"Público"- Local 24.03.2008, Filomena Fontes e Carla Marques
PÚBLICO - Em eleições autárquicas anteriores o seu nome tem sido apontado como candidata à Câmara do Porto para defrontar Rui Rio. Agora a concelhia do PS decidiu colocar o seu nome à reflexão dos militantes...
PÚBLICO - Em eleições autárquicas anteriores o seu nome tem sido apontado como candidata à Câmara do Porto para defrontar Rui Rio. Agora a concelhia do PS decidiu colocar o seu nome à reflexão dos militantes...
ELISA FERREIRA - Em situações anteriores o assunto nunca me foi colocado pelo PS, que é o partido com quem tenho sempre trabalhado, embora não seja militante. Continuo a ser independente. Se o partido está nesse processo de reflexão interna, acho que faz muito bem e, depois, as coisas surgirão quando surgirem. E se surgirem.
PÚBLICO - Desta vez já admitiu que pode ser candidata...
ELISA FERREIRA - Nunca disse nem que não, nem que sim. De facto, nunca ninguém legitimamente me perguntou se o assunto estava na agenda. Neste momento estou no Parlamento Europeu, fui eleita coordenadora dos assuntos económicos e monetários do Grupo dos Socialistas Europeus, faço parte do grupo de parlamentares que acompanham as negociações sobre o clima. Se a partir de 2009 o cenário de continuidade se colocar depende do partido, porque fui eleita nas listas do PS, ou se outras oportunidades me são abertas. Não busco ansiosamente esse tipo de trabalho [presidência da Câmara do Porto]. Estarei eventualmente e sob determinadas circunstâncias em condições de aceitar um desafio.
PÚBLICO - Seria um combate difícil com Rui Rio?
ELISA FERREIRA - Como lhe digo, Parlamento Europeu, Universidade, tudo está à minha frente. Não vale a pena irmos mais além.
PÚBLICO - Não se sente usada? Todos os anos é potencial candidata mas depois o convite não se chega a efectivar...
ELISA FERREIRA - Admito que as pessoas quando põem o meu nome a circular o façam de boa vontade. Sinto que agora há talvez maior consistência na maneira como o assunto está a ser tratado, mas vamos ver como as coisas evoluem e, antes de mais nada, acho que o próprio PS tem de ter o seu tempo de amadurecimento. Posso ser eu, pode ser outra pessoa, não vamos precipitar as coisas porque não traz vantagens.
PÚBLICO - Desafia-a trocar Bruxelas pela Câmara Porto?
ELISA FERREIRA - Não quero ir mais além, mas acho que o Porto está um bocadinho morto. Tem vindo a perder dinâmica e aquilo que era o carisma nacional e internacional do Porto, a afirmação do Porto enquanto área de dinâmica, com força que puxava pelo resto do país, tem vindo a desaparecer. Isto não é só culpa do Porto, depende de um contexto internacional e regional. Agora, o que é certo é que perante as mesmas circunstâncias ou circunstâncias próximas, o Porto está particularmente debilitado. Braga, por exemplo, não tem este tom conformado e depressivo.
PÚBLICO - Isso deve-se a uma ausência de liderança política por parte de Rui Rio?
ELISA FERREIRA - Mais uma vez, entendo que o que devemos discutir é se é possível fazer mais e melhor. Temos aqui elementos muito bons ao nível da ciência e da tecnologia, temos Serralves, a Casa da Música, a universidade, um aeroporto que ganhou o prémio de melhor da Europa, temos um porto de Leixões competitivo. Portanto, temos condições para pegarmos naquilo que somos capazes de fazer e impor alguma coisa a nível nacional, para não deixar que as coisas aconteçam como se o desenvolvimento da região não fosse uma prioridade nacional.
PÚBLICO - O que pensa das anunciadas privatizações de equipamentos como o Ferreira Borges, o Palácio de Cristal ou o Mercado do Bolhão?
