sábado, 6 de junho de 2009

O Porto extraordinário e os outros
(Público) 06.06.2009, Amílcar Correia
A Serralves criada por Vicente Todoli e João Fernandes faz parte de um Porto extraordinário que ao longo de 40 horas esquece a sua faceta apática e sorumbática. É claro que o 10.º aniversário do Museu de Arte Contemporânea (e o 20.º da Fundação de Serralves) se transformou numa autêntica romaria, com vendedores de gelados e de algodão doce à porta. Como é óbvio, nada contra uns e outros. Afinal, a pá gigante de Claes Oldenburg é para todos. De resto, as inaugurações de Miguel Bombarda também se transformaram numa feira mensal. A diferença é que lá não há nenhuma pá de Oldenburg.A crescente adesão a este conceito de festas tem vindo a aumentar de ano para ano, comprovando a força da marca Serralves, sempre associada a requinte e contemporaneidade. Até talvez em demasia, como se Serralves tivesse um toque de Midas, e fosse caução para tudo, como se viu no Allgarve. No fundo, Serralves não escapa ao mesmo destino e funções que hoje são atribuídas a um espaço museológico e que vão para além da exposição de obras de arte segundo determinados critérios. Afinal, o MoMa não é apenas um museu; é também uma marca e um conceito de produto.O que mais importa aqui ressalvar é o impacto que estas festas non-stop representam para a área metropolitana na qual o Porto se insere e não nos estamos a referir a mais um recorde de entradas. Ano após ano, as festas de Serralves dessacralizaram o museu e a arte contemporânea, até transformarem os seus intermináveis jardins numa espécie de festival de Verão urbano. A relação que o museu estabelece com a cidade, abrindo-lhe as portas despreconceituosamente, só encontra paralelo com a relação que a Casa da Música procura fomentar com o seu público. As duas instituições fazem parte de um Porto extraordinário, que é excepcional numa cidade que só sai à rua em momentos muito especiais. Ou para celebrar o seu S. João ou uma cada vez mais rotineira vitória clubística.O mais natural era que a excepcionalidade deste tipo de iniciativas e o seu inegável sucesso fossem suficientemente aliciantes para alimentar em outras instituições uma mimética relação de abertura com a cidade. Mas não é isso que acontece, por exemplo, no Museu de Soares dos Reis e no Centro Português de Fotografia. O primeiro foi durante muito tempo apontado, em particular durante o conflito que opôs Câmara do Porto e Governo a propósito do túnel de Ceuta, como o segundo museu menos visitado do país. Nunca ninguém o desmentiu (e nunca ninguém disse quem era o primeiro da lista). Quanto ao Centro Português de Fotografia (CPF), a verdade é que ele nasceu ensimesmado e assim continua. Pode-se argumentar, porque é verdade, que há uma abismal diferença de orçamento entre as quatro instituições. Mas isto não explica tudo. Se há um Porto mais ordinário, no sentido em que se trata do Porto habitualmente apático e sorumbático, é aqui que ele se encontra. E o mais triste é que o vendaval urbano e mundano que hoje sobressalta a Baixa do Porto é geograficamente delimitado pelo Soares dos Reis e pelo CPF. Não querer (ou saber) aproveitar a inesperada efervescência de uma Baixa que teima em se renovar é o que a burocracia tem de pior.

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