Entrevista de Manuel Alegre ao DN e TSF
É expectável que apresente uma moção alternativa à de José Sócrates no próximo congresso do PS? Não, não, isso já disse que não fazia...
Já fiz isso uma vez, para abrir um espaço de debate. Isso foi bom para o próprio José Sócrates, projectou o PS na vida pública, contribuiu até, estou convencido, para o próprio resultado que o partido obteve [nas eleições legislativas]. Mas há um tempo para tudo. Depois já fui candidato à Presidência da República... Há um tempo e uma idade para tudo.
Vai ao congresso discutir ideias?
Também é preciso dar lugar aos mais novos, sobretudo na vida partidária. É preciso que se criem alternativas. Uma das minhas preocupações é que não vejo isso acontecer nos congressos federativos.
Mas é no congresso que pode discutir a linha que está a seguir o PS?
Mas antigamente havia alternativas! Fui das primeiras direcções do PS, e o Mário Soares nunca teve, mesmo no período decisivo da democracia, em 75, as maiorias que outros secretários-gerais tiveram.
Porque o partido era mais democrático?
O partido era mais aberto, havia mais convicções, mais ideologia. As pessoas pensavam. Não tinham medo de pensar pela sua cabeça. Havia diferentes sensibilidades, diferentes correntes, ninguém tinha medo! Havia enfrentamentos. Lembro-me de discussões tempestuosas dentro do PS. É claro que todo o País e toda a sociedade viviam dessa maneira e as coisas projectavam-se assim dentro dos partidos..
Mas deixe-me insistir na pergunta: não é importante ir ao próximo congresso discutir as alternativas do PS?
Fiz aquilo que tinha a fazer em 2004. Teria muita coisa a contar sobre isso (sorriso), mas ficamos por aqui. Foi muito interessante o debate que travámos, e isso foi um bom treino até para o próprio José Sócrates, foi uma coisa muito animada que dignificou o PS. Mas agora há outros mais novos, as pessoas também têm de aprender que a política se faz com rupturas, se faz com risco, se faz com ousadia! É uma coisa que me preocupa na nova geração: aqueles que vêm das juventudes são muito programados, são muito prudentes, fazem contas a tudo.
Fazem contas aos lugares que podem ter no futuro?
Fazem contas aos lugares, fazem contas se é a altura própria ou se não é a altura própria... As coisas acontecem. Ou se tem um destino, ou não se tem um destino. E também se cria o destino. As coisas acontecem muitas vezes por inspiração e por revelação. Nunca programei ser candidato à Presidência da República, nem nunca esteve nos meus horizontes, ao contrário do que as pessoas...
Desculpe interrompê-lo, mas há quem diga que muitas das suas posições são pautadas com o cultivar desse espaço, para poder voltar a ser candidato à Presidência da República.
Mas estão enganados. São pessoas que pensam pela sua cabeça, mas estão enganados. Naquela altura fui porque havia uma forte corrente, como os resultados o demonstraram, nesse sentido, e porque entendia também que era um dever cívico fazê-lo, responder às solicitações das pessoas.
Falou num défice da oposição. Há quem diga que isso acontece porque o PS invadiu a direita, e portanto a oposição tem estado a fazer-se à esquerda. Acha que efectivamente as políticas do PS invadiram o território que outrora era do PSD?
O PSD, que é um partido que vive muito do poder, tem uma crise de liderança há muito tempo. Teve um grande líder, o dr. Sá Carneiro, depois o dr. Cavaco e podia ter tido uma líder que por um conjunto de razões ficou no caminho, que era a dr.ª Leonor Beleza, e foi pena para a democracia. O PSD tem tido um problema de liderança porque é um partido que não tem uma ideologia clara. Isso foi a sua fraqueza e também a sua força. Vive muito da força ou do carisma dos líderes, que não encontrou... E está hoje muito dividido...
Mas à esquerda a oposição está forte, ou não?
Penso que há um sentimento de esquerda no País, e há grandes descontentamentos. Penso que há movimentos sociais que ainda não tiveram uma expressão política. E quando falo da esquerda...
E o PS terá capacidade de virar à esquerda ainda?
Não é fácil. Infelizmente, não é fácil.
Se isso não acontecer, votará PS na mesma, em 2009?
Mas o problema é que o eleitorado do PS, grande parte do eleitorado do PS, é mesmo de esquerda, são trabalhadores! O dr. Francisco Van Zeller [presidente da Confederação da Indústria Portuguesa - CIP], com quem, aliás, tenho uma relação cordial, elogiou o Código do Trabalho, mas não é ele que vota PS, ele vota sempre à direita, não é? Ora, os trabalhadores, as pessoas da classe média...