ELISA FERREIRA - Acho que é um passo muito arriscado. Sou muito favorável à iniciativa privada, mas tem de funcionar em matérias de interesse público de forma muito balizada. O acompanhamento público desse processo deve ser suficientemente firme, claro, contratualizado. Tem de haver capacidade de controlar a concessão e de a retirar se não for cumprida. Acho que é possível fazer isso - e fiz isso como ministra do Ambiente - em abastecimento de água, por exemplo, onde as coisas são relativamente fáceis. Mas concessionar um equipamento urbano por cinquenta anos?
PÚBLICO - Está a referir-se ao Mercado do Bolhão?
ELISA FERREIRA - Sim, é um ex-libris da cidade, é um equipamento muito sensível. Como se pode entregar a privados com um programa de actividades que é quase impossível de definir a cinquenta anos? Mais: estamos no início de um quadro de referência comunitário que tem uma rubrica específica para apoiar a recuperação de equipamentos urbanos que tenham funções de redinamização de centros da cidade ou de zonas críticas dos centros da cidade. Será que essa hipótese foi devidamente explorada? Será que daqui a 20, 25 anos conseguiremos controlar o que os privados fizeram naquele espaço? Tenho muitas dúvidas sobre a sensatez de uma coisa destas e muito mais tenho que não se faça uma experiência-piloto numa coisa muito mais fácil de gerir, antes de se difundir a mesma metodologia para uma série de equipamentos urbanos que, de facto correm o risco de limitar definitivamente a capacidade da câmara. Entregar tudo de uma vez parece-me uma maneira de nos livrarmos de problemas. O discurso é: livramo-nos de problemas e até ganhamos dinheiro, mas eu não aceito que a função de equipamentos como estes não exista para além de fazer obras com o mínimo de custo possível.
PÚBLICO - O assunto está a ser bem tratado pelos vereadores do PS?
ELISA FERREIRA - Acho que sim. E há aqui uma movimentação cívica que merece ser ouvida e analisada. Sou muito favorável a que haja diálogo e que a emoção não se sobreponha à discussão, porque dá ideia que as alternativas ou as críticas estão a ser postas de lado, como se fossem meros movimentos propagandísticos. Isto, da parte do PSD, não se entende quando o dr. Filipe Menezes diz que tem de estar em todas as manifestações. Não sei se ele está em todas menos nesta, não sei...
PÚBLICO - Como vê a intervenção da câmara nos bairros municipais?
ELISA FERREIRA - Acho muito bem que se faça a recuperação, mas ainda não é suficiente, porque uma coisa são as fachadas e outra coisa é intervir mesmo nas condições de funcionamento do bairro, ou sobretudo nas questões de acompanhamento das pessoas, da formação das pessoas, das crianças. Há uma parte que ultrapassa as infra-estruturas.
PÚBLICO - A oposição entre o Porto e Lisboa também se manifesta em relação ao desporto...
ELISA FERREIRA -No caso do futebol, há aqui uma grande emulação. Se o FC Porto não ganhasse nacional e internacionalmente eventualmente não despertava tantos ciúmes, tanta inveja. O FC Porto é um valor acrescentado nacional, quer se queira ou não. Ganha, promove o país, é uma área de excelência. Não me sinto minimamente contaminada nem tenho nenhuma psicose em dizer que sou adepta do FCPorto. Para mim é um prazer. Isso não tem que ter nenhuma relação com o lado político, a não ser as pessoas conviverem. Não precisam de hostilizar para mostrar que não são corruptas.
PÚBLICO - O que é que nos trouxe que lhe faz lembrar o Porto?
ELISA FERREIRA - Uma memória. A música do Rui Veloso do Porto Sentido é o hino mais bonito que alguma vez se fez à cidade que é a capital de uma região. Se quiser um objecto - o mais complicado, mas ao mesmo tempo o mais sedutor é o coração de D. Pedro, na Igreja da Lapa, porque acho que é uma afirmação da força da cidade, que foi cercada, que lutou por ideias liberais, de afirmação de uma certa modernidade que caracteriza o Porto com o qual me identifico.
PÚBLICO - A reforma da regionalização deveria avançar sem referendo?
