quinta-feira, 26 de novembro de 2009

SOUSA E CASTRO
"Capitão de Abril,capitão de Novembro"
LUSA 25.11.09
O livro "Capitão de Abril, capitão de Novembro", que hoje será lançado em Lisboa, constitui um "retrato de autor" de um dos momentos mais conturbados da História portuguesa recente, escreve Marcelo Rebelo de Sousa no prefácio.
Com a partilha de "recordações singelas, cruas e espontâneas", escreve o professor universitário, Rodrigo Sousa e Castro - membro do Conselho da revolução no pós 25 de Abril de 1974 - desvenda "muito do que se passou pelo espírito de alguns dos capitães do que foi o Movimento das Forças Armadas (MFA)".
"É um elucidativo testemunho de vida. De quem continuo a ver, como via há 35 anos: sonhador, ingénuo, simpático, lutador, desprendido, coração ao pé da boca, amigo dos seus amigos, independente de partidos e tentando compreendê-los e entender o seu papel", escreve Marcelo Rebelo de Sousa, que hoje fará a apresentação do livro.
Ao longo de 423 páginas, o coronel Sousa e Castro relata os episódios que rodearam a revolução de 1974 e o 25 de Novembro do ano seguinte, descrevendo o movimento dos capitães como um grupo pouco "homogéneo e politizado" - "poucos estavam disponíveis, ou preparados, para discutir questões políticas, sobretudo quando se passou à discussão do que fazer em relação à guerra do Ultramar", confidencia.
Apologista confesso do "comedimento na acção", Sousa e Castro descreve alguns episódio que há mais de três décadas lhe deixaram marca pessoal.
"Um dos aspectos mais impressivos da minha vivência do pós-25 de Abril consistiu no facto de a partir de certa altura passar a bater-me à porta um indivíduo do Comité Central do Partido Comunista (...) comecei a aperceber-me que o que acontecia comigo acontecia com muita gente (...) Mais tarde venho a reconhecer que o recrutamento de oficiais (...) para a esfera do PC é feito pós 25-de Abril nestas circunstâncias, um pouco ao estilo das testemunhas de Jeová", descreve.
Sousa e Castro não poupa também alguns dos protagonistas com quem se cruzou, como António de Spínola, o primeiro Presidente da República pós-revolução, que qualifica como uma personalidade "muito volúvel e dependente", "inepto e desadequado", que com a sua acção "condicionou o processo democrático português" e a forma como foi conduzida a autodeterminação dos territórios ultramarinos.
De Vasco Gonçalves, de quem diz ter tido uma "péssima impressão", ficou a recordação de "um ´velho´ coronel, com uma linguagem radical, estereotipada, redutora, sem centelha de inteligência" - "Tinha uma verborreia avassaladora e demagógica, repetindo clichés marxistas em relação aos quais eu estava enjoado", escreve.
Jaime Neves, um dos principais protagonistas do 25 de Novembro, é descrito como alguém "cuja volúvel personalidade, pouca argúcia e mediana inteligência, características aliadas a postura social de marialvismo barato, o tornavam pouco dado a compromissos permanentes".
A política marca também presença na obra do antigo membro do Conselho da Revolução, que lamenta a circunstância de "uma certa ordem capitalista" ter sido desmantelada sem que tenha sido substituída por "qualquer projecto político", e inclui o então PPD nas responsabilidades.
"A posição do PPD, o único partido com projecção para defender o lastro de direita no processo democrático, claudica clamorosamente e colabora conscientemente na esquerdização do processo, isto apesar de liderado por Sá Carneiro, um político arguto, inteligente e maduro, mas a quem nesse momento faltou um rasgo de coragem para ser coerente, coragem que só aparentemente recupera mais tarde, porque já respaldado com a oposição do PS e de Mário Soares ao MFA de Otelo e Vasco Gonçalves", escreve.
Mais um livro a não perder, agora que quase todos os protagonistas militares, e não só, têm vindo a "pôr a render" a memória, dando uma nova dinâmica à historiografia do nosso passado recente. Até porque de Abril e, já agora, de Novembro, pouco mais nos resta, no presente, do que a memória distante. Como a saudade, pode ser que um dia próximo se faça futuro. Só nos faltava mesmo esta: estarmos reduzidos à esperança (P.B).

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