A Utopia no Boa Vista
Pedro Baptista
pedroluisbaptista@gmail.com
Para o debate que terá lugar este fim de tarde(18.30) no Hotel da Boa Vista (Foz do Douro) a propósito da publicação de uma carta inédita de Wenceslau de Moraes
Pedro Baptista
pedroluisbaptista@gmail.com
Para o debate que terá lugar este fim de tarde(18.30) no Hotel da Boa Vista (Foz do Douro) a propósito da publicação de uma carta inédita de Wenceslau de Moraes
(GRANDE PORTO) 9.10.09
Quantos de nós, num olhar particular ou numa cosmovisão, não se deixaram fascinar pelo Oriente? E que fascínio nos impeliu para os antípodas? À procura, ou ao encontro, do Outro, como é usual conclamar-se, ou teremos viajado com motivação mais prosaica, também mais esconsa, em busca de nós próprios?
Que fomos procurar? Algo exterior, a nós? Ou uma parte de nós? Teremos tido capacidade para nos apresentarmos desalmados da nossa ocidentalidade, disponíveis para vermos o Outro na sua realidade, ou, mais uma vez, para nos continuarmos a ver nas paragens do Outro, tendentes a tornarem-se, connosco, as mesmas paisagens das nossas vivências, da nossa realidade, afinal, a única decentemente existente, a única autêntica e objectivamente Realidade!
Integrámos o Outro, fio de espada da fera manápula de Albuquerque, ou balas e baionetas de Sua Majestade a esmagarem a revolta patriótica dos Boxers na frigidez das linhas imperiais de Pierre Loti? Ou pedimos desculpa por esse passado e seleccionamos personagens que pretendemos de uma nova modernidade global e pacifista (enfim, na medida do possível) onde, longe de encarcerarmos o Outro em nós, somos nós a integrarmo-nos no Outro?
Neste comovedor quadro idílico, quando nos integramos no Outro, é no Outro estranho, no Outro que é em si o que nem sequer sabemos o que é, que nos integramos, ou antes é em um Outro que construímos no estranho, pelo bom motivo de o tornar não estranho, de o civilizar?
Quando o bolchevismo no extremo eslavo do Czar ou o maoísmo no Império do Meio, seduziram alguns de nós, tal como, um século antes, na senda de Camões, o Império do Sol Nascente seduzira Camilo Pessanha ou Wenceslau de Morais, foram ideologias exóticas que procuramos porque eram autóctones dos antípodas, ou seduzimo-nos pelo que pretendíamos ser seduzidos, por serem os nossos eus que lá estavam esconsos, noviços, verdejantes, repentinamente auriluzentes, depois de séculos iniciados por Marco Polo a construi-los à nossa medida, criando um estranho onde nos podíamos encontrar a nós?
Os vanguardismos em que acreditámos no dealbar do Século XX, ou entrados na sua 2ª metade, sob o Vendaval do Leste e o miraculado Grande Oriente Vermelho, súbditos pois de todas as lestídias duma utopia feita não de não-existência, mas concreta, real, protegida pela lonjura, que foram afinal, como expõe o pensador britânico John Gray, senão exportações do Iluminismo europeu?
Lido, relido e treslido tanto Voltaire como Rousseau, mas – que digo eu? – que importa o que se lê ou o que se leu quando a Revolução está nas ruas e alastra com a torrente dos factos, os grandes intérpretes das ideias!? A simpatia a despertar no coração dos espectadores, mesmo nos não envolvidos, como mostrou Kant, a propósito da Revolução Francesa? E que é este Aufklärung, este Mehr Licht!, senão a continuidade do expansionismo do universalismo monoteísta exclusivista, ou seja do cristianismo enquanto cisão com o monoteísmo “nacionalista” judaico, e superante do relativismo e particularismo religiosos do paganismo, como têm demonstrado tanto o alemão Peter Sloterdijk como o esloveno Slavoj Žižec? Será que, como eles interrogam, quanto mais universal for a nossa ética explícita, mais brutal será a exclusão que lhe subjaz? E se as palavras de Paulo “nem judeu, nem grego” quiserem dizer que não há espaço para quem não abarque a nova condição, rechaçando e abandonando todo e qualquer particularismo? E se o slogan “todos os homens são meus irmãos” significar que os que o não são, por não aceitarem a minha proposta de fraternidade, nem sequer são homens?
O sonho dos homens novos, o sonho da sociedade perfeita após o Apocalipse revolucionário, o velho ideário milenarista que tantas cabeças decepadas deixou a ensanguentar as terras santas? O militantismo dos revolucionários leninistas e o furor dos guardas vermelhos da Revolução Cultural não conterão os elementos de uma continuidade do apostolado do universalismo zelota, como afirma o pensador alemão?
