terça-feira, 1 de setembro de 2009

Finalmente faz-se luz
(JN) 1.9.09
A luz, finalmente a luz. Para os que não tinham ainda vislumbrado grandes diferenças entre o PS de José Sócrates e o PSD de Manuela Ferreira (incluo-me no rol ), este fim-de-semana foi elucidativo. Fez-se luz. As diferenças existem. E são importantes, desde logo porque tocam nos valores, essa coisa esquecida mas decisiva no andamento de qualquer sociedade. Verdade que um e outro tinham já dado sinais de se encontrarem em diferentes escalas valorativas. Sucede que eram ainda ténues as distinções. Para felicidade de todos, passaram a ser mais evidentes. Sê-lo-ão ainda mais no decorrer da campanha eleitoral, disso não tenhamos dúvidas.
Confesso que quando, há uns tempos, a líder do PSD disse em público que o casamento tinha a procriação como primeiro objectivo, levei isso à conta de alguma ingenuidade política e de algum excesso de zelo. Enganei-me, novamente. Manuela Ferreira Leite estava a falar, pela primeira vez, do conservadorismo que comanda a sua maneira de ver e de viver a vida. Esta frase, proferida no domingo pela líder social- -democrata, diz tudo: diluiram-se "pilares da sociedade como a família e o casamento, para impor a vontade da lei, onde deveria prevalecer a vontade individual. Houve uma erosão dos valores cívicos e éticos, conduzindo ao pessimismo e à suspeição". Culpa de quem? Do Governo, claro.
Pode pensar-se que, posicionando-se intransigentemente ao lado da família e do casamento, Ferreira Leite tenta encostar Paulo Portas à parede, roubando-lhe espaço de manobra numa área tradicionalmente de Direita. Ou que Sócrates deseja piscar o olho ao eleitorado mais jovem e citadino (aquele que sustenta o Bloco de Esquerda), quando quer resolver problemas como a união de facto, o divórcio, a despenalização das drogas ou mesmo a morte medicamente assistida. Essas são as contas de mercearia. Acima delas está a "mundivisão" (para usar a expressão de Sócrates) perfilhada pelos dois principais partidos portugueses. E essa é, pela primeira vez em muitos anos, nitidamente díspare. O que é excelente.
Creio que Sócrates parte à frente neste debate. Não porque a razão lhe assista sem controvérsia, mas apenas porque as circunstâncias o ajudam. Os portugueses não são hoje diferentes de outros povos que, para citar Lipovetski, decidiram escolher "novos valores que visam permitir o livre desenvolvimento da personalidade íntima, legitimar a fruição, modular as instituições de acordo com as aspirações dos indivíduos". Quer dizer: buscando o mínimo de austeridade e o máximo de desejo, não abandonámos a importância da família ou do casamento. Mas já não os vemos com a lente conservadora que pode obrigar a tomar decisões que minam a liberdade individual.
A discussão é boa. Aguardemos que continue.

1 comentário:

M. Araújo disse...

"...Os portugueses não são hoje diferentes de outros povos que, para citar Lipovetski, decidiram escolher "novos valores que visam permitir o livre desenvolvimento da personalidade íntima, legitimar a fruição, modular as instituições de acordo com as aspirações dos indivíduos"..."

Aqui é que a porca torce o rabo. Quando se diz "os portugueses" não se referem quantos: 2, ou 3 milhões, quantiddade de dois terços exigida na aprovação de uma lei deste calibre ou apenas umas dezenas de milhrar?
Seja como for não se deve tomar a parte pelo todo pois nesta santa terrinha ainda vivem muitas almas sem culpa de terem nascido num tempo em que os avanços não iam tão longe. E se a par desta discussão pertinente,houvesse também espaço para se legislar sobre aquilo que nos torna infelizes que sem sombra de dúvida são o direito à saúde, à educação e ao trabalho?
Este é o desejo maior da minha comunidade que apesar de sergrande também tem direitos.