segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Informação aos bochechos
(JN) 16.11.09

"Espionagem política!", clamaram Vieira da Silva e Augusto Santos Silva, respectivamente braço esquerdo e braço armado de José Sócrates. Os também ministros das pastas da Economia e da Defesa perderam a pose de Estado e as estribeiras e deram o seu contributo para o pântano em que se transformou a "Face Oculta". Mas só depois do próprio primeiro-ministro ter reclamado que se estava a passar das marcas. Se calhar estava, mas quem? A Polícia Judiciária? O juiz de instrução criminal? A Comunicação Social? E, já agora, retomando a tese apocalíptica dos seus ministros, espionagem a mando de quem? De algum partido da oposição? De alguma potência estrangeira?
Em poucas semanas, o processo "Face Oculta" deixou de ser uma investigação exemplar de um caso de corrupção ao mais alto nível para se centrar em especulações sobre o conteúdo de conversas telefónicas entre José Sócrates e Armando Vara. Que aparentemente nada têm que ver com os negócios de Estado do sucateiro de Ovar. Em menos de um fósforo, uma investigação que só tinha recebido elogios, pelo secretismo e eficácia, transformou-se no habitual pântano jurídico e político. Quase dá vontade de perguntar se o que se pretende é destruir o primeiro-ministro ou se a intenção será fazer implodir o "Face Oculta".
Teorias conspirativas à parte, surgiu como sempre a discussão sobre a fuga ao segredo de justiça. Sempre com a tentação de apontar o dedo à Comunicação Social. Como se noticiar factos de interesse público evidente fosse criticável. Ao contrário do que tem sido dito e escrito o problema não está na publicação de informações sujeitas a segredo de justiça. O problema está no uso perverso que os polícias, os magistrados e os juízes fazem do segredo de justiça. São estes, não os jornalistas, quem tem de ser responsabilizado.
Não há que ficar escandalizado com a divulgação do despacho que deu origem às buscas da operação "Face Oculta". Deixemo-nos de hipocrisias, com ou sem despacho os arguidos seriam sempre olhados como culpados. A diferença é que, se o despacho não fosse conhecido, a informação surgiria "aos bochechos", de forma indirecta, muitas vezes deturpada, às vezes propositadamente. Assim as coisas são claras desde o princípio: Armando Vara foi apanhado a pedir e a receber 10 mil euros de um sucateiro. É crime? As próximas fases do processo o dirão.
Também não há que ficar escandalizado por se tornar público que, no âmbito da investigação a Armando Vara, se fizeram escutas a telefonemas em que intervém José Sócrates. Escandaloso, isso sim, é que os agentes da justiça não sejam capazes de guardar segredo sobre o seu conteúdo.
Outro problema que este processo ressuscita é o da crónica incapacidade das instituições judiciais de comunicar as suas decisões. O esclarecimento público nunca se faz e o argumento é sempre o mesmo: cumprir a sagrada regra do segredo de justiça. Os actores principais, como foi notório neste caso, com Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento, preferem fazer declarações "aos bochechos", quando se deixam apanhar numa esquina pelos jornalistas.
Só quando o segredo de justiça lhes rebenta nas mãos mandam às malvas os argumentos anteriores. Lendo os comunicados do Supremo Tribunal de Justiça e da Procuradoria-Geral da República, ficam as perguntas: por que não promoveram esclarecimentos públicos mais cedo? Que segredo de justiça violaram que não pudessem ter violado mais cedo? Porquê deixar que o processo "Face Oculta" se transformasse num acontecimento público sórdido e caótico?

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