Mário Soares
Como se esperava, a vitória de Barack Hussein Obama provocou uma explosão de alegria na América e foi recebida com evidente satisfação em todo o mundo. Foi um fenómeno de mobilização da juventude, nunca visto nas eleições presidenciais americanas. E das minorias que o apoiaram militantemente: negras, hispânicas, asiáticas, árabes, homossexuais - mas também com larga participação de mulheres e de homens brancos, velhos e novos, pobres e ricos, intelectuais, cientistas, artistas, universitários, técnicos, desempregados e sem-abrigo -, mobilizados pelo carisma de um homem de 47 anos, negro, com uma formação superior e com duas ideias-chave, que repetiu à saciedade: mudança e esperança num mundo melhor.Todos perceberam que era o homem certo no momento certo.Foi também um colossal voto de protesto, contra oito anos de uma política externa agressiva, responsável por duas cruentas guerras, excepcionalmente violentas, alimentadas por mentiras e por inconfessáveis interesses, pela arrogância do poder e pelo desrespeito pelos direitos humanos.Por políticas internas desastrosas, descuidadas das questões sociais e ambientais e dos valores do pioneirismo americano, tendo como única preocupação aumentar o poder do dinheiro nas mãos dos mais poderosos.Políticas que conduziram os Estados Unidos - e o mundo - à pior crise financeira e económica que se conhece, desacreditando para sempre, esperemos, a ideologia que as orientou: o neoconservadorismo ou o neoliberalismo financeiro-especulativo (não confundir com o capitalismo assente em economias reais e não num sistema financeiro virtual).Foi ainda a vitória da democracia americana, que, desta vez, funcionou sem fraudes administrativas ou outras.Aliás, o candidato derrotado, John McCain, teve a dignidade e a coragem, em tempo recorde, de reconhecer a derrota - ele, que se bateu como um leão, diga--se -, felicitando o seu adversário e pedindo à multidão inconformada que o ouvia para aceitar, democraticamente, a derrota e considerar o Presidente eleito, Barack Obama, como "o Presidente de todos os americanos".Tudo mudou.Agora a mudança radical vai tornar-se possível, bem como o renascer da esperança e da confiança.Embora o futuro seja incerto, dado as múltiplas crises actuais - financeira, económica, energética, alimentar, ambiental e político-moral - serem difíceis de vencer. Como o próprio Presidente eleito preveniu logo, no seu primeiro discurso: "Levam, seguramente, bastante tempo a vencer." Mas nós - americanos - "Sim, podemos", insistiu... E citou três dos mais terríveis desafios: "As guerras, um planeta em perigo, a crise", por esta ordem.A verdade é que a vitória de Obama abre a porta a um mundo novo e não só à América do Norte. O pessoal político americano foi profundamente renovado. Obama elegeu 364 grandes eleitores, contra 163 de McCain (mas faltam escrutinar os mandatos do Missuri). Para a Câmara dos Representantes, os democratas elegeram 255 representantes e os republicanos, 174 e, para o Senado, os democratas elegeram 57 senadores, enquanto os republicanos, 40. Uma vitória histórica e em toda a linha - que dividiu o eleitorado republicano e os seus representantes eleitos, que levarão bastante tempo a recompor-se...Alguém disse que a implosão pacífica e eleitoral dos Estados Unidos - que contagiou o mundo - lembra a implosão da União Soviética, no tempo de Gorbachev, e das chamadas democracias populares, igualmente pacífica, em 1989-1991, com o milagre da queda do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro, que mudou o sentido da História e destruiu a ideologia do comunismo totalitário.A grande viragem eleitoral americana desacreditou igualmente a ideologia neoliberal e a chamada "democracia liberal", que Bush procurou impor ao mundo.Entramos agora numa nova fase. O mundo tornou-se multilateral e o hegemonismo americano arrogante vai desaparecer. É preciso ter isso em conta. Como o multiculturalismo e o multirracismo.O mundo é cada vez mais um só. O que implica uma atenção especial à reestruturação das Nações Unidas, como o grande fautor de paz e de concertação e deve avançar para um esboço de governança mundial. Não um "directório dos grandes Estados", mas onde os Estados pequenos, democraticamente, possam também sentir-se representados.A crise revelou a ineficácia das organizações financeiras internacionais submetidas à vontade da hegemonia imperial americana. Há hoje um coro unânime para condenar essas organizações internacionais - o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a própria Organização Mundial de Comércio -, que não previram nada, não fiscalizaram as gravíssimas imoralidades e ilegalidades dos bancos e seguradoras, não avisaram os governos, não aconselharam quaisquer medidas para tentar evitar uma crise global, que estava anunciada há seguramente mais de um ano.