Os europeus e a identidade
João Cardoso Rosas, i 10.12. 2009
Num momento em que o mundo está - e por boas razões - centrado no problema muito concreto das mudanças climáticas, os cidadãos europeus parecem mais preocupados com algo aparentemente inefável: a sua identidade. Na Suíça proíbem-se os minaretes das mesquitas - por islamofobia e por racismo, com certeza, mas também por medo da diluição da identidade suíça em face das comunidades imigrantes. Na Alemanha pretende-se obrigar os novos imigrantes a assinar um contrato de cidadania para proteger os "valores alemães" - aqui também, a preocupação identitária. Em França debate-se a identidade francesa numa discussão pública lançada pelo governo de Sarkozy. Embora os responsáveis políticos franceses o neguem, a verdadeira razão para esta discussão nacional é a perda de uma certa auto-imagem da França, muito ligada às suas tradições específicas - que, paradoxalmente, os franceses crêem ser universais - em face da crescente multiculturalidade do país.
Existem algumas formas experimentadas de lidar com o problema da identidade em sociedades multiculturais. A primeira delas é o chamado "multiculturalismo", seguindo o exemplo do Canadá. Este país constitucionalizou o próprio princípio do multiculturalismo, aplicando-o nas políticas da língua, na educação, etc. O multiculturalismo consiste em gizar políticas específicas que visam proteger a identidade cultural diferenciada das várias comunidades. Essa protecção pode levar a importantes modificações no sistema legal e à criação de direitos multiculturais. Na Europa, a experiência multiculturalista canadiana foi prolongada pela Holanda e, mais tarde e em menor grau, pela Grã-Bretanha. Mas tudo isso acabou em face do falhanço do multiculturalismo como modelo de integração dos imigrantes. Em termos simbólicos, o multiculturalismo britânico soçobrou definitivamente no dia dos atentados de Londres, em 2005, e a experiência holandesa terminou com o assassinato do realizador de cinema Theo Van Gogh, em 2004.
A segunda forma de lidar com o problema é aquela que está agora a vingar nos países citados no início deste texto, mas também naqueles que antes adoptaram o modelo multiculturalista: a chamada "integração cívica". De acordo com o novo modelo, os imigrantes devem ser levados a adoptar a identidade própria de cada um dos Estados. Mas, em boa verdade, não se trata apenas de uma identidade cívica. Aquilo que se pretende é que os imigrantes aceitem os valores culturais específicos das comunidades políticas em que se integram e que estão plasmados na língua dominante, nas tradições e na própria lei. Do meu ponto de vista, também esta estratégia integracionista está condenada ao fracasso. Tal como ninguém pode ser convertido à força a uma religião que não é a sua, também ninguém pode ser obrigado a integrar-se numa cultura dominante que não corresponde à sua identidade própria. Os cidadãos europeus ainda não perceberam que, depois do aumento das migrações para a Europa, a identidade do passado, fosse ela mais ou menos mítica, está para sempre perdida.
João Cardoso Rosas, i 10.12. 2009
Num momento em que o mundo está - e por boas razões - centrado no problema muito concreto das mudanças climáticas, os cidadãos europeus parecem mais preocupados com algo aparentemente inefável: a sua identidade. Na Suíça proíbem-se os minaretes das mesquitas - por islamofobia e por racismo, com certeza, mas também por medo da diluição da identidade suíça em face das comunidades imigrantes. Na Alemanha pretende-se obrigar os novos imigrantes a assinar um contrato de cidadania para proteger os "valores alemães" - aqui também, a preocupação identitária. Em França debate-se a identidade francesa numa discussão pública lançada pelo governo de Sarkozy. Embora os responsáveis políticos franceses o neguem, a verdadeira razão para esta discussão nacional é a perda de uma certa auto-imagem da França, muito ligada às suas tradições específicas - que, paradoxalmente, os franceses crêem ser universais - em face da crescente multiculturalidade do país.