E o senhor vota PS, ainda?
A este tempo de distância das eleições...Votei sempre PS. Em princípio, estando no PS, votarei PS.
Estando no PS?...
Pois, daqui até lá...
Já sentiu vontade de deixar o PS e passar a ser deputado independente, por exemplo?
Não, isso nunca faria. Passar a ser deputado independente não, sendo eleito pelo PS. Se deixasse de ser do PS...
Já aconteceu, dentro do PS e noutros partidos...
Sim, mas eu não faria isso.Mas, não estando no PS, onde é que o senhor poderia estar?
Eu estou no PS. E estou no PS há mais tempo que a maior parte dos seus actuais dirigentes. Fui uma das pessoas que construíram este PS e que o enraizou na sociedade portuguesa. Os dirigentes do PS sabem isso muito bem, tanto que, quando tivemos um confronto - confrontos internos já não vale a pena porque já sabemos como é aquilo - nas urnas, na opinião pública, eles sabem qual foi o resultado, não devem ter esquecido.
A este tempo de distância, vê-se a participar numa campanha eleitoral ao lado do seu camarada José Sócrates?Isso é um problema!
Estou, digamos, num período de reflexão. Fui candidato às eleições presidenciais, tive aquela votação, não foi um milhão, foi mais de um milhão, foi um milhão e cento e trinta mil...Peço desculpa pelo arredondamento [feito no lançamento da entrevista na rádio].[risos] Foi um milhão e cento e trinta mil. E isso deu-me uma certa responsabilidade. Há muita gente que se volta para mim, e eu não sou a Santa da Ladeira, e me pede uma solução milagreira. Eu não tenho nenhuma solução milagreira no bolso, mas tenho uma responsabilidade cívica perante aqueles que confiaram em mim. Não posso envolver-me numa campanha eleitoral se não estiver de acordo com o programa político nem com as políticas. Nem posso apoiar pessoas que nada têm a ver comigo, quer do ponto de vista político quer de outros pontos de vista.
No partido ou no Governo?
No partido e no Governo.
E está a falar de José Sócrates, que é o líder do PS e primeiro-ministro?
Com o José Sócrates tenho tido uma boa relação pessoal. Por vezes muito tensa do ponto de vista político, como é agora o caso, mas boa do ponto de vista pessoal. É até interessante conversar com ele. Mas para apoiar Sócrates terei de apoiar alguns dos seus apoiantes, e isso não posso fazer. E teria de apoiar algumas políticas... Teria de fazer, digamos assim, de impor condições que não sei se ele estaria disposto a aceitar ou se teria possibilidade, mesmo, de as levar à prática.
Isso significa que não será candidato a deputado nas próximas legislativas?
Dificilmente.
Quais são os ministros que considera mais à esquerda neste Governo? Até para tentarmos perceber quem são as pessoas que efectivamente vê a mais ao lado do primeiro-ministro.
Não vou fazer apreciações dessa natureza. Não quero assistir à degradação da democracia. E uma coisa que degrada a democracia é a confiscação do Estado por interesses poderosos, interesses que não são sufragados.
Sobretudo económicos?
Interesses económicos. E também penso que não é bom para a democracia que haja uma confusão entre os negócios e a política. É perfeitamente legítimo que as pessoas se entreguem aos negócios, façam a sua vida nos negócios, que ganhem dinheiro, façam riqueza...
Com este Governo, essa confusão aumentou?...
O que não é aceitável, nem recomendável, é que uma pessoa exerça cargos políticos e depois passe para os negócios ou misture negócio e política. Contamina a confiança das pessoas na democracia e isso não é possível. Não estou a falar do Sócrates, mas de pessoas que têm andado por aí no PS, no PSD. Vão dos ministérios para a gestão das empresas onde o Estado tem participação, e vice-versa, e isso não é bom. Descredibiliza a democracia. Tivemos há pouco tempo a discussão da questão da Lusoponte com três ex-ministros! Não é bom! Independentemente das pessoas, e não estou a pôr em causa as pessoas de algumas das quais até sou amigo, isto não é bom, não é são.
Afastou definitivamente a hipótese de patrocinar a criação de uma nova força política que trouxesse novidades a esse nível?
