segunda-feira, 16 de junho de 2008

Isabel Pires de Lima: mais cedo ou mais tarde a Cinemateca estará no Porto

Infelizmente não foi enquanto Isabel Pires de Lima esteve no Governo. Aliás, mais uma vez infelizmente, o Porto e o Norte beneficiazam zero, antes pelo contrário, com o seu preenchimento da "quota governamental" do Norte. Uma governação falhada, aparentemente, em boas intenções. Uma governação que é uma oportunidade única na vida das pessoas. E quando nos sentimos aviltados no que entendemos ser nossa competência ou que contende feramente com as nossas concepções, há um método que se usa em política quando se a faz numa perspectiva republicana e desinteressada: demissão; um acto de dignificação política.

(PÚBLICO) LOCAL-PORTO 16.06.2008, Inês Nadais e Carla Marques
Enquanto ministra da Cultura, não teve condições de garantir a presença da Cinemateca no Porto?

Procurei desenvolver políticas de descentralização que conduzissem a essa possibilidade, designadamente preparando a recuperação da Casa das Artes. Chegou a estar orçamentado no PIDDAC da Direcção-Geral das Artes (DGA) um montante à roda de 200 mil euros para essa recuperação, que aliás não é muito cara. É um passo fundamental, na medida em que aí temos um espaço com condições para acolher um pólo de programação da Cinemateca. Há quem defenda um pólo com funções mais latas, mas não creio que faça sentido, num país com a dimensão do nosso, criar duas cinematecas - nem me parece que o património cinematográfico e audiovisual do país justifique a existência de dois pólos arquivísticos.

O Porto não tem tradição suficiente para merecer uma cinemateca própria - uma tradição ligada às origens do cinema, com Aurélio da Paz dos Reis, ao movimento cineclubista das décadas de 60 e 70, e, hoje, à obra de Manoel de Oliveira?

Eu sei que há uma grande tradição no Porto, mas também sei que tem havido dificuldades no Porto em manter alguma actividade nessa área - veja-se a Casa Manoel de Oliveira, que está num impasse há anos, e vejam-se também as dificuldades por que passam as salas vocacionadas para o cinema mais alternativo. O que me parece prioritário é garantir um circuito de divulgação dos filmes anteriores a 1990, porque de momento é praticamente impossível ver, no Porto, o cinema que não esteja no circuito comercial. Não sei o suficiente do assunto para dizer que é excessivo haver duas cinematecas em Portugal. Uma cinemateca é uma estrutura pesada, que exige arquivos com condições muito especiais, de manutenção cara.

O seu projecto para a Casa das Artes não foi para a frente por autismo do director da Cinemateca, João Bénard da Costa?

Por um lado, nunca houve por parte da direcção da Cinemateca vontade de avançar com uma proposta mais concreta para o Porto - aliás, são públicas as posições do director da Cinemateca relativamente ao assunto. Por outro lado, também não houve, por parte da DGA, capacidade para executar com alguma celeridade a requalificação da Casa das Artes. O projecto arquitectónico existe, mas o ministério orçamentou meios financeiros que acabaram por não ser utilizados nessa obra.

Com a Casa das Artes requalificada, crê que a Cinemateca estará disponível para programar no Porto?

Acredito que um dia a estará disponível.

Quando Bénard da Costa já não estiver lá?

Provavelmente terá de passar por isso, a não ser que haja uma vontade política tão forte e tão impositiva que contorne a má-vontade do actual director. Mas acho que mais cedo ou mais tarde haverá um pólo da Cinemateca no Porto. Fiquei absolutamente impressionada com os números que o Circuito Cinema [o movimento que lançou a petição on-line] apresentou - a disparidade entre as exibições de cinema anterior a 90 no Porto e em Lisboa é escandalosa.

Ao mesmo tempo que circula na Internet esta petição, assistimos no Porto ao encerramento das salas mais emblemáticas e ao desaparecimento do espaço para o cinema alternativo. Não é contraditório?

Se o mercado entende que não é lucrativo um espaço para o cinema dito alternativo, só há uma forma de contornar a questão: garantir a existência dessa oferta como serviço público.

O Porto é a única cidade com direito a uma programação regular da Cinemateca ou essa descentralização devia ser mais plural?

Devia ser mais plural, aliás como certamente acontecerá em países onde há políticas fortes de descentralização cultural. Eu sei que há limitações à passagem a digital de certos filmes de película, mas também sei que hoje há meios técnicos que possibilitam uma mais ampla e mais frequente divulgação. Se calhar, em vez de termos duas salas a funcionar com três e quatro sessões por dia em Lisboa, era preferível que se criassem ciclos no Porto e, não vejo por que não, noutras cidades. Portugal tem uma rede de cineteatros - que não é boa, é excelente - onde se podem exibir os filmes. Comemora-se este ano o centenário do maior cineasta português.

Como vê a situação da Casa Manoel de Oliveira, que continua de portas fechadas?

É grave. A CMP teria tido obrigação de, pelo menos este ano, tentar resolver o problema. Era a forma mais correcta, e porventura até menos onerosa, de se associar às comemorações do centenário do Manoel de Oliveira. É premente que a CMP encontre uma solução, com um bocadinho de imaginação, algum esforço financeiro e também uma ideia de sustentabilidade para um espaço como aquele. Claro, tudo isto implica uma concepção de serviço público, que a CMP tem muito pouco. "Uma cinemateca exige arquivos com condições muito especiais, de manutenção cara"

Bénard da Costa admite que o Porto tem direito a uma Cinemateca, mas considera que deve ser o Estado a criá-la...

Mas a instituição que ele dirige é uma instituição do Estado. O director da Cinemateca entende que o Estado deve criar no Porto uma outra instituição, porventura independente da Cinemateca Portuguesa.

Bénard da Costa não estaria a falar do dinheiro necessário para a programação no Porto?Dinheiro é coisa que não falta à Cinemateca.

Durante dois ou três anos consecutivos, assisti a passagens de saldos positivos de um orçamento para o outro. Isto é: a Cinemateca revelou incapacidade para gastar o dinheiro que tinha orçamentado. A Cinemateca estagnou por causa de Bénard da Costa? Eu acho que a Cinemateca estagnou, e acho que há uma grande responsabilidade da parte do actual director. Basta ver a perda de recursos humanos na Cinemateca nos últimos anos.

Não tinha essa opinião quando assinou o despacho que concedeu uma licença especial a João Bénard da Costa para se manter em funções, apesar de ter ultrapassado o limite de idade?

Tinha. Mas não era eu quem tinha de conceder essa licença.Era o primeiro-ministro. Exactamente, é uma nomeação obrigatoriamente feita pelo primeiro-ministro, e ele não podia deixar de ter a última palavra.Foi contra a sua vontade que João Bénard da Costa se manteve em funções? A avaliação que eu faço, e que eu fiz, da direcção do João Bénard da Costa nunca foi entusiástica, mas não fui eu quem teve essa última palavra. E é tudo quanto tenho a dizer sobre o assunto. O prazo para subscrever o "Abaixo-assinado a favor da abertura de pólo da Cinemateca Portuguesa na cidade do Porto" terminou ontem. Às 20h15, a petição totalizava 4361 assinaturas na Internet. O Circuito Cinema promete divulgar em breve o número total de subscritores.

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