domingo, 30 de agosto de 2009

Henrique Perdigão (1958-2009), um homem da grande família dos livreiros Por Sérgio C. Andrade (Público) 29.8.09
Devo começar por fazer uma pequena "declaração pessoal de interesses". Ligava-me a Henrique Perdigão uma relação de amizade partilhada durante a década em que foi seccionista de basquetebol no Académico Futebol Club e, nessa qualidade, acompanhou, e acarinhou com especial sensibilidade, o crescimento desportivo (e não só) do meu filho.
Mas não é do ex-atleta e dirigente desportivo dedicado que aqui quero falar. Interessa-me recordar e homenagear o livreiro, o homem dos livros e da cultura como há poucos nesta cidade, e no país, e com quem eu convivi, tanto no decurso do meu trabalho profissional de jornalista como enquanto simples cidadão que, quando descia à Baixa, não deixava (não deixarei) nunca de passar pela Livraria Latina. Eu sabia que aí encontraria, pela mão do Henrique Perdigão e/ou dos seus colaboradores, não apenas as últimas novidades mas também aqueles livros de que por vezes necessitamos mas sabemos que cada vez mais estão escondidos nas prateleiras dos fundos editoriais. Com o Henrique, se esse livro existisse, tê-lo-ia na hora ou, o mais tardar, numa chamada telefónica, dois ou três dias depois. Henrique Perdigão era o representante da terceira geração da família que construiu aquela que foi, desde a sua fundação, em 1942, pelo seu avó homónimo, uma das mais activas e afectivas casas livreiras no Porto - é uma das três livrarias com "L" de livros, juntamente com a Lello e a Leitura (esta agora na rede Books & Living), que marcam a identidade da cidade neste sector. Depois do sobressalto de há duas décadas atrás, quando a Latina, ali mesmo no início da Rua de Santa Catarina, para quem vem da Praça da Batalha, foi alvo de uma acção de despejo; e depois também da morte do pai Mário Perdigão, que foi o timoneiro da aventura da livraria durante meio século, coube a Henrique Perdigão gerir e reinventar o destino da loja. O edifício foi comprado e restaurado de forma a fazer sobressair, na esquina da sua frontaria rendilhada a rosa e prata, o busto de Camões esculpido por António Cruz. Mas, mais do que isso, a Latina voltou a ser o ponto de encontro não só dos bibliófilos como de simples leitores ou clientes anónimos e ocasionais. E voltou também a ser, como o tinha sido historicamente, um lugar de tertúlia e de cultura, com a organização de lançamentos de livros e sessões de autógrafos, de palestras e de exposições, como aquela que Henrique Perdigão preparou cuidadosa e afectivamente sobre a história da própria casa, aquando da sua reabertura e da comemoração dos seus 65 anos, no início de 2007. E recordo sempre o optimismo com que, mais do que uma vez, Henrique Perdigão contrariava o queixume habitual dos livreiros e dos comerciantes da Baixa do Porto e dizia, por exemplo, que a chegada da FNAC àquela zona da cidade tinha sido "uma coisa boa", porque permitia aos leitores e amadores de livros perceber a diferença, a muito poucos metros de distância, entre uma livraria e uma loja de venda de livros ao lado de outros produtos da moda audiovisual. "Temos de estar sempre o mais à frente possível, e de antecipar as situações, com novas ideias e iniciativas", dizia-me o livreiro no início desse ano de 2007, sem adivinhar que, certamente, a doença lhe minava já o corpo que, apesar de cuidado pela prática desportiva, não haveria de conseguir resistir e sustentar esta firmeza de alma e esta dedicação de um homem da grande família dos livreiros portuenses.Mas, na minha próxima descida à Baixa, continuarei a passar pela Latina e a dialogar, em silêncio, com o Henrique, sobre aquele livro que ele achava que poderia interessar-me...
Obrigado, Henrique Perdigão.
(Fazemos nossas as palavras do Sérgio de Andrade referentes ao amigo comum Henrique Perdigão) (PB)

2 comentários:

Primo de Amarante disse...

E eu sublino. Há muitos anos qu era seu amigo

Fernanda M. disse...

Uma perda irrecuperável para o Porto. Esperemos que se salve a Livraria que é uma das melhores do Porto senão mesmo a melhor. Em veza de darmos o dinheiro a ganhar aos grandes grupos tipo FNAC, BERTRAND e BULHOSA que tratam os livros como bacalhau ao fardo, devíamos apoiar estas pouicas verdadeiras livrarias onde os critérios são outros.