Nós nunca podemos dizer "definitivamente" em política, é uma coisa que já percebi. Sobretudo numa situação destas, em que se fechou um ciclo, está a nascer um novo ciclo, está a haver uma mudança de paradigma, muitas coisas podem acontecer! Está a haver uma recessão económica, que vai trazer consequências sociais imprevisíveis...
A recessão está na Europa, mas ainda não está aqui, em Portugal. Acredita que nós escapamos?
Não, não escapamos. Não acredito nisso, não podemos escapar. Aliás, não estamos a escapar. Ontem saiu mais uma estatística: na saúde caímos sete pontos. Dos países europeus só temos abaixo a Roménia e a Bulgária. Aqueles índices da OCDE dizem que estamos nos três onde há maiores desigualdades. Abaixo de nós só a Turquia e o México. E somos o país da União Europeia onde há maior desigualdade na distribuição da riqueza, portanto...
Mas até para isso, para que esse combate possa ser feito, perguntava-lhe se vê necessidade de existir uma nova força política?Se a crise social se agravar...
Os Estados Unidos resolveram o problema, elegeram o Obama, que é uma resposta nova para uma situação de crise. Vai ser difícil, ele sabe, porventura muitas das promessas que fez não poderão ser imediatamente cumpridas, mas não creio que vá desiludir muito. Há uns cépticos que estão à espera que ele falhe, e ficariam satisfeitos se isso acontecesse. Eu espero que não falhe. Já na Europa não vejo, neste momento, grandes soluções alternativas. Portanto, não me admira que venha a haver grandes rupturas e que surjam novas forças políticas à direita e à esquerda.
E mesmo em Portugal?
Mesmo em Portugal. Não se esqueçam de que a ascensão do fascismo e do nazismo fez-se depois da grande depressão! E nessa altura havia a União Soviética, havia partidos comunistas fortíssimos, partidos socialistas fortes, tinha havido a Frente Popular em França, e havia sindicatos fortíssimos. Neste momento, a esquerda está muito debilitada. Pergunto mesmo, onde é que está a esquerda como solução política? Foi essa a pergunta que fiz no artigo que escrevi para o Diário de Notícias.
Mas estaria disponível para patrocinar o nascimento de...
Independentemente do que fizer ou não fizer no futuro, estou disponível para facilitar o diálogo e o encontro entre pessoas de diferentes quadrantes, para pensar em políticas, políticas públicas, políticas alternativas, para reflectirem sobre novos rumos e sobre um novo paradigma.E essas pessoas podem estar dentro do PS, dentro do Partido Comunista (PCP) e do Bloco de Esquerda?Dentro do PS, do PCP, do Bloco de Esquerda, ou ser independentes, que é o que são a maior parte delas. Porque há muitas pessoas que querem participar na vida pública, já participaram. Algumas delas foram até referências da construção da democracia e acabaram por se cansar. E hoje querem participar e não têm como nem onde...
Acredita que pode haver uma unidade de esquerda?
Unidade de esquerda, em termos de unidade interpartidária, não.E se o PS ganhar as eleições e não tiver maioria? É à esquerda que se deve aliar? Era com a esquerda que devia dialogar. O PS devia dialogar sempre com a esquerda. Aliás, o PS deve dialogar com todos, a democracia é feita de confronto e é feita de diálogo, há coisas em que deve dialogar...Não falo em diálogo, falo mesmo em aliança para governar...É difícil, do ponto de vista inter-partidário. Primeiro, o PCP, basta ler as suas teses, tal como está não me parece que queira aliança nenhuma ou que esteja nessa disposição. Aliás, nunca a quis, e foi um dos males da nossa democracia em 74/75. O PCP privilegiou um entendimento com um sector do MFA (Movimento das Forças Armadas) em detrimento da aliança com o PS. Portanto, não creio que seja possível. No Bloco de Esquerda há pessoas que tentam criar pontes, criar convergências, e penso que esse diálogo se deveria fazer. Mas não só interpartidos. Fora dos partidos há muita gente boa! Estão aí essas revistas online, gente que não pertence a partido nenhum, que pensa sobre os grandes temas, sobre o sindicalismo, sobre a educação, sobre a saúde...! Estão nas universidades, nas empresas, na vida civil... É preciso dialogar com toda essa gente! Há uma coisa relativamente à qual sou contra, o Bloco Central. Isso é uma coisa fatal para a democracia. Levará a várias rupturas, à direita e à esquerda.
O primeiro-ministro dizia, há 15 dias, que o Partido Socialista (PS) tinha "muito orgulho" de si, mas acrescentou agora que "o senhor está disponível sempre para dar razão a toda a gente menos ao Governo e ao PS". Como é que comenta?
