E por que não fundir
Porto, Gaia e Matosinhos e criar a maior cidade portuguesa?
(Público) 8.10.09 Jorge Marmelo
O senhor Palomar apresenta uma forma física invejável, apesar da idade que tem. Quando vai correr na marginal, faz um percurso que o leva do limite norte da praia de Matosinhos ao extremo do novo molhe da barra do Douro. Sabe que, enquanto corre, atravessa a fronteira invisível de dois concelhos, mas não nota nenhuma diferença substancial entre Matosinhos e o Porto - parecem-lhe partes de uma só cidade. Se houvesse uma ponte no sítio onde está o molhe, o senhor Palomar gostaria, aliás, de atravessar o rio e continuar a corrida até aos rochedos de Lavadores, em Gaia.
O senhor Palomar não existe - é uma personagem do escritor italiano Italo Calvino. Usámo-lo aqui para ilustrar o modo de vida de milhares de pessoas que, no Grande Porto, vivem, durante o dia, em várias cidades: trabalham no Porto, almoçam em Matosinhos e dormem em Gaia (não necessariamente por esta ordem), mas apenas podem decidir sobre a eleição dos autarcas do concelho em que estão recenseados (normalmente aquele onde dormem).
"Na prática, Porto, Gaia e Matosinhos são uma única cidade. Não faz sentido estabelecer fronteiras artificiais, invisíveis quando se olha para o funcionamento deste espaço urbano, como se fosse possível gerir de cada um dos lados dessas fronteiras sem ter em conta o outro lado", considera Tiago Azevedo Fernandes, dinamizador do blogue A Baixa do Porto.
A possibilidade de fundir concelhos, conferindo uma estrutura institucional àquilo que é uma realidade de todos os dias, aparece fugazmente na agenda mediática desde 2001, quando Luís Filipe Menezes e Fernando Gomes admitiram, pela primeira vez, a junção do Porto e de Gaia, à imagem do que, em 1873, sucedeu com as cidades de Buda e de Peste nas margens do Danúbio. O tema, todavia, nunca entrou verdadeiramente na agenda política e, em época de eleições autárquicas, é cautelosamente evitado mesmo por aqueles a quem podia interessar vê-lo discutido como questão estratégica que, de facto, é.
"Os políticos sempre disseram "nim", nunca houve uma posição clara", resume o presidente de Associação Comercial do Porto, Rui Moreira, defensor da fusão do Porto, Gaia e Matosinhos. "Desde logo, a fusão implicaria menos cargos, menos tachos", explica. Tiago Azevedo Fernandes concorda e considera "fundado" o receio de perda de poder por parte dos políticos. "Uma estrutura administrativa optimizada aumenta a transparência e facilita a participação dos cidadãos na gestão da coisa pública. A sociedade civil perceberia a força que possui ao ver mudanças geradas por si e desta forma", diz Fernandes.
"É um tema muito difícil. A fusão do Porto, de Gaia e até de Matosinhos seria muito interessante e até desejável, caso fosse capaz de criar um consenso e um sentimento forte entre a população, pela dimensão demográfica e económica que geraria, mas é utópica e quase impraticável. A criação de um supermunicípio é susceptível de gerar tensões e conflitos brutais entre as cidades que ficassem sob o novo poder", considera, por seu lado, Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e autor da primeira proposta de criação da Área Metropolitana do Porto. "Mas o tema não deve ser um interdito", reconhece.
No início de 2006, o Governo de José Sócrates chegou a anunciar a aprovação de legislação que permitiria a fusão e a extinção de freguesias e a criação de novas autarquias. O projecto foi visto como uma oportunidade para reorganizar o país, dando coerência a novas realidades urbanas como aquela que, tendo por centro o Porto, se estende para lá do Douro e da Estrada de Circunvalação, mas o assunto acabou por ser esquecido.
"Há, de facto, um contínuo claro que inclui o Porto e as partes mais urbanizadas de Matosinhos e de Gaia, mas verifica-se o mesmo problema que há quando se fala em regionalização: pensa-se que uma eventual fusão se trataria de um mero arranjo", considera Rui Moreira, acrescentando que também a sociedade civil não percebeu que a criação de uma grande cidade com quase 700 mil habitantes, que seria a maior cidade portuguesa, geraria não só uma nova dimensão em termos de massa crítica, mas também "um outro peso político e um novo protagonismo".
Moreira recorda, aliás, que o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, sempre foi contra a fusão e que Matosinhos nunca manifestou grande interesse pelo assunto. Em véspera de eleições, aliás, nem Luís Filipe Menezes quis falar do tema, apesar de ter sido instado pelo PÚBLICO a fazê-lo.
Ainda assim, Tiago Azevedo Fernandes garante que vale a pena continuar a falar na junção das três cidades. "O problema da adequada gestão do território não está resolvido e, por isso, algum passo é necessário", considera, acrescentando que a solução poderá passar pela fusão de cidades, que seria "mais adequada e simples", ou por uma regionalização mais convencional. Carlos Lage, porém, tem dúvidas. Entende que se poderia avançar para a eleição directa de um governo metropolitano, mas considera que isto seria um "golpe mortal" no modelo de regionalização racional e pensado. "Os eventuais benefícios poderiam ser anulados pelos novos problemas que surgiriam."