Nos suicidas bombistas, no Bin Laden, não estará alguma mão tardia do nosso Buiça ou de Bakunine?
Que é isto senão o Ocidente? Mas é daqui que se parte para o grande Oriente! O vento de Leste é antes de mais o vento do Oeste!
Importante dizê-lo no momento em que, como Gray aventa, o Ocidente tende a desculpar todas as consequências das suas utopias, culpando as idiossincrasias, as estruturações antropológicas e históricas, contextos, realidades e especificidades dos locais, ou seja dos orientais! Grandes democratas teriam sido Lenine, Trotsky, Estaline, Mao, não fossem os seus contextos!
E Marx, não o da analítica da história e da economia, mas o da construção do sonho hegeliano do fim da história. Se tivesse sido na Alemanha, na França, na Inglaterra, onde as tradições democráticas estão enraizadas - que o digam as vítimas dos Terrores de um lado ou de outro da Mancha - a utopia realizar-se-ia na fusão da democracia política, com a igualdade social e a prosperidade económica… Sim, haveria aquele problema da Índia das castas, da China dos mandarins, com um tal nebuloso Modo de Produção Asiático mas, para isso mesmo, por isso mesmo, o vendaval soprou ciclónico do Ocidente para Oriente, nele arrastando, entre muitos, o nosso conterrâneo literário Wenceslau de Moraes, cuja descoberta e apresentação de uma carta inédita vai propiciar um debate sobre esta temática, este fim de tarde (18.30), no Hotel da Boa Vista, Foz do Douro, organizado pelo “Progresso da Foz”.
Quantos de nós, num olhar particular ou numa cosmovisão, não se deixaram fascinar pelo Oriente? E que fascínio nos impeliu para os antípodas? À procura, ou ao encontro, do Outro, como é usual conclamar-se, ou teremos viajado com motivação mais prosaica, também mais esconsa, em busca de nós próprios?
Que fomos procurar? Algo exterior, a nós? Ou uma parte de nós? Teremos tido capacidade para nos apresentarmos desalmados da nossa ocidentalidade, disponíveis para vermos o Outro na sua realidade, ou, mais uma vez, para nos continuarmos a ver nas paragens do Outro, tendentes a tornarem-se, connosco, as mesmas paisagens das nossas vivências, da nossa realidade, afinal, a única decentemente existente, a única autêntica e objectivamente Realidade!
Integrámos o Outro, fio de espada da fera manápula de Albuquerque, ou balas e baionetas de Sua Majestade a esmagarem a revolta patriótica dos Boxers na frigidez das linhas imperiais de Pierre Loti? Ou pedimos desculpa por esse passado e seleccionamos personagens que pretendemos de uma nova modernidade global e pacifista (enfim, na medida do possível) onde, longe de encarcerarmos o Outro em nós, somos nós a integrarmo-nos no Outro?
Neste comovedor quadro idílico, quando nos integramos no Outro, é no Outro estranho, no Outro que é em si o que nem sequer sabemos o que é, que nos integramos, ou antes é em um Outro que construímos no estranho, pelo bom motivo de o tornar não estranho, de o civilizar?
Quando o bolchevismo no extremo eslavo do Czar ou o maoísmo no Império do Meio, seduziram alguns de nós, tal como, um século antes, na senda de Camões, o Império do Sol Nascente seduzira Camilo Pessanha ou Wenceslau de Morais, foram ideologias exóticas que procuramos porque eram autóctones dos antípodas, ou seduzimo-nos pelo que pretendíamos ser seduzidos, por serem os nossos eus que lá estavam esconsos, noviços, verdejantes, repentinamente auriluzentes, depois de séculos iniciados por Marco Polo a construi-los à nossa medida, criando um estranho onde nos podíamos encontrar a nós?
Os vanguardismos em que acreditámos no dealbar do Século XX, ou entrados na sua 2ª metade, sob o Vendaval do Leste e o miraculado Grande Oriente Vermelho, súbditos pois de todas as lestídias duma utopia feita não de não-existência, mas concreta, real, protegida pela lonjura, que foram afinal, como expõe o pensador britânico John Gray, senão exportações do Iluminismo europeu?
