sexta-feira, 9 de outubro de 2009

A Utopia no Boa Vista
Pedro Baptista
pedroluisbaptista@gmail.com
Para o debate que terá lugar este fim de tarde(18.30) no Hotel da Boa Vista (Foz do Douro) a propósito da publicação de uma carta inédita de Wenceslau de Moraes
(GRANDE PORTO) 9.10.09
Quantos de nós, num olhar particular ou numa cosmovisão, não se deixaram fascinar pelo Oriente? E que fascínio nos impeliu para os antípodas? À procura, ou ao encontro, do Outro, como é usual conclamar-se, ou teremos viajado com motivação mais prosaica, também mais esconsa, em busca de nós próprios?
Que fomos procurar? Algo exterior, a nós? Ou uma parte de nós? Teremos tido capacidade para nos apresentarmos desalmados da nossa ocidentalidade, disponíveis para vermos o Outro na sua realidade, ou, mais uma vez, para nos continuarmos a ver nas paragens do Outro, tendentes a tornarem-se, connosco, as mesmas paisagens das nossas vivências, da nossa realidade, afinal, a única decentemente existente, a única autêntica e objectivamente Realidade!
Integrámos o Outro, fio de espada da fera manápula de Albuquerque, ou balas e baionetas de Sua Majestade a esmagarem a revolta patriótica dos Boxers na frigidez das linhas imperiais de Pierre Loti? Ou pedimos desculpa por esse passado e seleccionamos personagens que pretendemos de uma nova modernidade global e pacifista (enfim, na medida do possível) onde, longe de encarcerarmos o Outro em nós, somos nós a integrarmo-nos no Outro?
Neste comovedor quadro idílico, quando nos integramos no Outro, é no Outro estranho, no Outro que é em si o que nem sequer sabemos o que é, que nos integramos, ou antes é em um Outro que construímos no estranho, pelo bom motivo de o tornar não estranho, de o civilizar?
Quando o bolchevismo no extremo eslavo do Czar ou o maoísmo no Império do Meio, seduziram alguns de nós, tal como, um século antes, na senda de Camões, o Império do Sol Nascente seduzira Camilo Pessanha ou Wenceslau de Morais, foram ideologias exóticas que procuramos porque eram autóctones dos antípodas, ou seduzimo-nos pelo que pretendíamos ser seduzidos, por serem os nossos eus que lá estavam esconsos, noviços, verdejantes, repentinamente auriluzentes, depois de séculos iniciados por Marco Polo a construi-los à nossa medida, criando um estranho onde nos podíamos encontrar a nós?
Os vanguardismos em que acreditámos no dealbar do Século XX, ou entrados na sua 2ª metade, sob o Vendaval do Leste e o miraculado Grande Oriente Vermelho, súbditos pois de todas as lestídias duma utopia feita não de não-existência, mas concreta, real, protegida pela lonjura, que foram afinal, como expõe o pensador britânico John Gray, senão exportações do Iluminismo europeu?
Lido, relido e treslido tanto Voltaire como Rousseau, mas – que digo eu? – que importa o que se lê ou o que se leu quando a Revolução está nas ruas e alastra com a torrente dos factos, os grandes intérpretes das ideias!? A simpatia a despertar no coração dos espectadores, mesmo nos não envolvidos, como mostrou Kant, a propósito da Revolução Francesa? E que é este Aufklärung, este Mehr Licht!, senão a continuidade do expansionismo do universalismo monoteísta exclusivista, ou seja do cristianismo enquanto cisão com o monoteísmo “nacionalista” judaico, e superante do relativismo e particularismo religiosos do paganismo, como têm demonstrado tanto o alemão Peter Sloterdijk como o esloveno Slavoj Žižec? Será que, como eles interrogam, quanto mais universal for a nossa ética explícita, mais brutal será a exclusão que lhe subjaz? E se as palavras de Paulo “nem judeu, nem grego” quiserem dizer que não há espaço para quem não abarque a nova condição, rechaçando e abandonando todo e qualquer particularismo? E se o slogan “todos os homens são meus irmãos” significar que os que o não são, por não aceitarem a minha proposta de fraternidade, nem sequer são homens?
O sonho dos homens novos, o sonho da sociedade perfeita após o Apocalipse revolucionário, o velho ideário milenarista que tantas cabeças decepadas deixou a ensanguentar as terras santas? O militantismo dos revolucionários leninistas e o furor dos guardas vermelhos da Revolução Cultural não conterão os elementos de uma continuidade do apostolado do universalismo zelota, como afirma o pensador alemão?
Nos suicidas bombistas, no Bin Laden, não estará alguma mão tardia do nosso Buiça ou de Bakunine?
Que é isto senão o Ocidente? Mas é daqui que se parte para o grande Oriente! O vento de Leste é antes de mais o vento do Oeste!
Importante dizê-lo no momento em que, como Gray aventa, o Ocidente tende a desculpar todas as consequências das suas utopias, culpando as idiossincrasias, as estruturações antropológicas e históricas, contextos, realidades e especificidades dos locais, ou seja dos orientais! Grandes democratas teriam sido Lenine, Trotsky, Estaline, Mao, não fossem os seus contextos!
E Marx, não o da analítica da história e da economia, mas o da construção do sonho hegeliano do fim da história. Se tivesse sido na Alemanha, na França, na Inglaterra, onde as tradições democráticas estão enraizadas - que o digam as vítimas dos Terrores de um lado ou de outro da Mancha - a utopia realizar-se-ia na fusão da democracia política, com a igualdade social e a prosperidade económica… Sim, haveria aquele problema da Índia das castas, da China dos mandarins, com um tal nebuloso Modo de Produção Asiático mas, para isso mesmo, por isso mesmo, o vendaval soprou ciclónico do Ocidente para Oriente, nele arrastando, entre muitos, o nosso conterrâneo literário Wenceslau de Moraes, cuja descoberta e apresentação de uma carta inédita vai propiciar um debate sobre esta temática, este fim de tarde (18.30), no Hotel da Boa Vista, Foz do Douro, organizado pelo “Progresso da Foz”.