ELISA FERREIRA - A regionalização foi um assunto que, da maneira como foi abordada em Portugal, quase apodreceu antes de ser colhida. Isso é mau. Acho também que os referendos precisam de ser revisitados, porque nenhum dos que foram feitos acabou por ter o mínimo que o torna legalmente vinculativo, o que significa que os portugueses não o querem utilizar. E eu entendo isso. Os referendos têm de ter perguntas muito claras, que as pessoas percebam se é sim ou se é não. Agora, em assuntos em que colocar a questão dá origem aos maiores dislates, aos maiores oportunismos políticos, às tantas vale a pena fazer um balanço e ver se faz sentido, porque a mensagem dos portugueses tem sido: políticos entendam-se, foi para isso que foram eleitos.
PÚBLICO - Concorda com modelo das cinco regiões?
ELISA FERREIRA - Sempre fui defensora da regionalização com base nas cinco regiões do Continente. O mapa é o problema central, sinceramente eu não vejo outro. Relativamente ao que falta fazer, falta apenas definir quais as competências e quais os recursos. Esse é o único debate que interessa fazer, porque no fundo isto é um mecanismo de boa administração utilizado na generalidade dos países europeus. Não está em causa mais nada a não ser administrar a um nível mais adequado para responder às necessidades das regiões.
PÚBLICO - A regionalização é a derradeira esperança para o Norte?
ELISA FERREIRA - A regionalização é uma pré-condição, não é a solução para todos os males, é um instrumento. Mais do que isso: é preciso que nós percebamos que quando temos políticas nacionais, que têm impactos diferenciados, essas políticas têm que tomar em conta a realidade do Norte, que é diferente da realidade algarvia. Se tivermos uma região em que haja um porta-voz dessa região, essa mensagem é relativamente fácil de passar, mas não havendo...
PÚBLICO - E não há?
ELISA FERREIRA - Legitimamente credenciado não há. E, depois, as mensagens passam por muitos actores de uma forma um bocadinho descoordenada. As políticas nacionais têm que ter como preocupação redinamizar a economia do Norte, em particular, e do Centro. É absolutamente essencial para que o país cresça. Porque Lisboa está a crescer, o Algarve está a crescer, a Madeira também, o Alentejo está com alguma dinâmica, o Norte e o Centro estão estagnados, em perda. O país está a ser puxado para o fundo pelo facto de haver uma apatia neste momento no Norte. O que significa que algumas políticas de proximidade, de redinamização deveriam e precisam de ser lançadas.
PÚBLICO - O Governo está a dar resposta para inverter essa perda?
ELISA FERREIRA - Grande parte das respostas está nas mãos de funcionários públicos, funcionários muitos especiais que são da CCDR que estão a pegar no QREN e a tentar formatá-lo. Mas estão dependentes da administração central, não há controlo sobre o que estão a fazer no sentido até de serem apoiados politicamente. Eles, que não são visionários, fazem muita auscultação, mas podem não conseguir espoletar as dinâmicas de que a região precisa. E também não têm todos os instrumentos na mão: podem ter dificuldade em lançar lagunas estruturas de capital de risco, de inovação, em lançar algum microcrédito, a formação profissional que interessaria, em potenciar totalmente as boas iniciativas.
PÚBLICO - Isso é um bocado assustador, sendo um dos patamares principais deste QREN a inovação...
ELISA FERREIRA - Não, estou a dizer que há um risco na estrutura. Ao contrário, o presidente e os vice-presidentes da CCDRN são pessoas empenhadíssimas e competentíssimas. Temos uma oportunidade. Se houvesse uma região, é evidente que havia um controlo sobre as coisas e uma capacidade de iniciativa que nas actuais circunstâncias não há. Dito isto, acho que há condições para pegar naquilo que existe, redinamizar e, com os instrumentos que existem, fazer o melhor que formos capazes. Politicamente é preciso que se pense que não há hipóteses para o país se o Norte não arrancar. Isso é um facto do qual estou absolutamente convencida.
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