O PS é um partido livre e plural. Irritei-me com a ministra da Educação e ele ficou um bocado nervoso com as coisas que eu disse, embora também tenha acrescentado que eu tinha o direito a ter a minha opinião. Respondi que gostaria que me dessem boas razões para não ter tantas razões de crítica.
E também ficou irritado ao ouvir essa afirmação?
Não, não. Até me ri!Mas a verdade é que tem estado contra muitas das políticas do PS. Esteve contra a propósito do Código do Trabalho, da educação, da saúde, dos funcionários públicos. Pergunto-lhe: o que é que o Governo tem feito de bem?Olhe, a redução do défice, apesar dos custos... Assumiu e cumpriu aquilo que estava estabelecido com Bruxelas. O que está mal é Maastricht, as imposições de Maastricht e de Bruxelas.
Mas o Governo conseguiu cumprir o défice e acertar as contas públicas.
Não é um fim em si mesmo mas é uma condição de se poderem fazer outras coisas. E houve outros temas em que votei a favor: a lei do divórcio, a procriação medicamente assistida, a interrupção voluntária da gravidez. Mas penso que o Governo aplicou muitas das receitas, que são as chamadas receitas do pensamento único, veiculadas pela OCDE e também, através da OCDE, por Bruxelas, e que levaram à situação em que estamos agora de grande colapso financeiro. Esta ilusão de que o sistema financeiro se podia auto-regular, de que o Estado devia diminuir o seu papel interventor, o seu papel regulador... Foi por isso que chegámos onde chegámos. As receitas eram as mesmas para todo o lado: menos regulação de Estado, menos papel do Estado, esvaziar os serviços públicos, flexibilização. Se aqui há uns meses estivéssemos a falar da nacionalização de um banco, diziam que nós estávamos malucos, não é? E agora são os ideologicamente derrotados, os defensores do Estado mínimo, que pedem intervenção do Estado.
José Sócrates tem dito, ultimamente, que é a grande derrota do liberalismo...? Tem razão, estou de acordo com ele!
O que é preciso definir é o que deve ser a intervenção do Estado e qual o sentido que tem a própria intervenção do Estado nesta questão da nacionalização da banca ou noutras nacionalizações que eventualmente poderão surgir se a crise se agravar. Não se trata só de socializar as perdas, não é? Trata-se também de definir prioridades. Os investimentos públicos são necessários. Foi assim, aliás, que o Roosevelt venceu a grande crise do início do pós-guerra e de 29, com o New Deal. Mas é preciso definir também que investimentos públicos. Grandes obras públicas, sim senhor, que é preciso criar emprego, mas é necessário investir também no sector produtivo e nos seus núcleos mais competitivos: Investir na agricultura, em bens agrícolas, porque temos de diminuir a dependência do exterior e garantir a soberania nacional! Acabou-se com a agricultura, acabou-se com as pescas e acabaram-se com as indústrias tradicionais em Portugal como consequência da nossa entrada na União Europeia (UE). A questão da agricultura foi mal pensada, mal resolvida, mal negociada. E a das pescas também! Teve não só consequências económicas, mas também sociais e culturais. A agricultura e as pescas fazem parte da nossa própria identidade e da nossa soberania. Portanto, o investimento na agricultura é importante, porque a terra é a principal riqueza, a terra nunca se desvaloriza, e nós estamos entalados entre a Espanha e o mar... Tudo, neste momento, é muito volátil, tudo, neste momento, é muito incerto, não é? Somos uma velhíssima nação que foi pensada por grandes homens em momentos decisivos e através dos séculos e temos de saber garantir a nossa autonomia. Porque o facto de estarmos na UE - e sou partidário de estarmos na UE porque devemos estar na vanguarda e no centro das decisões - não significa uma dissolução nacional.
Defende que se tem de mudar as políticas a nível europeu?
As políticas a nível europeu, sim! Ainda agora, no dia 11 de Outubro, o Stiglitz escreveu um importantíssimo artigo no Le Monde, como eu também várias vezes o disse, defendendo que a União Europeia devia mudar os 3% do défice público. Não é possível fazer face à crise actual impondo aquele limite dos 3% de défice público.Mas também não é possível um Estado sobreviver se tiver permanentemente défices públicos elevados. Isso acarreta dívida e alguém tem de pagar...Para ter investimento público, e para poder combater a depressão e criar emprego, etc., tem de se ter alguma margem de manobra, sobretudo nos Estados mais fracos. Os limites são muito, muito rígidos. Stiglitz também recomenda mudar os estatutos do Banco Central Europeu (BCE), porque privilegiam o controlo da inflação. Isso garante a estabilidade, mas depois estrangula o crescimento económico. E estrangulando o crescimento económico provoca-se desemprego.
