os que não aceitam tal fraternidade, não são homens? Zizec lembra o paradoxo de Khomeni a afirmar que a revolução iraniana não tinha liquidado uma única pessoa e quando confrontado com as execuções noticiadas a responder que não se tratavam de pessoas, mas de cães criminosos! Não será que a superação que os cristãos tanto gostam de exibir, de terem ultrapassado o exclusivismo judaico do povo eleito com a noção de universalidade, não significará que enquanto os judeus aceitam a humanidade dos outros que celebram deuses falsos, o universalismo cristão exclui os não crentes da própria universalidade humana?
Os beligerantes tendem sempre para elevar o nível da violência pois, como afirmou Simone Weil, há sempre “um sentido ilimitado no desejo” e estes, ao contrário dos limitados, não estão em harmonia com o mundo; pior, o nosso contacto com o bem, ao contrário das atitudes anti-éticas egoístas, sendo impulsionado por desejos de infinitude, visam o absoluto! A origem do bem tem um poder destrutivo tal que, para a nossa estabilidade pessoal, tem de aparecer como mal. Por isso Cristo teve de morrer. Por isso o bem espiritual infinito acaba por ser a “máscara do mal”. A violência não é um acidente das religiões, é a sua essência; a disputa religiosa cresce como uma “maré tinta de sangue”. Também por isto é preciso o que Zizec denomina “a religião anónima do ateísmo”, pois o malogro de todos os esforços para unirem as religiões mostra ser este o único espaço para ser religioso.
Disseram-nos que sem religião não passaríamos de uma alcateia! Que dizer quando a religião emerge como principal fonte de violência assassina no mundo? Não será o ateísmo a oportunidade de paz? Nada melhor para ultrapassar as inibições homicidas do homem do que uma causa sagrada!
Em “Os Irmãos Karamazov”, “se Deus não existe tudo é permitido”? A lição do terrorismo actual é a de que se “há” Deus tudo é permitido, mormente matar milhares de inocentes. In nomine Dei.
1 comentário:
..."A lição do terrorismo actual é a de que se “há” Deus tudo é permitido, mormente matar milhares de inocentes. In nomine Dei..."
Belo texto camarada Pedro. Pesado para plateia tão a leste e tão pouco interessada no tema. Filosófico é certo mas nem por isso menos entendível.
O Chico Marta, rapazito deficiente, meu companheiro de escola nos anos de 1958, quando confrontado pelo professor padre no exame para a comunhão solene que, por entre muitas perguntas sobre a doutrina cristã, perguntou quem era Deus, ele, com uma rapidez que espantou todos, respondeu:
-Deus é o meu pai Zé Maria!
Compreendeu-se na altura pois o pai era quem o alimentava, o que trazia o pão para casa.
O pai do Chico era um borrachão. Todos os dias se embebedava e batia-lhe até o pôr dias de cama.
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