É preciso remodelá-las, reestruturá-las, democratizá-las e integrá-las no sistema das Nações Unidas.E julgar e punir os responsáveis e coniventes da grande incúria, não só no plano internacional, mas a nível dos Estados nacionais, bancos centrais, organismos de fiscalização e controlo, bancos, seguradoras, especuladores imobiliários e mesmo alguns governos.Diga-se que a União Europeia tem imensas responsabilidades: deixou-se contaminar - para não dizer "colonizar" - pelo "pensamento único" americano, quando não foram cúmplices activos do sistema: como Blair, Aznar, Berlusconi e Durão Barroso. Não devemos esquecer - nesta hora - a Cimeira dos Açores, que dividiu a Europa, deu luz verde a Bush para atacar o Iraque, sem o aval das Nações Unidas, o que está na origem de todos os abusos que se lhe seguiram.Deixemos, contudo, esse passado recente, à história e à justiça, e voltemo-nos, resolutamente, para o futuro: para o que aí vem e que não muda com uma eleição, por mais importante que seja. É preciso atacar a crise que gravemente nos afecta e continuará a afectar durante todo o ano de 2009. Pelo menos.Sejamos realistas. Não é Barack Obama que vai resolver uma crise tão complexa. Não tem uma varinha mágica para mudar as coisas.Os remédios que até agora foram postos em marcha para sossegar os mercados não resolvem o problema. Podem tranquilizar, de momento, os especuladores e branquear os principais culpados dela. Para a resolver são necessárias medias estruturais - e grandes mudanças, mesmo de mentalidades - que levam o seu tempo.Obama não perdeu um segundo. Dois dias depois das eleições deu uma conferência de imprensa e pôs os pontos nos is.Até 20 de Janeiro, praticamente dois meses, incluindo o Natal, o Presidente em funções é ainda George W. Bush. Obama será obviamente informado, mas não vai comprometer-se com nada.Foi convidado para essa estranha e inoportuna Conferência dos 20 - iniciativa de Sarkozy, amigo de Bush, para dar relevo à sua presidência europeia, que termina no fim de Dezembro - mas creio bem que Obama não vai cair na armadilha que lhe estendem.Vai ouvir - o que poderá ser útil -, mas não falar ou, muito menos, comprometer- -se. Espero...
Como se esperava, a vitória de Barack Hussein Obama provocou uma explosão de alegria na América e foi recebida com evidente satisfação em todo o mundo. Foi um fenómeno de mobilização da juventude, nunca visto nas eleições presidenciais americanas. E das minorias que o apoiaram militantemente: negras, hispânicas, asiáticas, árabes, homossexuais - mas também com larga participação de mulheres e de homens brancos, velhos e novos, pobres e ricos, intelectuais, cientistas, artistas, universitários, técnicos, desempregados e sem-abrigo -, mobilizados pelo carisma de um homem de 47 anos, negro, com uma formação superior e com duas ideias-chave, que repetiu à saciedade: mudança e esperança num mundo melhor.Todos perceberam que era o homem certo no momento certo.Foi também um colossal voto de protesto, contra oito anos de uma política externa agressiva, responsável por duas cruentas guerras, excepcionalmente violentas, alimentadas por mentiras e por inconfessáveis interesses, pela arrogância do poder e pelo desrespeito pelos direitos humanos.Por políticas internas desastrosas, descuidadas das questões sociais e ambientais e dos valores do pioneirismo americano, tendo como única preocupação aumentar o poder do dinheiro nas mãos dos mais poderosos.Políticas que conduziram os Estados Unidos - e o mundo - à pior crise financeira e económica que se conhece, desacreditando para sempre, esperemos, a ideologia que as orientou: o neoconservadorismo ou o neoliberalismo financeiro-especulativo (não confundir com o capitalismo assente em economias reais e não num sistema financeiro virtual).Foi ainda a vitória da democracia americana, que, desta vez, funcionou sem fraudes administrativas ou outras.Aliás, o candidato derrotado, John McCain, teve a dignidade e a coragem, em tempo recorde, de reconhecer a derrota - ele, que se bateu como um leão, diga--se -, felicitando o seu adversário e pedindo à multidão inconformada que o ouvia para aceitar, democraticamente, a derrota e considerar o Presidente eleito, Barack Obama, como "o Presidente de todos os americanos".Tudo mudou.Agora a mudança radical vai tornar-se possível, bem como o renascer da esperança e da confiança.Embora o futuro seja incerto, dado as múltiplas crises actuais - financeira, económica, energética, alimentar, ambiental e político-moral - serem difíceis de vencer. Como o próprio