Acha, portanto, que os Estados deviam ter mais intervenção no BCE? Menos autonomia para o BCE, mais política?
Devia rever-se os estatutos nesse sentido de ser menos rígido no controlo da inflação e que agora a UE devia ter mais flexibilidade em relação ao défice público. Aqueles países nórdicos que tantas vezes se elogiam são os países com maior défice público. E, no entanto, são os países com maiores níveis de vida, embora agora também todos apanhem por tabela, porque ninguém está fora desta crise.
Há poucos dias escreveu no Diário de Notícias um artigo em que dizia que era preciso reinventar a esquerda. O que é que isso significa concretamente? Estamos a falar de se mudarem programas? De aparecerem novas forças?
A esquerda tinha modelos. Tinha o modelo soviético e das democracias populares, e depois o modelo chinês e albanês e o modelo cubano. Os socialistas tinham o modelo da social-democracia europeia. Caiu o Muro de Berlim, esperava-se que viesse o socialismo democrático mas veio foi a globalização.
Não há um novo paradigma?
Não há um novo paradigma! Quer dizer, agora está-se a esboçar um novo paradigma, que por acaso vem da América, dos Estados Unidos, com a eleição do Obama, que é, em si mesma, uma grande revolução cultural.
Francisco Louçã diz que Obama não é um homem de esquerda?
No contexto americano, é! E penso que em muitas das suas políticas é com certeza mais à esquerda do que alguns pretensos esquerdistas europeus. E aquilo é uma grande mudança, cívica, democrática, cultural...E pode influenciar esse novo paradigma?[Passando por cima da questão] Sou da geração que veio de Angola para Portugal no Vera Cruz... Recebemos a notícia da morte do Kennedy, depois do irmão e do Martin Luther King. Conheci o Eldridge Cleaver, essa gente toda... Se há trinta e tal anos me perguntassem se isto era possível diria que não! Portanto, isto é uma grande lição de vitalidade da democracia americana. Repito: e pode influenciar esse novo paradigma?Isto é o fim de um ciclo, que começou com o Reagan, teve reflexos na Inglaterra... em todo o lado. Teve reflexos aqui, na imprensa, nos comentadores, nos partidos políticos, em tudo. Mas as pessoas cansaram-se e esse ciclo acabou. Talvez se inicie ali agora a busca de um novo paradigma, não de um modelo global, porque não é possível um modelo global, mas de novas políticas e sobretudo de novas políticas públicas necessárias à democracia.
Tem escapado à disciplina do grupo parlamentar em algumas das votações no PS. Sente-se uma espécie de provedor da esquerda?
Não, não. Há lá pessoas de esquerda que eu respeito muito, como o presidente do grupo parlamentar o camarada Alberto Martins, não sou provedor de coisa nenhuma. E não tenho escapado à disciplina parlamentar; respeito a Constituição e está lá: "O deputado exerce livremente as suas funções" e não pode ser...Certo, mas há uma disciplina...... Não pode haver procedimento, nem criminal, nem cível, nem disciplinar. Respeito a Constituição e sou julgado por aqueles que me elegeram. Mas sei que, evidentemente, sendo eleito em lista partidária há algumas coisas em que se deve observar a disciplina mesmo não estando de acordo: no orçamento, no programa, nas moções de censura e de confiança.Os partidos da oposição têm falado em asfixia democrática.
Também acha que vivemos uma situação de asfixia?
Não, não acho que haja uma situação de asfixia. Temos eleições livres, estamos aqui a falar livremente, os partidos da oposição podem falar... Se calhar também há um défice de oposição, há com certeza um défice de oposição e um défice de alternativas. De tal maneira que às vezes parece que eu é que estou a fazer a oposição! Mas sempre houve vozes críticas dentro do PS.Haverá um défice de oposição porque o PS invadiu o espaço tradicional da direita?As maiorias absolutas - não é que elas sejam antidemocráticas e às vezes até são necessárias em democracia -, num país como o nosso são propícias ao aparecimento de certos tiques. Já aconteceu assim com o PSD! Ontem, por acaso, estive a ler um discurso que fiz de crítica ao PSD e ao primeiro-ministro Cavaco Silva. Algumas das críticas que são feitas agora a esta maioria absoluta eram as críticas que nós próprios fazíamos à outra.