Porto, Gaia e Matosinhos e criar a maior cidade portuguesa?
(Público) 8.10.09 Jorge Marmelo
O senhor Palomar apresenta uma forma física invejável, apesar da idade que tem. Quando vai correr na marginal, faz um percurso que o leva do limite norte da praia de Matosinhos ao extremo do novo molhe da barra do Douro. Sabe que, enquanto corre, atravessa a fronteira invisível de dois concelhos, mas não nota nenhuma diferença substancial entre Matosinhos e o Porto - parecem-lhe partes de uma só cidade. Se houvesse uma ponte no sítio onde está o molhe, o senhor Palomar gostaria, aliás, de atravessar o rio e continuar a corrida até aos rochedos de Lavadores, em Gaia.
O senhor Palomar não existe - é uma personagem do escritor italiano Italo Calvino. Usámo-lo aqui para ilustrar o modo de vida de milhares de pessoas que, no Grande Porto, vivem, durante o dia, em várias cidades: trabalham no Porto, almoçam em Matosinhos e dormem em Gaia (não necessariamente por esta ordem), mas apenas podem decidir sobre a eleição dos autarcas do concelho em que estão recenseados (normalmente aquele onde dormem).
"Na prática, Porto, Gaia e Matosinhos são uma única cidade. Não faz sentido estabelecer fronteiras artificiais, invisíveis quando se olha para o funcionamento deste espaço urbano, como se fosse possível gerir de cada um dos lados dessas fronteiras sem ter em conta o outro lado", considera Tiago Azevedo Fernandes, dinamizador do blogue A Baixa do Porto.
A possibilidade de fundir concelhos, conferindo uma estrutura institucional àquilo que é uma realidade de todos os dias, aparece fugazmente na agenda mediática desde 2001, quando Luís Filipe Menezes e Fernando Gomes admitiram, pela primeira vez, a junção do Porto e de Gaia, à imagem do que, em 1873, sucedeu com as cidades de Buda e de Peste nas margens do Danúbio. O tema, todavia, nunca entrou verdadeiramente na agenda política e, em época de eleições autárquicas, é cautelosamente evitado mesmo por aqueles a quem podia interessar vê-lo discutido como questão estratégica que, de facto, é.
"Os políticos sempre disseram "nim", nunca houve uma posição clara", resume o presidente de Associação Comercial do Porto, Rui Moreira, defensor da fusão do Porto, Gaia e Matosinhos. "Desde logo, a fusão implicaria menos cargos, menos tachos", explica. Tiago Azevedo Fernandes concorda e considera "fundado" o receio de perda de poder por parte dos políticos. "Uma estrutura administrativa optimizada aumenta a transparência e facilita a participação dos cidadãos na gestão da coisa pública. A sociedade civil perceberia a força que possui ao ver mudanças geradas por si e desta forma", diz Fernandes.
"É um tema muito difícil. A fusão do Porto, de Gaia e até de Matosinhos seria muito interessante e até desejável, caso fosse capaz de criar um consenso e um sentimento forte entre a população, pela dimensão demográfica e económica que geraria, mas é utópica e quase impraticável. A criação de um supermunicípio é susceptível de gerar tensões e conflitos brutais entre as cidades que ficassem sob o novo poder", considera, por seu lado, Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte e autor da primeira proposta de criação da Área Metropolitana do Porto. "Mas o tema não deve ser um interdito", reconhece.
No início de 2006, o Governo de José Sócrates chegou a anunciar a aprovação de legislação que permitiria a fusão e a extinção de freguesias e a criação de novas autarquias. O projecto foi visto como uma oportunidade para reorganizar o país, dando coerência a novas realidades urbanas como aquela que, tendo por centro o Porto, se estende para lá do Douro e da Estrada de Circunvalação, mas o assunto acabou por ser esquecido.
"Há, de facto, um contínuo claro que inclui o Porto e as partes mais urbanizadas de Matosinhos e de Gaia, mas verifica-se o mesmo problema que há quando se fala em regionalização: pensa-se que uma eventual fusão se trataria de um mero arranjo", considera Rui Moreira, acrescentando que também a sociedade civil não percebeu que a criação de uma grande cidade com quase 700 mil habitantes, que seria a maior cidade portuguesa, geraria não só uma nova dimensão em termos de massa crítica, mas também "um outro peso político e um novo protagonismo".
Moreira recorda, aliás, que o presidente da Câmara do Porto, Rui Rio, sempre foi contra a fusão e que Matosinhos nunca manifestou grande interesse pelo assunto. Em véspera de eleições, aliás, nem Luís Filipe Menezes quis falar do tema, apesar de ter sido instado pelo PÚBLICO a fazê-lo.
Ainda assim, Tiago Azevedo Fernandes garante que vale a pena continuar a falar na junção das três cidades. "O problema da adequada gestão do território não está resolvido e, por isso, algum passo é necessário", considera, acrescentando que a solução poderá passar pela fusão de cidades, que seria "mais adequada e simples", ou por uma regionalização mais convencional. Carlos Lage, porém, tem dúvidas. Entende que se poderia avançar para a eleição directa de um governo metropolitano, mas considera que isto seria um "golpe mortal" no modelo de regionalização racional e pensado. "Os eventuais benefícios poderiam ser anulados pelos novos problemas que surgiriam."
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