quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Sátira ao poder local serviu para falar dos 100 anos da República
"Que botas pisam a República?"
(Público) 25.11.09 André Jegundo
Insurgindo-se contra as tentativas de "denegrir" o legado da I República (1910-1926), o historiador e professor catedrático da Universidade de Coimbra Amadeu Carvalho Homem defendeu ontem que o centenário que se comemora em 2010 não pode ser esquecido e deve servir para recuperar a "cidadania como um valor republicano fundamental".
"Quem não gosta da República costuma citar Eça de Queiroz, dizendo que se tratou somente de uma balbúrdia sanguinolenta. Não situam a I República no seu contexto e esquecem-se que, mal ou bem, foi o ponto de partida de um movimento que nos colocou aqui hoje através do 25 de Abril de 74. Não é o melhor dos mundos mas foi aí que começaram a surgir certas garantias que hoje temos como incontestáveis", afirmou Amadeu Carvalho Homem, num debate realizado em Coimbra e intitulado "Que botas pisam a República?".
Reconhecendo que muitas das críticas que são feitas ao período histórico da I República "são verdadeiras" - como a perseguição do operariado ou o direito de voto reservado apenas a homens -, Amadeu Carvalho Homem defendeu, no entanto, que a história deste período é "descontextualizada". O historiador critica também a apatia que rodeia as comemorações do centenário da República: "É singular que vivamos num tempo em que os poderes instalados olhem para os 100 anos da República e para o centenário com a atitude do "ai que chatice, lá tem que ser!"", declarou. Ainda assim defende que foi nesse período, no início do século XX, que foi feito um "primeiro esforço" na generalização do direito de voto com a introdução do "sufrágio universal masculino". "Na monarquia constitucional não havia sufrágio universal. Havia apenas um sufrágio limitado, reservado aos poderosos e às pessoas mais ricas", declarou.
O debate aconteceu no âmbito da apresentação do livro Com as Botas do Meu Pai, uma sátira ao poder autárquico local da autoria do jornalista Casimiro Simões. Na apresentação da obra, o jornalista revelou que a publicação causou algum incómodo, tendo a tipografia sugerido ao autor que imprimisse o livro noutro sítio. "Não deixa de ser uma dupla sátira: a que está no livro e a reacção que o livro suscitou. Como se esta obra pudesse dissolver a sociedade", ironizou Carvalho Homem.

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