Jornalista que atirou sapatos a Bush salta para a ribalta no Iraque
(Público)15.12.2008 - 16h15 Ana Fonseca Pereira, com agências
Até agora quase desconhecido da opinião pública iraquiana, Muntazer al-Zaidi, o jornalista que ontem atirou os sapatos ao Presidente norte-americano, durante uma conferência de imprensa em Bagdad, tornou-se o assunto de todas as conversas no país e, esta manhã, uma manifestação em Sadr City juntou milhares de pessoas para exigir a sua libertação. “Estou certo que muitos iraquianos queriam fazer aquilo que Muntazer fez”, declarou o seu irmão, Udai al-Zaidi, em declarações à Reuters TV, exigindo a sua libertação imediata. Udai admitiu que o irmão, de 29 anos, culpa os militares americanos pelos milhares de civis mortos no Iraque nos últimos cinco anos e um dos seus colegas na televisão iraquiana Al-Bagdadiya revelou que Muntazer avisara, “há sete meses”, que “iria lançar os sapatos à cabeça de Bush se tivesse ocasião para o fazer”. “Quando ele o jurou, nós pensávamos que se tratava de uma gabarolice”, acrescentou o colega, um dia depois de Muntazer ter cumprido a promessa.
O inesperado aconteceu durante a conferência de imprensa conjunta entre o primeiro-ministro iraquiano, Nuri al-Maliki, e George W. Bush, que ontem efectuou, de surpresa, uma última visita ao Iraque antes de abandonar a Casa Branca. Muntazer levantou-se e, ao atirar um sapato contra Bush, gritou: “Isto é um beijo de despedida, cão!”. O Presidente americano conseguiu desviar-se a tempo de ser atingido, mas o jornalista conseguiu atirar o outro sapato na sua direcção antes de ser imobilizado pelos seguranças que se encontravam na sala. Bush reagiu com humor ao incidente, mas o Governo iraquiano anunciou que Muntazer se encontra detido, sob acusação de ter cometido "acto bárbaro e hediondo".
A estação al-Bagdadia exigiu hoje a sua libertação imediata “em conformidade com a democracia e liberdade de expressão que o novo regime e as autoridades americanas prometeram para o povo iraquiano”.
Aproveitando a mediatização do acontecimento, o movimento do líder radical xiita, Moqtada al-Sadr, firme opositor da presença militar americana, declarou Muntazer um “ícone da resistência contra a ocupação” e organizou esta manhã uma manifestação para exigir a sua libertação, em Sadr City, subúrbio pobre de Bagdad que se tornou bastião do movimento. Khalil Doulaimi, um antigo advogado de Saddam Hussein, adiantou à AFP estar já a preparar a defesa do jornalista, revelando que “cerca de 200 advogados iraquianos e de outras nacionalidades, incluindo americanos” se mostraram disponíveis para defender gratuitamente Muntazer. Um outro advogado iraquiano explicou à agência de notícias francesa que, se o repórter for acusado de “insulto a um chefe de Estado estrangeiro em visita ao Iraque, arrisca-se a um mínimo de dois anos de prisão”, uma pena que pode ser agravada até 15 anos caso seja indiciado por agressão.
No mundo árabe, tratar alguém por “cão” é um dos piores insultos possíveis, tal como bater numa pessoa com a sola dos sapatos, associados à sujidade.
Em 2003, quando as tropas americanas entraram em Bagdad e derrubaram uma estátua de Saddam, muitos civis que se encontravam no local bateram na imagem com sapatos, numa manifestação de repúdio pelo antigo ditador iraquiano. Mas se muitos falam já de Muntazer como um herói, a opinião não é unânime das ruas de Bagdad.
“Bush é nosso inimigo, mas quando convidamos um inimigo a casa, não o tratamos assim”, lamentou Um Mina, uma jovem iraquiana entrevistada esta manhã numa loja do bairro comercial de Karrada. Um comerciante no mesmo bairro admitiu ter-se divertido com as imagens – “Estamos habituados a ver este tipo de coisas na Europa, mas para nós é novo” –, mas disse que o gesto do jornalista “não foi civilizado”. “Os jornalistas têm papel e caneta para as suas lutas, não os sapatos”, declarou. Entretanto, e à medida que as imagens do incidente vão enchendo os sites na Internet, o episódio gera discussão também fora do Iraque e, Aicha Khadafi, filha do Presidente líbio, já anunciou que a associação a que preside vai atribuir ao jornalista iraquiano “a ordem da coragem” por, através do seu acto, ter “dito não à violação dos direitos humanos”.
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