(Público)17.06.2009, Leonete Botelho
Carlos César pediu a Sócrates que convença Alegre a estar a seu lado. Vieira da Silva defendeu que o rumo é a esquerda. Seguro apontou para além da crise. Uma noite longa no Largo do Rato
A longa reunião da comissão política do PS de segunda-feira à noite foi mais do que uma catarse política depois dos resultados eleitorais que renderam os socialistas, pela primeira vez, menos de um milhão de votos. Acabou por ser um espaço de diálogo interno como já não acontecia há anos no Largo do Rato, em Lisboa, e só isso justificava a satisfação unânime.
Não foi (ainda) a noite das facas longas, mas apenas uma noite longa com algumas facas. Carlos César fez uma das intervenções mais marcantes do encontro. O presidente do Governo Regional dos Açores apontou erros ao Governo e, sem citar nomes, chegou a defender que deviam ser colocados "biombos" à frente de algumas pessoas até passarem as eleições. Muitos outros dirigentes fizeram críticas ao Governo, mais ou menos directas, havendo mesmo quem defendesse que os ministros deviam ser "mudos". Um crítico chegou a afirmar que Manuel Pinho devia ter sido demitido por causa do episódio da farinha Maizena. Onde Carlos César foi mais incisivo foi no apelo a Sócrates para que tente convencer Manuel Alegre a estar ao seu lado na campanha para as legislativas, caso contrário será muito difícil ganharem as eleições. Aos jornalistas César limitou-se a dizer que "é indispensável pensar no programa do Governo, na abertura do PS, na retoma da sua energia". "Tudo isso implica não só a convocação de outros níveis de intervenção do PS, como também de outros sectores independentes, desavindos", disse. Foi a primeira referência à necessidade de ouvir o partido no seu todo, sem esquecer as bases, que se repetiu de diversas formas ao longo da noite.
Foi preciso passarem quase quatro horas para se ouvir falar de eleições autárquicas. Foi António José Seguro que, numa das últimas intervenções - e foram cerca de três dezenas -, lembrou que daqui a três meses também se escolhem os autarcas e que a sua mobilização é essencial também para as legislativas. "É preciso articular as duas eleições", defendeu. A intervenção de Seguro foi para além do calendário eleitoral, ao contrário da maioria das restantes. Este deputado, visto como um putativo sucessor de Sócrates, considera que estão intactas as hipóteses de o PS ganhar as legislativas, mas para isso é preciso, por um lado, mostrar resultados através de um balanço das políticas de combate à crise e, por outro, apresentar um "projecto de esperança" que aponte para além da crise. Uma ideia que possa responder a questões como "que país vamos ter depois da crise" ou em que acreditam os portugueses, "se desconfiam dos políticos, da justiça, das reformas".
Logo no início, o director de campanha e ministro do Trabalho e Solidariedade Social, Vieira da Silva, preconizava que o caminho era defender a obra feita, com enfoque na marca de esquerda das reformas nas áreas do ensino público, da saúde, da segurança social, e acentuar o contraste com a marca liberal da direita. Estas, aliás, foram as prioridades definidas por José Sócrates na sua intervenção inicial: defesa da obra feita e explicação das reformas.
Afirmar o PS como "a esquerda séria e responsável" foi também a receita apresentada por Francisco Assis, que sintetiza assim a comparação com os outros partidos: "O importante é reforçar a dimensão política do nosso discurso e travar os combates que devem ser travados, nomeadamente o combate a uma direita que representa um modelo neoliberal falhado e um combate contra partidos à esquerda que representam uma forma de esquerda arcaica de partidos meramente tribunícios ou partidos demagógico-populistas."
Mas a palavra-chave das intervenções do secretário-geral foi mesmo a humildade. Inaugurou-a logo à chegada à sede do partido, falando aos jornalistas pela primeira vez, e usou-a perante os seus pares, mas aí foi mais autêntico ao afirmar que ia "fazer um esforço para ser mais humilde", mas que não lhe pedissem para ser quem não é. Certo é que ouviu as intervenções com mais paciência e menos interrupções, naquilo que foi considerada uma mudança positiva de atitude. À saída, Sócrates estava "muito satisfeito" com o "excelente debate", que diz ter dado ao PS mais "vontade de vencer e de se afirmar". "O que faz falta ao PS é explicar o que tem feito, numa atitude de humildade", frisou aos jornalistas. Para pedir uma nova maioria absoluta aos portugueses? "Para pedir uma maioria parlamentar que lhe dê condições para governar sozinho - e só conheço uma: a maioria absoluta", afirmou.
1 comentário:
Pelos vistos a reunião foi quentinha, mas a maior parte das intervenções foram sobre cosmética...
Não é a "explicar melhor" que vamos lá. É a fazer melhor, com mais humildade e diálogo.
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