quarta-feira, 9 de abril de 2008

Democracia: honra ou opróbrio?

por Pedro Baptista

O cumprimento ou incumprimento do preceituado estatutário é algo de secundário para a vida de um partido?
Para alguns detentores ou beneficiários dos poderes, parece que sim, por isso se referem às questões de direito interno do partido como questões administrativas.
Claro que estas questões administrativas incluem, por exemplo, a duração dos mandatos.
Sendo evidente que, num partido político, é preciso alguma maleabilidade para melhor ajustar a luta do partido aos seus objectivos políticos, é também claro que isso só pode ocorrer exactamente com essa justificação e não por mero arbítrio de quem detém o poder decisório e pretende pura e simplesmente prolongar os seus poderes ou os poderes de pessoas que lhe sejam afins.
É o que acontece actualmente com a “proposta” do secretariado nacional do PS de segunda-feira passado que tendo decidido encostar a eleição directa do SG e o Congressso Nacional (Fevereiro) às eleições de 2009 - o que é um entendimento da eleição SG e do Congresso Nacional como uma abertura eleitoral -, “propõe” ainda encostar as eleições para as federações Distritais e respectivos congressos ao Congresso Nacional, fazendo saltar do limite estatutário de inícios de Maio para Novembro, ou seja mais de 6 meses.
Sem nenhuma boa razão para proceder a este prolongamento do mandato dos actuais presidentes, que vão passar a ter um período extra de usurpação de 6 meses, a única razão que se vislumbra é a de interesses manipulatórios no sentido de “nacionalizarem” as distritais de forma a que os problemas regionais não estejam na ordem do dia, não sejam levantados nem sirvam de discussão ou bandeira eleitoral, antes pelo contrário, as distritais tenderão a ser transformadas numa espécie de procissões preparatórias para a grande missa que há-de ser o Congresso nacional, uma vez que em Novembro, no “Distrital”o partido já estará sobretudo dominado pelo espectro do “Nacional” e das três campanhas eleitorais de 2009.
Ora se houvesse seriedade política, não só os períodos estatutários seriam respeitados por não haver qualquer justificação política para serem mexidos, como seria dada particular atenção à existência de uma distância “sanitária” entre as discussão distritais e a discussão nacional, com vista a que o partido funcionasse de baixo para cima democraticamente e não fosse, como vão tentar que venha a ser, arrasado pelo vendaval de marketing em torno da figura do líder, tudo abafando de cima para baixo, e destruindo o partido enquanto conjunto de entidades individualizadas, conscientes, criativas e livres, coisa que, pelos vistos ( e está mais que visto) é considerado um incómodo por líderes que nunca conheceram a luta pela democracia, não são capazes de ganhar uma única eleição na mais pequena secção do país e só tem formação democrática retórica quando lhes dá jeito.
Nada justifica que as eleições para os Presidentes das Federações e para os Congressos Distritais não tenha ocorrido até à primeira semana de Maio como é imposição estatutária. Ou para o mês seguinte, caso se pretendesse distanciar um pouco mais das “concelhias”. Nada justifica a usurpação a que se vai assistir dos mandatos e à “nacionalização” manipulatória das “distritais”.
Correm por toda a parte as informações mais vergonhosas sobre chapéus e chapeladas nas diversas instâncias, desde inscritos que não o deveriam até não-inscritos que o deveriam estar. Com os exemplos que vêm de cima de desrespeito da Lei interna do Partido, da sua Constituição, que são os Estatutos, nada é de espantar.
O regabofe das golpadas, por toda a parte, vergonha de todos os democratas, tem luz verde de cima para baixo ou não se tivesse vindo a assistir, também neste sentido, à progressiva estalinização do Partido Socialista como, de resto, o camarada Manuel Alegre tantas vezes tem denunciado.
Ora se cá nos mantemos é para lutar contra isto, com todas as forças e todos os meios, políticos, legais, internos e públicos.
A democracia portuguesa não pode soçobrar às mãos de oportunistas que nunca tiveram nada a ver com ela nem nunca lutaram por ela. Nem a suprema honra de sermos democratas se pode deixar transformar no opróbrio de nos misturarmos com videirinhos oportunistas.

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