Nacionalizar os bancos
por Serge Halimi (Le Monde Diplomatique- ed. port.) 8.4.2009
O mal que corrói a finança está agora a devorar a economia mundial, de que a finança extraiu a sua substância. Quando um banco se desmorona, é comprado por outro banco, o qual garante assim que o Estado deva salvá-lo, visto ele se tornar «too big to fail» («demasiado grande para falir»). Um pouco por toda a parte, com precipitação e encurralados, os contribuintes pagam biliões de dólares para socorrer as maiores instituições financeiras. Ora, ninguém sabe quantos «activos tóxicos» continuam a estar nas entranhas de tais instituições nem quanto vai ser ainda necessário pagar para adquirir a crescente rima dos seus créditos deteriorados. Eis o balanço da desregulamentação financeira.
Outrora, o trabalho dos banqueiros parecia fácil, no tempo em que se falava da regra norte-americana de «3-6-3 »: pedir emprestado a 3 por cento, emprestar a 6 por cento e ir jogar golfe às 3 da tarde. Para dominarem semelhante exercício não precisavam de um batalhão de matemáticos apetrechados com modelos econométricos. Mas depois veio a viragem da década de 1980. A «diversificação» impôs-se, tal como se impuseram a «assunção de riscos» e a «supressão de barreiras». Uma lei americana de 1933, a Glass Steagall, proibia que os bancos investissem na Bolsa. Uma tal velharia, herdada do New Deal, foi alegremente abolida na nova economia. E tal como impunha a modernidade, os bancos deixaram de depender da confiança de quem neles investia as suas poupanças [1].
Rapidamente, os bancos investiram em novos produtos – em «derivados» de produtos compostos a partir de créditos que eles próprios um dia «titularizaram»… Ou seja, os próprios banqueiros mal entendiam do que se tratava (para entender tais exercícios seria por vezes necessário um manual de 150 páginas), mas ao mesmo tempo apreciavam o que tanta inovação lhes fazia ganhar. Emprestar cada vez mais, de forma opaca e com fundos próprios cada vez menores, era arriscado. Mas vivia-se então o tempo das bolhas, das expansões infinitas, das pirâmides financeiras, dos ordenados faraónicos, e tudo isso incitava às fugas para a frente [2]. No fim de 2007, alguns bancos chegaram a emprestar trinta vezes o montante do que detinham nos seus depósitos. Seguradoras como a American International Group (AIG) protegiam os funambulescos percursos desses bancos…
Até que um dia, ou seja, ontem, a corda rebentou; alguns devedores dos bancos, arruinados e incapazes de se endividarem mais, deixaram de os reembolsar. Ora, estes últimos estavam fragilizados, pois bastava que uma ínfima fracção dos empréstimos que haviam concedido se tornasse insolvível para também eles entrarem em falência. E juntamente com eles as respectivas seguradoras. Derrocada do sector imobiliário, quebra da actividade económica, aumento em flecha do desemprego: como podem agora os estabelecimentos financeiros imaginar que irão restabelecer-se? Resposta: velando pelo seu destino o Estado – cujos comandos foram por vezes entregues a geniozinhos em trânsito entre dois bancos.
É tempo, agora, de o Estado assumir pura e simplesmente o rumo das operações. Seja como for, a salvação da finança já não depende de accionistas privados, que só voltam a aparentar ter alguma saúde quando o governo lhes anuncia mais uma injecção de fundos. A solução da nacionalização dos bancos, ainda há pouco herética, quando inclusive os socialistas franceses desregulamentaram a finança, tornou-se entretanto tão evidente – ou tão ameaçadora a calamidade que poderá evitar – que até mesmo alguns parlamentares americanos a preconizam nos Estados Unidos. Tendo também aderido a essa solução publicações tão liberais como o The Economist [3].