Preferia ter o PS no Governo sem maioria absoluta?
Preferia era que, mesmo com maioria absoluta, a consciência crítica existisse, o pluralismo fosse uma vivência; e que, como se dizia antigamente, fizesse parte do socialismo, e dos valores do socialismo, a existência de mecanismos de contrapoder mesmo quando se exerce o poder.
E eles falham agora, na actual maioria?
Sim, porque o partido neste momento é uma máquina eleitoral, é uma máquina de poder. Deixou de ter uma vida própria euma vida autónoma, a direcção do partidoé o Governo.Mas isso não tem a ver também com a qualidade dos deputados?
O senhor tem esse peso específico e utiliza-o...
Bom, mas isso a mim ninguém mo deu. Essas coisas é a vida que...É isso que lhe estou a perguntar: não há falta de qualidade também na vida política portuguesa?Há uma coisa que está mal, mas penso que isso vai acabar: o problema da substituição dos deputados. Há um cabeça de lista, depois há os deputados, mas uns vão para o Governo, outros vão para aqui, outros vão para ali, e quando se chega a meio da legislatura já só lá estão os suplentes e às vezes os últimos suplentes, deputados pouco conhecidos ou quase anónimos...
Houve também uma fase da vida do PS em que muitos funcionários ascenderam a dirigentes políticos?
Este sistema eleitoral foi feito para consolidar os partidos políticos e estava certo. Mas os partidos afunilaram muito a sua vida, e há um divórcio hoje, não só aqui, muito grande entre a vida política partidária e a sociedade e os cidadãos.E como é que se resolve isso não estando ainda à vista um sistema melhor que esse?Aparecem movimentos... A minha campanha presidencial é um exemplo disso.
Movimentos de cidadania?
A democracia participativa complementa, aliás está na Constituição, a democracia representativa, mas é preciso que os partidos se reformem. Os partidos são irreformáveis. É muito difícil mudar um partido por dentro. Um partido pode mudar pela pressão da opinião pública ou por alteração da própria lei eleitoral. Aqui já se pensou nisso, fazer círculos uninominais e um círculo nacional...Há agora uma nova proposta em estudo...... Mas acaba por nunca funcionar. Isso levaria à mudança do tipo de deputados que temos, porque numa eleição uninominal, por exemplo, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, os deputados preocupam-se com o seu eleitorado, respondem perante o seu eleitorado. Claro que têm uma ligação ao partido, mas é uma ligação diferente. Têm sobretudo uma ligação ao seu eleitorado e se não respeitarem os compromissos assumidos com o seu eleitorado, ele não os reelege. Tal como "isto" funciona, quase que não vale a pena haver 230 deputados. Fazem-se as eleições, estabelece-se uma proporção, fica um por bancada e votam na proporção dos votos obtidos nas urnas. E sai mais barato!...Isto não é bom. Eu, que estou lá desde a Constituinte e que vivi outros momentos com outra vivacidade nos debates, porque estavam ali as grandes figuras da nossa democracia da esquerda à direita, tenho de reconhecer que havia outra qualidade e outro tipo de actos.
É evidente que se fala, aqui também, dos privilégios dos políticos. Os políticos têm muito poucos privilégios, sobretudo no que respeita aos seus vencimentos, embora os portugueses também os não tenham, de uma maneira geral. Mas hoje as solicitações e as remunerações na vida privada são muito mais atraentes...Apoiaria uma alteração às remunerações dos políticos?
Sim, apoiava. Sem medo de enfrentar um eleitorado?É preciso coragem também para enfrentar isso, não é só para diminuir nos salários dos funcionários e cortar naquilo que são considerados privilégios e que muitas vezes são direitos adquiridos. Porque corremos o risco de não haver uma renovação de qualidade. Os quadros novos, as novas elites, seguem outros caminhos, não vão querer meter-se em partidos políticos muito fechados em si mesmos, com muita mediocridade lá dentro e, sobretudo, muito afunilados. Não quer dizer que não se interessem pela vida pública. Tenho filhos, conheço amigos dos meus filhos, muita gente nova. Na minha campanha tive esse privilégio de ter muita gente nova, gente que me dizia que era a primeira vez que abraçava uma causa. Mas não estão para suportar essa coisa de estar num partido , sujeitos a um presidente de federação que funciona com um cacique. Não estão para isso, vão à vida deles! Isto não é bom para a democracia.
domingo, 16 de novembro de 2008
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