Lido, relido e treslido tanto Voltaire como Rousseau, mas – que digo eu? – que importa o que se lê ou o que se leu quando a Revolução está nas ruas e alastra com a torrente dos factos, os grandes intérpretes das ideias!? A simpatia a despertar no coração dos espectadores, mesmo nos não envolvidos, como mostrou Kant, a propósito da Revolução Francesa? E que é este Aufklärung, este Mehr Licht!, senão a continuidade do expansionismo do universalismo monoteísta exclusivista, ou seja do cristianismo enquanto cisão com o monoteísmo “nacionalista” judaico, e superante do relativismo e particularismo religiosos do paganismo, como têm demonstrado tanto o alemão Peter Sloterdijk como o esloveno Slavoj Žižec? Será que, como eles interrogam, quanto mais universal for a nossa ética explícita, mais brutal será a exclusão que lhe subjaz? E se as palavras de Paulo “nem judeu, nem grego” quiserem dizer que não há espaço para quem não abarque a nova condição, rechaçando e abandonando todo e qualquer particularismo? E se o slogan “todos os homens são meus irmãos” significar que os que o não são, por não aceitarem a minha proposta de fraternidade, nem sequer são homens?
O sonho dos homens novos, o sonho da sociedade perfeita após o Apocalipse revolucionário, o velho ideário milenarista que tantas cabeças decepadas deixou a ensanguentar as terras santas? O militantismo dos revolucionários leninistas e o furor dos guardas vermelhos da Revolução Cultural não conterão os elementos de uma continuidade do apostolado do universalismo zelota, como afirma o pensador alemão?
Nos suicidas bombistas, no Bin Laden, não estará alguma mão tardia do nosso Buiça ou de Bakunine?
Que é isto senão o Ocidente? Mas é daqui que se parte para o grande Oriente! O vento de Leste é antes de mais o vento do Oeste!
Importante dizê-lo no momento em que, como Gray aventa, o Ocidente tende a desculpar todas as consequências das suas utopias, culpando as idiossincrasias, as estruturações antropológicas e históricas, contextos, realidades e especificidades dos locais, ou seja dos orientais! Grandes democratas teriam sido Lenine, Trotsky, Estaline, Mao, não fossem os seus contextos!
E Marx, não o da analítica da história e da economia, mas o da construção do sonho hegeliano do fim da história. Se tivesse sido na Alemanha, na França, na Inglaterra, onde as tradições democráticas estão enraizadas - que o digam as vítimas dos Terrores de um lado ou de outro da Mancha - a utopia realizar-se-ia na fusão da democracia política, com a igualdade social e a prosperidade económica… Sim, haveria aquele problema da Índia das castas, da China dos mandarins, com um tal nebuloso Modo de Produção Asiático mas, para isso mesmo, por isso mesmo, o vendaval soprou ciclónico do Ocidente para Oriente, nele arrastando, entre muitos, o nosso conterrâneo literário Wenceslau de Moraes, cuja descoberta e apresentação de uma carta inédita vai propiciar um debate sobre esta temática, este fim de tarde (18.30), no Hotel da Boa Vista, Foz do Douro, organizado pelo “Progresso da Foz”.
7 comentários:
Escrevi, no meu blog, um texto de indignação:
http://margemesquerdatribunalivre.blogspot.com/
Grande Pedro Baptista sempre a lutar contra o conformismo. Finalmente encontrei o sue blog.
Manuel Queiroz(ex-aluno)
Abraço, Manuel Queiroz
Resolvi participar na sessão e dei por muito bem empregue o meu fim de tarde porque saí mais culto.
Tinha curiosidade em perceber a relação especial de Venceslau de Morais com o Porto, anunciada pelos promotores deste evento, porque desconhecia que houvesse sequer alguma relação.
E descobri uma nova forma de alguém admirar e respeitar o Porto mesmo sem nunca cá ter vindo. Mas o interesse da sessão foi muito para além disso.
Parabéns à organização
Álvaro Costa
O triângulo Wenceslau de Moraes, Camilo Pessanha e Armando Martins Janeira (ou Janeiro) ainda é uma mina de ouro.
Carlos Sambade
E Lúcio Pinheiro dos Santos, o filósofo fantasma no dizer de Joaquim Domigues, o inventor da "ritmanálise" consagrada e divulgada por Bachelard no penúltimo capítulo do "Dialectique de la Durée". Era amigo de Camilo Pessanha (tenho uma foto dos dois) e nota-se uma identidade entre o seu pensamento filosófico (filosofia do ritmo) e o ritmo da (pelo menos alguns poemas)"Clepsidra". Estou à sua disposição para conversarmos mais sobre o assunto.
Obrigado pela sua disponibilidade.
Um dia será, poderá ser. Por ora estou em Alfândega da Fé. Quando descer até ao Porto vou ver, à BPMP, se encontro alguma coisa de Lúcio Pinheiro dos Santos, que não referi por que não conheço.
Carlos Sambade
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