Do Porto a Beja, passando pelo Seixal, as consequências das reformas educativas são semelhantes e negativas: clima de tensão, professores a pedir a reforma antecipada, aulas paradas pelas greves e notas dos alunos suspensas ou inflacionadas.
Desânimo e desgaste provocados pela avaliação marcam o dia-a-dia dos professores da Escola Clara de Resende, no Porto. Embora garantam que o tentam disfarçar nas aulas, esse lado emocional despertou já os pais para possíveis consequências negativas.
Na Secundária Clara de Resende, há professores que já disseram não saber se vão dar notas".
O presidente do Conselho Executivo (CE), José Pinhal, afirma não “augurar nada de bom” para o futuro. Com 151 professores, a escola Clara de Resende aprovou já uma proposta de suspensão do modelo de avaliação dos professores, com apenas um voto contra e quatro abstenções.
Alguns pais, apesar de considerarem que os docentes terão as suas razões, criticam já algumas alterações nas rotinas da escola, como greves e o facto de "bons" professores estarem a pedir a pré-reforma.
Melhores professores estão a ir embora
Este problema “destabiliza o sistema”, aponta a vice-presidente, Rosário Queirós, referido desagradar-lhe "perceber como os melhores professores da escola, sentindo-se humilhados, estão a ir embora, por desânimo, por não quererem fazer parte deste filme".
Uma mãe de dois rapazes que frequentam a escola disse, sob anonimato, que "os filhos queixam-se que as aulas já não são dadas com interesse". Rui Ferreira, cuja filha frequenta há três anos a escola, está mais pessimista, centrando a sua preocupação no "impasse quanto à atribuição, ou não, das notas finais". "Os professores poderão ter razão, mas prejudicam os alunos", afirmou, "e há professores que já disseram não saber se vão dar notas".
Pais prejudicados com instabilidade no Seixal
Na sala dos professores da Escola Secundária José Afonso, do Seixal, vive-se um ambiente emotivo. Os professores manifestavam grande preocupação com o facto do novo modelo limitar o acesso ao topo de carreira, através de um sistema de quotas, mesmo para aqueles que consigam atingir a classificação de Muito Bom ou Excelente.
"É completamente absurdo impedir que dois terços dos professores possam atingir o topo de carreira. Só isto é extremamente pesado para qualquer pessoa que está na profissão", disse à Lusa José Esteves, professor de Matemática. E apesar de quase todos os professores estarem contra este modelo de avaliação, reconhecem a necessidade de se encontrar uma outra forma de avaliação mais consensual.
À porta da escola, alguns pais mostravam-se preocupados com o eventual prejuízo que possa advir para os filhos devido à luta dos professores contra o actual modelo de avaliação, enquanto outros se mostravam mais preocupados com a instabilidade provocada pelas reivindicações dos alunos face ao novo estatuto do aluno.
António Augusto, pai de um aluno, assegura que os jovens não andam contentes com o novo regime de faltas. "Percebo os alunos e os professores, mas não concordo com o novo estatuto do aluno no que respeita às faltas". Admite que "os alunos estão também a aproveitar-se da situação, apenas porque querem ter algumas faltas para dar. Acho que o anterior sistema de faltas não estava mal", acrescentou.
Daniela Leitão, de 13 anos, aluna do 8º ano, salienta contudo o que considera ser já uma das consequências negativas do novo modelo de avaliação dos professores: "Os professores estão a dar melhores notas aos alunos mais fracos para não serem prejudicados pelo novo sistema de avaliação", sustentou a jovem aluna da Escola Secundária José Afonso.
Em Serpa vive-se a maior agitação de que há memória
Clima semelhante vive-se na Escola Secundária de Serpa, em Beja. "Não me lembro de uma agitação tão grande", garante uma auxiliar educativa bem como um estudante do 12º ano.
As vozes críticas que se ouvem mais alto são dos docentes, que dizem estar "desgastados" e "frustrados". No início deste mês, 50 dos 54 professores em exercício de funções assinaram uma moção para a suspensão do processo de avaliação de desempenho.
"O pedido foi indeferido pelo Ministério mas, na prática, parámos a avaliação", assegura Manuel Baiôa, professor de História, há 17 anos, e dirigente da Federação Nacional dos Sindicatos da Educação (FNE).
Manuel Baiôa fez questão de realçar que a avaliação de desempenho, embora seja agora a face mais visível da "luta", é apenas "um dos problemas que motiva a contestação". "Para se compreender isto tem que se perceber o que se passou na escola nos últimos quatro anos", enquadra, lançando muitas críticas à "sobrecarga" do horário de trabalho que foi aplicado à classe e ao novo estatuto da carreira docente.
Docente de História há 27 anos, Maria Arlete Sezinando, pondera agora pedir a reforma mais cedo, apesar da penalização financeira. "Este estatuto da carreira docente é aberrante e a imposição dos professores terem de passar sete horas diárias na escola é terrível. Não somos como outro funcionário qualquer, que 'pica o ponto' e vai para casa descansado. Nós levamos muito trabalho para casa e ficamos até às tantas a corrigir testes ou a preparar aulas", explicou.
Os professores também rejeitam a "ideia errada da opinião pública" de que não eram avaliados ou de que não o querem ser, insistindo que "o problema é o novo modelo escolhido", que só "aumenta a burocracia" de uma profissão que "já está excessivamente burocratizada", como argumentou Isabel Lanzinha, docente de Português há mais de duas décadas.
"Já há pessoas que passam quase o dia inteiro na escola e, com este modelo, quando chegar a altura de começarem a avaliar, começam a trazer a almofadinha e a família atrás e dormem cá", ironizou.
Sem comentários:
Enviar um comentário