Existem algumas formas experimentadas de lidar com o problema da identidade em sociedades multiculturais. A primeira delas é o chamado "multiculturalismo", seguindo o exemplo do Canadá. Este país constitucionalizou o próprio princípio do multiculturalismo, aplicando-o nas políticas da língua, na educação, etc. O multiculturalismo consiste em gizar políticas específicas que visam proteger a identidade cultural diferenciada das várias comunidades. Essa protecção pode levar a importantes modificações no sistema legal e à criação de direitos multiculturais. Na Europa, a experiência multiculturalista canadiana foi prolongada pela Holanda e, mais tarde e em menor grau, pela Grã-Bretanha. Mas tudo isso acabou em face do falhanço do multiculturalismo como modelo de integração dos imigrantes. Em termos simbólicos, o multiculturalismo britânico soçobrou definitivamente no dia dos atentados de Londres, em 2005, e a experiência holandesa terminou com o assassinato do realizador de cinema Theo Van Gogh, em 2004.
A segunda forma de lidar com o problema é aquela que está agora a vingar nos países citados no início deste texto, mas também naqueles que antes adoptaram o modelo multiculturalista: a chamada "integração cívica". De acordo com o novo modelo, os imigrantes devem ser levados a adoptar a identidade própria de cada um dos Estados. Mas, em boa verdade, não se trata apenas de uma identidade cívica. Aquilo que se pretende é que os imigrantes aceitem os valores culturais específicos das comunidades políticas em que se integram e que estão plasmados na língua dominante, nas tradições e na própria lei. Do meu ponto de vista, também esta estratégia integracionista está condenada ao fracasso. Tal como ninguém pode ser convertido à força a uma religião que não é a sua, também ninguém pode ser obrigado a integrar-se numa cultura dominante que não corresponde à sua identidade própria. Os cidadãos europeus ainda não perceberam que, depois do aumento das migrações para a Europa, a identidade do passado, fosse ela mais ou menos mítica, está para sempre perdida.
1 comentário:
Bom, eu cá ainda não uso pistola à cintura nem chapéu de chinchila na cabeça!!! Essa da identidade perdida foi mais com aquele pianista que apareceu em Inglaterra e não sabia quem era…
Mas eu recordo que já houve umas tentativas de transformar os europeus noutras coisas que não eram, como nos anos sessenta com a introdução da hábitos e referencias Religioso -transcendentais Nepalesas, nomeadamente entre os ingleses. Na verdade, viu-se depois que não passou de Folclore. Tipo aquela aldeia que Salazar quis transformar na mais portuguesa das aldeias de Portugal (Monsanto, acho), que nem é a mais portuguesa (o que é isso?) nem é bem Portugal, porque portugueses é coisa que já quase não há por lá. Essas coisas nunca funcionam.
Agora, no que diz respeito às emigrações para a Europa, a questão tem que se pôr a outro nível. Em primeiro lugar, a Europa é já hoje o espaço geográfico mais tolerante em relação ao “outro”. Em segundo lugar, é preciso avaliar qual a incidência dos valores culturais no quotidiano das pessoas e se essa incidência é, de alguma forma, suficientemente condicionadora dos mais diversos tipos de existência nesse mesmo espaço geográfico (As diversas culturas não são totalmente compatíveis entre si). Em terceiro lugar, é preciso avaliar se cada cultura de cada comunidade não representa ela mesma um atentado contra valores éticos universais (exemplo: Não é de forma alguma aceitável ser tolerante com universos culturais onde exista a pratica da excisão genital feminina ou de qualquer outro tipo de violação dos direitos do homem ou da criança. Não enquanto indivíduos, que para esses existe a lei, mas sim enquanto comunidade integrada, que veicula valores universalmente inaceitáveis). Em quarto lugar é preciso verificar se a comunidade a integrar noutra não veicula valores que colidam com os da comunidade na qual se integra (discriminação de género, por exemplo, no caso concreto das comunidades muçulmanas). E depois continuo, com mais tempo…
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