No entanto, segundo parece, logo que os bancos forem purgados com o dinheiro dos contribuintes, deverão ser devolvidos aos seus accionistas. Tratar-se-ia, em suma, de fazer a limpeza da casa para a restituir a quem a saqueou. Mas porquê? Sistemas bancários nacionalizados impulsionaram, com custos baixos, décadas de expansão. De que balanço comparável podem de facto orgulhar-se os bancos privados?
por Serge Halimi (Le Monde Diplomatique- ed. port.) 8.4.2009
O mal que corrói a finança está agora a devorar a economia mundial, de que a finança extraiu a sua substância. Quando um banco se desmorona, é comprado por outro banco, o qual garante assim que o Estado deva salvá-lo, visto ele se tornar «too big to fail» («demasiado grande para falir»). Um pouco por toda a parte, com precipitação e encurralados, os contribuintes pagam biliões de dólares para socorrer as maiores instituições financeiras. Ora, ninguém sabe quantos «activos tóxicos» continuam a estar nas entranhas de tais instituições nem quanto vai ser ainda necessário pagar para adquirir a crescente rima dos seus créditos deteriorados. Eis o balanço da desregulamentação financeira.
Outrora, o trabalho dos banqueiros parecia fácil, no tempo em que se falava da regra norte-americana de «3-6-3 »: pedir emprestado a 3 por cento, emprestar a 6 por cento e ir jogar golfe às 3 da tarde. Para dominarem semelhante exercício não precisavam de um batalhão de matemáticos apetrechados com modelos econométricos. Mas depois veio a viragem da década de 1980. A «diversificação» impôs-se, tal como se impuseram a «assunção de riscos» e a «supressão de barreiras». Uma lei americana de 1933, a Glass Steagall, proibia que os bancos investissem na Bolsa. Uma tal velharia, herdada do New Deal, foi alegremente abolida na nova economia. E tal como impunha a modernidade, os bancos deixaram de depender da confiança de quem neles investia as suas poupanças [1].
Rapidamente, os bancos investiram em novos produtos – em «derivados» de produtos compostos a partir de créditos que eles próprios um dia «titularizaram»… Ou seja, os próprios banqueiros mal entendiam do que se tratava (para entender tais exercícios seria por vezes necessário um manual de 150 páginas), mas ao mesmo tempo apreciavam o que tanta inovação lhes fazia ganhar. Emprestar cada vez mais, de forma opaca e com fundos próprios cada vez menores, era arriscado. Mas vivia-se então o tempo das bolhas, das expansões infinitas, das pirâmides financeiras, dos ordenados faraónicos, e tudo isso incitava às fugas para a frente [2]. No fim de 2007, alguns bancos chegaram a emprestar trinta vezes o montante do que detinham nos seus depósitos. Seguradoras como a American International Group (AIG) protegiam os funambulescos percursos desses bancos…
Até que um dia, ou seja, ontem, a corda rebentou; alguns devedores dos bancos, arruinados e incapazes de se endividarem mais, deixaram de os reembolsar. Ora, estes últimos estavam fragilizados, pois bastava que uma ínfima fracção dos empréstimos que haviam concedido se tornasse insolvível para também eles entrarem em falência. E juntamente com eles as respectivas seguradoras. Derrocada do sector imobiliário, quebra da actividade económica, aumento em flecha do desemprego: como podem agora os estabelecimentos financeiros imaginar que irão restabelecer-se? Resposta: velando pelo seu destino o Estado – cujos comandos foram por vezes entregues a geniozinhos em trânsito entre dois bancos.
É tempo, agora, de o Estado assumir pura e simplesmente o rumo das operações. Seja como for, a salvação da finança já não depende de accionistas privados, que só voltam a aparentar ter alguma saúde quando o governo lhes anuncia mais uma injecção de fundos. A solução da nacionalização dos bancos, ainda há pouco herética, quando inclusive os socialistas franceses desregulamentaram a finança, tornou-se entretanto tão evidente – ou tão ameaçadora a calamidade que poderá evitar – que até mesmo alguns parlamentares americanos a preconizam nos Estados Unidos. Tendo também aderido a essa solução publicações tão liberais como o The Economist [3].
No entanto, segundo parece, logo que os bancos forem purgados com o dinheiro dos contribuintes, deverão ser devolvidos aos seus accionistas. Tratar-se-ia, em suma, de fazer a limpeza da casa para a restituir a quem a saqueou. Mas porquê? Sistemas bancários nacionalizados impulsionaram, com custos baixos, décadas de expansão. De que balanço comparável podem de facto orgulhar-se os bancos privados?
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