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A direita e os valores
i online por João Cardoso Rosas, Publicado em 03 de Setembro de 2009
A direita tem especial predilecção pelo tema dos "valores". Ou seja, a direita gosta de se apresentar como defensora oficial daquilo a que chama "os valores", dando assim a entender, de uma forma mais ou menos explícita, que a esquerda não defende ou é mesmo inimiga dos valores mais genuínos. Creio que este discurso é puramente retórico e carece de seriedade intelectual. Pense-se, por exemplo, no tema do suicídio assistido e no "valor da vida". A direita é geralmente contra a legalização do suicídio assistido em nome de uma absolutização do valor da vida. A esquerda, por seu turno, favorece a sua legalização em nome de um equilíbrio entre o valor da vida, o valor da autonomia individual e a obrigação moral de minorar o sofrimento evitável. Não é intelectualmente sério dizer ou sugerir que, neste e noutros temas de bioética, uns são a favor dos valores e os outros são contra os valores. Se excluirmos aquelas perspectivas irrazoáveis ou fundamentalistas que tanto a direita como a esquerda concordam em condenar (ou seja, as ideologias que pregam a violência), aquilo que encontramos numa sociedade democrática como a nossa não é a luta entre os que defendem os valores e aqueles que são contra. Pelo contrário, o que geralmente encontramos é uma oposição entre valores diferentes, mas com igual direito de cidadania.Um outro exemplo, especialmente relevante nesta pré-campanha eleitoral, é o dos chamados "valores da família". Mais uma vez, a direita tende a reivindicar para si mesma a defesa dos "valores da família" e a atribuir à esquerda o ataque contra esses valores. Isso é desonesto e equivale ao uso do mesmo dispositivo retórico acima exemplificado a propósito do "valor da vida". Aquilo que opõe a esquerda à direita não é a visão maniqueísta segundo a qual uns estão contra a família e os outros a favor. Aquilo que divide os dois campos políticos são diferentes concepções sobre os valores da família. Assim, a direita defende o ideal do modelo nuclear reprodutivo, com agregados familiares compostos por pai, mãe e filhos menores (por sinal, ao contrário do que a direita costuma dizer, esta é uma visão bastante moderna e não tradicional da família). A esquerda, por seu turno, parte do mesmo modelo, mas é mais realista e procura interpretar, ainda que com algum conservadorismo, a diversidade de estruturas familiares existentes no mainstream da sociedade. Curiosamente, de acordo com os valores de família da direita, os seus principais líderes não têm família, uma vez que Manuela Ferreira Leite é divorciada e Paulo Portas é solteiro. Pelo contrário, de acordo com os valores da família defendidos pela esquerda, as estruturas familiares de Ferreira Leite e Paulo Portas correspondem a opções individuais perfeitamente aceitáveis. Elas merecem todo o respeito e consideração da sociedade e do Estado, inclusive em termos jurídicos.