A justiça vai óptima e o caso TVI nunca existiu
João Miguel Tavares(DN) 15.9.09
Um marciano que tivesse aterrado em Portugal para assistir à maratona de debates sobre as legislativas teria chegado à conclusão de que o país está uma lástima, excepto em duas áreas: a justiça e a liberdade de expressão, onde tudo corre tão bem que em dez debates e quase oito horas de conversa não houve quem se atrevesse a discutir o assunto durante mais de 30 segundos. Muita economia. Muitas obras públicas. Muita segurança social. Muita educação. Muita crise. Mas justiça e liberdade de expressão? Nicles. Mesmo no alegado frente-a-frente do ano cumpriu-se escrupulosamente essa espécie de Bloco Central do silêncio, que consiste basicamente nisto: tu não mostras a sujidade que está debaixo do meu tapete e eu não mostro a sujidade que está debaixo do teu.
O sempre tão lesto, incisivo e mortífero José Sócrates não se atreveu - mais uma vez - sequer a tocar no nome de António Preto no debate com Manuela Ferreira Leite. O caso BPN - provavelmente o maior escândalo da legislatura - não foi referido uma única vez. E Ferreira Leite, por seu lado, nunca falou do Freeport ou de qualquer outro tema que tenha cozido Sócrates em lume brando nos últimos anos. Mesmo à famosa asfixia democrática não sobrou fôlego para se fazer ouvir durante o debate. O caso Manuela Moura Guedes foi há dez dias mas parece que já foi há dez anos. Como explicar isto? Há uma maneira bonita, que é dizer que estes senhores se respeitam muito, não se intrometem em investigações, não levantam suspeitas difíceis de provar, cultivam a elevação nos debates. E há uma maneira feia, que é achar que há um núcleo de silêncio em redor de temas fundamentais, onde convém deixar o povo à porta.
Mas, de facto, quando eu tenho o caso Freeport e tu tens o caso BPN, quando eu tenho o caso Manuela e tu tens o caso Marcelo, quando eu tenho o caso Fátima e tu tens o caso Isaltino, torna-se complicado andar a atirar certo tipo de pedras para o telhado do vizinho. E por isso, os dois pilares do regime democrático que mais têm sido postos em causa durante o consolado de Sócrates - os poderes judicial e mediático - têm-se mantido de fora do debate, exceptuando dois ou três esgares de indignação para inglês ver. Eu não duvido que o país ande muito endividado, que o emprego esteja alto, que a crise seja dura e que o TGV mereça uma discussão séria. Mas quando vemos uma justiça completamente desacreditada e uma comunicação social cada vez mais amordaçada, não faz qualquer sentido que questões tão estruturantes quanto estas nem sequer entrem na agenda eleitoral. Deixar tais temas de fora da campanha e debater apenas a economia é como ter um automóvel com o motor gripado e andar a discutir a mudança dos pneus.
João Miguel Tavares(DN) 15.9.09
Um marciano que tivesse aterrado em Portugal para assistir à maratona de debates sobre as legislativas teria chegado à conclusão de que o país está uma lástima, excepto em duas áreas: a justiça e a liberdade de expressão, onde tudo corre tão bem que em dez debates e quase oito horas de conversa não houve quem se atrevesse a discutir o assunto durante mais de 30 segundos. Muita economia. Muitas obras públicas. Muita segurança social. Muita educação. Muita crise. Mas justiça e liberdade de expressão? Nicles. Mesmo no alegado frente-a-frente do ano cumpriu-se escrupulosamente essa espécie de Bloco Central do silêncio, que consiste basicamente nisto: tu não mostras a sujidade que está debaixo do meu tapete e eu não mostro a sujidade que está debaixo do teu.
O sempre tão lesto, incisivo e mortífero José Sócrates não se atreveu - mais uma vez - sequer a tocar no nome de António Preto no debate com Manuela Ferreira Leite. O caso BPN - provavelmente o maior escândalo da legislatura - não foi referido uma única vez. E Ferreira Leite, por seu lado, nunca falou do Freeport ou de qualquer outro tema que tenha cozido Sócrates em lume brando nos últimos anos. Mesmo à famosa asfixia democrática não sobrou fôlego para se fazer ouvir durante o debate. O caso Manuela Moura Guedes foi há dez dias mas parece que já foi há dez anos. Como explicar isto? Há uma maneira bonita, que é dizer que estes senhores se respeitam muito, não se intrometem em investigações, não levantam suspeitas difíceis de provar, cultivam a elevação nos debates. E há uma maneira feia, que é achar que há um núcleo de silêncio em redor de temas fundamentais, onde convém deixar o povo à porta.
Mas, de facto, quando eu tenho o caso Freeport e tu tens o caso BPN, quando eu tenho o caso Manuela e tu tens o caso Marcelo, quando eu tenho o caso Fátima e tu tens o caso Isaltino, torna-se complicado andar a atirar certo tipo de pedras para o telhado do vizinho. E por isso, os dois pilares do regime democrático que mais têm sido postos em causa durante o consolado de Sócrates - os poderes judicial e mediático - têm-se mantido de fora do debate, exceptuando dois ou três esgares de indignação para inglês ver. Eu não duvido que o país ande muito endividado, que o emprego esteja alto, que a crise seja dura e que o TGV mereça uma discussão séria. Mas quando vemos uma justiça completamente desacreditada e uma comunicação social cada vez mais amordaçada, não faz qualquer sentido que questões tão estruturantes quanto estas nem sequer entrem na agenda eleitoral. Deixar tais temas de fora da campanha e debater apenas a economia é como ter um automóvel com o motor gripado e andar a discutir a mudança dos pneus.
3 comentários:
Os socialistas que estavam com muitas esperanças nos GATOS FEDORENTOS desenganem-se. Espantosamente a MFL esteve super-bem no programa. E tragicamente esteve muito melhor do que o Sócrates. Ou estarei enganado?
Os socialistas estão mais esperançados nas intervenções do Manuel Alegre.
O tiro pode sair pela culatra
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