7 comentários:

Primo de Amarante disse...

Escrevi, no meu blog, um texto de indignação:
http://margemesquerdatribunalivre.blogspot.com/

Anónimo disse...

Grande Pedro Baptista sempre a lutar contra o conformismo. Finalmente encontrei o sue blog.

Manuel Queiroz(ex-aluno)

Pedro Baptista disse...

Abraço, Manuel Queiroz

Anónimo disse...

Resolvi participar na sessão e dei por muito bem empregue o meu fim de tarde porque saí mais culto.

Tinha curiosidade em perceber a relação especial de Venceslau de Morais com o Porto, anunciada pelos promotores deste evento, porque desconhecia que houvesse sequer alguma relação.

E descobri uma nova forma de alguém admirar e respeitar o Porto mesmo sem nunca cá ter vindo. Mas o interesse da sessão foi muito para além disso.

Parabéns à organização

Álvaro Costa

Anónimo disse...

O triângulo Wenceslau de Moraes, Camilo Pessanha e Armando Martins Janeira (ou Janeiro) ainda é uma mina de ouro.

Carlos Sambade

Pedro Baptista disse...

E Lúcio Pinheiro dos Santos, o filósofo fantasma no dizer de Joaquim Domigues, o inventor da "ritmanálise" consagrada e divulgada por Bachelard no penúltimo capítulo do "Dialectique de la Durée". Era amigo de Camilo Pessanha (tenho uma foto dos dois) e nota-se uma identidade entre o seu pensamento filosófico (filosofia do ritmo) e o ritmo da (pelo menos alguns poemas)"Clepsidra". Estou à sua disposição para conversarmos mais sobre o assunto.

Anónimo disse...

Obrigado pela sua disponibilidade.
Um dia será, poderá ser. Por ora estou em Alfândega da Fé. Quando descer até ao Porto vou ver, à BPMP, se encontro alguma coisa de Lúcio Pinheiro dos Santos, que não referi por que não conheço.
Carlos Sambade