Presidente eleito preveniu logo, no seu primeiro discurso: "Levam, seguramente, bastante tempo a vencer." Mas nós - americanos - "Sim, podemos", insistiu... E citou três dos mais terríveis desafios: "As guerras, um planeta em perigo, a crise", por esta ordem.A verdade é que a vitória de Obama abre a porta a um mundo novo e não só à América do Norte. O pessoal político americano foi profundamente renovado. Obama elegeu 364 grandes eleitores, contra 163 de McCain (mas faltam escrutinar os mandatos do Missuri). Para a Câmara dos Representantes, os democratas elegeram 255 representantes e os republicanos, 174 e, para o Senado, os democratas elegeram 57 senadores, enquanto os republicanos, 40. Uma vitória histórica e em toda a linha - que dividiu o eleitorado republicano e os seus representantes eleitos, que levarão bastante tempo a recompor-se...Alguém disse que a implosão pacífica e eleitoral dos Estados Unidos - que contagiou o mundo - lembra a implosão da União Soviética, no tempo de Gorbachev, e das chamadas democracias populares, igualmente pacífica, em 1989-1991, com o milagre da queda do Muro de Berlim e da Cortina de Ferro, que mudou o sentido da História e destruiu a ideologia do comunismo totalitário.A grande viragem eleitoral americana desacreditou igualmente a ideologia neoliberal e a chamada "democracia liberal", que Bush procurou impor ao mundo.Entramos agora numa nova fase. O mundo tornou-se multilateral e o hegemonismo americano arrogante vai desaparecer. É preciso ter isso em conta. Como o multiculturalismo e o multirracismo.O mundo é cada vez mais um só. O que implica uma atenção especial à reestruturação das Nações Unidas, como o grande fautor de paz e de concertação e deve avançar para um esboço de governança mundial. Não um "directório dos grandes Estados", mas onde os Estados pequenos, democraticamente, possam também sentir-se representados.A crise revelou a ineficácia das organizações financeiras internacionais submetidas à vontade da hegemonia imperial americana. Há hoje um coro unânime para condenar essas organizações internacionais - o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a própria Organização Mundial de Comércio -, que não previram nada, não fiscalizaram as gravíssimas imoralidades e ilegalidades dos bancos e seguradoras, não avisaram os governos, não aconselharam quaisquer medidas para tentar evitar uma crise global, que estava anunciada há seguramente mais de um ano.É preciso remodelá-las, reestruturá-las, democratizá-las e integrá-las no sistema das Nações Unidas.E julgar e punir os responsáveis e coniventes da grande incúria, não só no plano internacional, mas a nível dos Estados nacionais, bancos centrais, organismos de fiscalização e controlo, bancos, seguradoras, especuladores imobiliários e mesmo alguns governos.Diga-se que a União Europeia tem imensas responsabilidades: deixou-se contaminar - para não dizer "colonizar" - pelo "pensamento único" americano, quando não foram cúmplices activos do sistema: como Blair, Aznar, Berlusconi e Durão Barroso. Não devemos esquecer - nesta hora - a Cimeira dos Açores, que dividiu a Europa, deu luz verde a Bush para atacar o Iraque, sem o aval das Nações Unidas, o que está na origem de todos os abusos que se lhe seguiram.Deixemos, contudo, esse passado recente, à história e à justiça, e voltemo-nos, resolutamente, para o futuro: para o que aí vem e que não muda com uma eleição, por mais importante que seja. É preciso atacar a crise que gravemente nos afecta e continuará a afectar durante todo o ano de 2009. Pelo menos.Sejamos realistas. Não é Barack Obama que vai resolver uma crise tão complexa. Não tem uma varinha mágica para mudar as coisas.Os remédios que até agora foram postos em marcha para sossegar os mercados não resolvem o problema. Podem tranquilizar, de momento, os especuladores e branquear os principais culpados dela. Para a resolver são necessárias medias estruturais - e grandes mudanças, mesmo de mentalidades - que levam o seu tempo.Obama não perdeu um segundo. Dois dias depois das eleições deu uma conferência de imprensa e pôs os pontos nos is.Até 20 de Janeiro, praticamente dois meses, incluindo o Natal, o Presidente em funções é ainda George W. Bush. Obama será obviamente informado, mas não vai comprometer-se com nada.Foi convidado para essa estranha e inoportuna Conferência dos 20 - iniciativa de Sarkozy, amigo de Bush, para dar relevo à sua presidência europeia, que termina no fim de Dezembro - mas creio bem que Obama não vai cair na armadilha que lhe estendem.Vai ouvir - o que poderá ser útil -, mas não falar ou, muito menos, comprometer- -se. Espero...
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