quarta-feira, 31 de dezembro de 2008


Contra os maniqueus
(JN) 31.12.2008
Há tempos fui barbaramente agredido por um pardal. Fora atropelado por um carro que seguia à frente do meu e batia desesperadamente as asas na estrada sem conseguir levantar voo. Parei e recolhi-o.
Em casa, tratei-lhe cuidadosamente as feridas, deixando-o depois, com comida e água diárias, em convalescença na varanda, até ele se dar a si mesmo alta e ir à sua pequena vida. O drama (o meu, pois o dele começara antes) aconteceu durante o tratamento. A coisa deve ter doído insuportavelmente, e aquelas poucos gramas de alada vida transformaram-se numa fera. Mordeu-me com tal determinação que, mais de uma semana depois, eu ainda não fechava a mão. Os homens reagem do mesmo modo. O sofrimento tem o condão de acordar o que de mais profundo há em nós, a nossa irracionalidade. O instinto de sobrevivência está para além do bem e do mal, das boas e das más intenções. Na Palestina, dois povos, o palestino e o israelita, lutam há décadas pela sobrevivência. A humilhação diária de um e o medo do outro são péssimos conselheiros. O desafio da Razão é fazer um e outro compreender que só sobreviverão juntos.

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