quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O 31 de Janeiro e a história
Pedro Baptista, escritor e investigador (Grande Porto) 28.1.10
Reinando até hoje grande falta de trabalho científico quanto ao ideário filosófico e político dos republicanos portuenses da década de 1880, não falta quem procure minimizar o carácter popular e revolucionário do Movimento, ora relegando-o para um acto de indisciplina, ora para uma mera revolta militar com objectivos profissionais, sublinhando, entre os mais nefandos pecadilhos, o facto de ser constituído por baixas patentes.
Ora os factos demonstram, em primeiro lugar, que o movimento surgiu na cidade mais industrial do país, com um terço da população operária, num momento em que a crise económica e social era profunda e atravessava diversos sectores sociais. Em segundo lugar, que a imprensa portuense republicana há muito flagelava a monarquia decadente, num trabalho diário argumentativo onde pontificava Sampaio Bruno e onde se propagandeava, com cada vez mais sucesso, o ideário democrático e federalista, como alternativa a uma realeza que se afundava, política e moralmente, não apenas fazendo o país custear os desvarios dos Bragança, como sendo o rosto da subserviência ao Ultimatum da Rainha Vitória. Em terceiro lugar, que o movimento eclodiu sob a liderança civil dos republicanos portuenses, tendo ocorrido três semanas antes, uma cisão no Partido em Lisboa, passando a pontificar a figura de Homem Cristo no lugar da de Elias Garcia, este a par do processo, aquele também manifestando o acordo, excepto em pormenores; o facto da Maçonaria castigar os “irmãos “ do Porto e logo a seguir ser obrigada, pelo próprio protesto maçónico lisboeta, a revogar tal decisão, é significativo. Em quarto lugar, que o movimento teve um carácter militar, como não podia deixar de ser entre nós, constituído sobretudo por sargentos e praças, com poucos oficiais subalternos e ainda menos superiores, que pressionaram no sentido da eclosão do movimento naquela data, uma vez que o governo monárquico, ao mesmo tempo que aliciava a Guarda Municipal com melhorias do pré, decidira-se pela transferência de militares revolucionários, levando-os a pressionar a direcção civil no sentido de apressar o calendário; que se vivia um ambiente de revolta entre a tropa contra as condições profissionais e as medidas repressivas é um facto, mas não há memória de soldados satisfeitos participarem num processo revoltoso ou revolucionário. Utilizando uma expressão de um jornalista republicano e alterando-lhe o sentido, alguns gostam de repetir que estivemos perante uma “sargentada”, como se o facto do oficialato em geral se encolher, e serem sargentos e praças a constituírem a parte militar do movimento, não fosse uma honra e uma demonstração do carácter popular do próprio movimento militar. Em quinto lugar, que a revolução do 31 de Janeiro teve um carácter eminentemente popular não apenas pelo que já foi dito, como pela participação entusiasta das massas populares durante a madrugada, acompanhando a tropa revolucionária, arrombando, a golpes de machado, os portões de Infantaria 18, descendo para a Praça de D.Pedro, subindo a Rua Nova de S. António e partilhando com os líderes da insurreição a ilusão trágica de que a Guarda Municipal, instalada na escadaria existente a Poente da Igreja de St. Ildefonso, poderia aderir à causa revolucionária, paga num rio de sangue popular e militar numa rua juncada de cadáveres.
Pode dar-se muitos sentidos ao termo “revolta”. Mas, socialmente, revolta é um protesto, uma recusa, uma contestação a problema específico, geralmente dentro duma instituição, não tendo outro objectivo senão resolver aquele problema. Embora muita revolta possa dar em revolução quando surge liderança política, são conceitos totalmente diferentes, porque a revolução quer alterar um sistema instituído, pretende tomar o poder global para mudar o sistema de vida, incida mais nos prismas políticos, sociais, económicos ou mesmo culturais.
Assim sendo é uma imprecisão falar de revolta do 31 de Janeiro, mas deve falar-se outrossim da Revolução do 31 de Janeiro. A sua direcção sabia muito bem o que queria, tanto assim que a República foi proclamada no Porto, pela primeira vez em Portugal, nessa manhã, para todos os efeitos históricos, gloriosa, tal como foi anunciada a lista governativa, com alguns nomes que, 19 anos mais tarde, vieram a preencher a Junta provisória saída da Revolução do 5 Outubro de 1910. Que venceu. Como a de Janeiro de 1891 não venceu. Em 1910, o Almirante Cândido dos Reis suicidou-se quando se apercebeu que a revolução tinha falhado. Enganou-se. Em 1891, outros morreram na crença romântica de que os camaradas iriam aderir à fanfarra revolucionária como em 1820. Enganaram-se. Mas isso em nada muda o carácter dos movimentos nem a glória das revoluções que substituíram, em Portugal, na relação dos cidadãos com o poder, o princípio da hereditariedade pelo da elegibilidade. Saibamos hoje dar a este princípio republicano o conteúdo social que merece.

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