ONG e jornalistas queixam-se dos partidos na campanha eleitoral espanhola
Filinto Melo "O Primeiro de Janeiro, 07.03.2008
“Somos marionetas”A frase é de um jornalista espanhol. Espartilhados pelas regras que os políticos colocaram e as direcções dos meios de comunicação aceitaram, os profissionais queixam-se de estarem a ser “marionetas”. A Repórteres Sem Fronteiras questiona a qualidade da informação veiculada na campanha eleitoral que hoje termina. A associação não-governamental Repórteres Sem Fronteiras denunciou o condicionalismo que os partidos políticos espanhóis têm exercido sobre o trabalho dos jornalistas, “condições que limitam a capacidade dos jornalistas em recolher, elaborar e difundir informação de uma forma independente”. “Os profissionais não podem ver-se reduzidos a simples auxiliares, e a informação não pode equiparar-se à comunicação política”, declara a ONG num comunicado disponibilizado no seu site quarta-feira à noite.
Entre a larga lista de queixas que a Repórteres Sem Fronteiras recolheu e agora denuncia consta o limitado acesso dos jornalistas aos candidatos, a proibição de gravar as intervenções dos candidatos durante os comícios, os debates regulamentados ao milímetro e cronometrados ao segundo, as conferências de imprensa sem perguntas, entre outras.“Caravana atada”Sábado, o El Pais dava voz a essa realidade dos bastidores da campanha. “Uma caravana atada e bem atada” é o título da crónica de Pablo Ordaz, denunciando que “nem Zapatero, nem Rajoy falaram ainda com os jornalistas”. Os repórteres que acompanham as campanhas dos dois candidatos nem sequer os vêem, escreve. E conta a sua experiência: Tinha acordado na Corunha (Galiza), onde na noite anterior houve um comício com o líder do PSOE. Apanhou o avião para Múrcia (no Sul) para assistir a outro comício, regressou ao aeroporto para seguir para Las Palmas (Ilhas Canárias), onde chegou às quatro da manhã… sem se cruzarem com o presidente do Governo. “Temos o mesmo número de contactos [com ZP] que um crítico de cinema com as estrelas”, compara. Terça-feira, no blogue criado para acompanhar a caravana do líder do PP, Mariano Rajoy, o jornalista Carlos E. Cué colocava uma entrada com o título “O candidato existe”. Onde ironiza, naturalmente. “Confirmado: é real, existe”, escreve o blogger que também escreve para o El País. “Depois de muito esforço da sua equipa de assessores de imprensa e de muita pressão nossa, parece que o convenceram que tinha de falar com as 60 pessoas que madrugam todos os dias para o seguir para toda a parte. Nem que fosse para saudar”, desabafa. “Concedeu-nos a honra de responder a meia dúzia de questões durante 5 minutos. Pelo menos conseguimos comprovar que ele é real”, repete. Em resposta, a caravana do PSOE decidiu ceder, quarta-feira, algum tempo de Zapatero aos jornalistas. “Ao décimo terceiro dia de campanha, o presidente manteve um encontro de algo menos de uma hora com a sua caravana”, escreve Patrícia Martinez, que está a acompanhar Zapatero. Terá sido coincidência?Imagens captadas pelos partidosMas as críticas vão mais além da aparente vaidade de os jornalistas terem os homens do momento a falar consigo. As imagens que vemos nas televisões são todas cedidas pelos partidos, como denuncia a Repórteres Sem Fronteiras. Cedidas depois de visadas pelo staff partidário, limpas daquelas imagens folclóricas destes encontros ou das eventuais gaffes. Num comício, uma eurodeputada disse que “as crianças andaluzes são praticamente analfabetas”, mas não há imagens disso. Os meios de comunicação vêem-se com ganhos que não esperavam. Os custos das imagens passam a ser dos partidos, o que diminuiu substancialmente os gastos com as equipas de reportagem. Paralelamente, como mostravam os índices de audiência, os programas de política têm tido enorme audiência – de que é prova os 13 milhões de telespectadores do primeiro frente-a-frente entre os dois principais candidatos. Várias associações profissionais têm denunciado a violação da liberdade de informação e em particular o controlo dos dois grandes partidos, o PP e o PSOE, na cobertura mediática das suas actividades. A Federação Espanhola de Sindicatos de Jornalistas exigiu em finais de Fevereiro o fim deste “espectáculo vergonhoso” que transforma os comícios num produto de marketing e faz dos jornalistas meros veículos de transmissão. No mesmo sentido está a declaração da Associação Espanhola de Associações de Jornalistas, que pedem o respeito pelo jogo democrático. A jornalista que mediou o segundo frente-a-frente entre os candidatos parece aceitar o outro jogo. “O guião são eles que o escrevem, eu viro as páginas”, foi a imagem que utilizou para explicar o seu papel. E com uma ponta de vaidade: “Gosto da sensação de privilégio, de estar nos sítios onde se deve estar”.
Mas nem todos os meios de comunicação social aceitam o jogo. O canal TV-3 da Catalunha, canal público, decidiu não falar dos comícios a que não possa assistir. Uma decisão que foi acordada com o conselho de administração do canal, escreve-se na nota da RSF, para mostrar que nem tudo é culpa dos políticos. Reagindo às declarações de Olga Viza, de que apenas desfolhava o guião escrito pelos políticos, a Repórteres Sem Fronteiras escreve: “É um temor muito revelador”.
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