O primeiro aviso contra a monarquia
Por Luís Miguel Queirós (Público) 31 Janeiro 2010
Por Luís Miguel Queirós (Público) 31 Janeiro 2010
A revolta de 31 de Janeiro de 1891 teve como origem imediata o Ultimato inglês de 11 de Janeiro do ano anterior e a resposta, tida como submissa, da monarquia portuguesa. Com o auxílio de uma imprensa aguerrida, com destaque para os artigos do jornalista João Chagas, republicanismo e patriotismo começaram, aos olhos de muitos, a tornar-se sinónimos. A tese que vê no levantamento uma mera reacção de sargentos e cabos, movidos por reivindicações profissionais, é pouco convincente, ainda que, de facto, nos julgamentos que se seguiram à derrota da intentona, só tenham sido pronunciados duas dúzias de civis, contra meio milhar de militares.
A própria direcção do Partido Republicano (PRP) tentaria depois reduzir a revolta a uma iniciativa de aventureiros portuenses agindo por conta própria, o que é igualmente pouco crível. Por muito que estivesse instalado o sentimento de que a monarquia só precisava de um abanão mais forte para cair, os líderes civis do 31 de Janeiro, desde os mais excecutivos, como o advogado Alves da Veiga ou Santos Cardoso, até aos seus patronos intelectuais, como Basílio Teles ou Sampaio Bruno, dificilmente acreditariam que era possível tomar o país sem garantir que Lisboa secundaria o movimento.
As razões de um fracasso
Os passos da revolta contam-se em poucas palavras. Às primeiras horas da madrugada, várias companhias, perfazendo talvez metade dos efectivos da guarnição militar do Porto, reuniram-se onde hoje é a Praça da República. A tropa desceu depois a Rua do Almada e dirigiu-se ao edifício que então albergava os Paços do Concelho. De uma das suas varandas, Alves da Veiga proclamou a República e o actor Miguel Verdial leu a composição do novo governo provisório.
Informados de que a Guarda Municipal tomara posição ao cimo da Rua de Santo António, os militares, confiantes de que esta não interviria, subiram ao seu encontro, comandados pelo capitão Joaquim Leitão e acompanhados por uma multidão de civis que se juntara à revolta e dava "vivas" à República. A Guarda, munida de metralhadoras, abriu fogo, fazendo uma dúzia de mortos e dezenas de feridos.
Alguns revoltosos ainda se entrincheiraram nos Paços do Concelho, mas, após intenso bombardeamento, renderam-se. Receando problemas com a população, o regime monárquico julgou os amotinados em barcos fundeados ao largo do porto de Leixões, condenando muitos deles a penas de prisão e degredo.
O falhanço do movimento tivera vários motivos. Estava prevista a adesão de vários oficiais superiores e, no dia em causa, só havia um capitão, um tenente e um alferes. Sabe-se também que um dos sargentos envolvidos era um espião leal ao regime. Por outro lado, dias antes do golpe, o homem forte do directório do PRP, com quem os portuenses vinham dialogando, Elias Garcia, foi afastado por Francisco Homem Christo e Manuel Arriaga, que assumiram a liderança. Garcia manteve uma espécie de direcção paralela, com a qual os republicanos portuenses se mantiveram em contacto. Homem Christo, oficial do Exército, ainda veio ao Porto falar com Santos Cardoso, personagem que detestava e que, de facto, tinha fama de ser um espalha-brasas pouco fiável. Criticou a organização do movimento, que lhe deve ter parecido uma "sargentada", e cujos líderes veria como aliados do seu rival, Elias Garcia, mas regressou a Lisboa sem ter retirado ao movimento o aval do directório. Tudo indica, portanto, que os republicanos do Porto tiveram a ingenuidade de não perceber que as promessas de apoio que lhes vinham chegando dos seus interlocutores em Lisboa deviam ser lidas à luz das guerrilhas internas na liderança do PRP.
Apelo ao federalismo
Num exercício de história virtual, se o 31 de Janeiro tivesse triunfado, o país poderia ser hoje bastante diferente, desde logo porque os republicanos de 1891 eram federalistas. A bandeira que os revoltosos hastearam na câmara municipal era a do Centro Democrático Federal 15 de Novembro (data da proclamação, em 1889, da República federalista brasileira). De resto, embora apenas no papel - ou seja, no seu programa - o PRP ainda mantinha laivos de federalismo em 1910, quando instituiu a República unitária.
Sampaio Bruno, em artigos de imprensa que o ex-deputado socialista Pedro Baptista tem vindo a divulgar no seu blogue, propõe mesmo, já em 1881, a criação de dois Estados, um no Norte e outro Sul, com capitais no Porto e em Lisboa - esta última seria ainda a capital de uma sonhada federação portuguesa. E sugere que o federalismo é o único caminho para o país conservar as "possessões ultramarinas", já que, argumenta, "prosseguindo-se na política unitarista de extorsão de que são vítimas, tarde ou cedo, como as que as precederam, se desmembrarão da mãe-pátria". Não admira que nos poucos anos que sobreviveu ao 5 de Outubro, Bruno nunca se tenha identificado com o novo regime e nutrisse uma particular aversão por Afonso Costa. 12
Os revolucionários que subiram a actual Rua 31 de Janeiro não contavam com a reacção da tropa afecta à monarquia. Uma dúzia de pessoas morreu no momento
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