quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Crescimento lento e forte endividamento depois da crise
Passada a crise, regressam os défices-recorde e a divergência

04.11.2009 - 07h33 (Público) Sérgio Aníbal
Nem a evolução do PIB acima do previsto, nem a subida de desemprego mais moderada do que o esperado fizeram a Comissão Europeia acreditar nas contas do Governo português para as finanças públicas, apontando agora para uma subida do défice e da dívida pública que coloca estes indicadores a níveis históricos.
Mesmo perante uma evolução muito negativa das receitas fiscais, o Governo tem insistido na sua previsão de défice público de 5,9 por cento do PIB para 2009. Mas a verdade é que, ontem, nas suas previsões de Outono para a economia europeia, a Comissão mostrou pouca confiança nos cálculos e colocou a estimativa para o défice público deste ano em oito por cento, ou seja mais 2,1 por cento do PIB (ou cerca de 3500 milhões de euros) do que aquilo que o Governo prevê.
Esta é, entre todos os países da União Europeia, a diferença mais acentuada entre o que um Governo prevê para o défice (nos últimos relatórios entregues ao Eurostat) e aquilo que a Comissão Europeia antecipa.
Reagindo à previsões de Bruxelas, Teixeira dos Santos reconheceu ontem pela primeira vez que poderá ter de vir a corrigir o seu cálculo para o défice, mas salientou que ainda quer esperar pelos dados da execução orçamental de Outubro. Ainda assim, o ministro das Finanças foi já justificando uma provável escalada do desequlíbrio orçamental, afirmando que estamos perante "uma crise histórica e portanto não é de admirar que o valor do défice registado nos variados países europeus, incluindo em Portugal, seja também um valor histórico".
O relatório da Comissão traz duas boas notícias para Portugal. A queda da economia este ano vai ser mais pequena do que o esperado - contracção de 2,9 por cento, contra os quatro por cento da média da zona euro - e o regresso de taxas de crescimento positivas no próximo ano (0,3 por cento) vai permitir limitar a subida da taxa de desemprego aos nove por cento (embora a Comissão alerte que tal acontece com a ajuda da diminuição da população activa).
O problema é que, a acompanhar estas boas notícias, vem também a notícia negativa que mais se temia: as maiores fragilidades da economia portuguesa estão longe de estar resolvidas e, em alguns casos, acabaram por ficar bastante mais agravadas.
O cenário traçado é tudo menos optimista.
O crescimento de 0,3 por cento em 2010 e de um por cento em 2011 é dos mais lentos da zona euro e coloca a economia portuguesa de novo a divergir da média europeia.
O défice externo da economia portuguesa mantém-se acima dos 10 por cento, com os sinais de perda de competitividade externa a agravar-se.
E nas finanças públicas, depois de, em 2007 e 2008, os défices terem registado valores mínimos, os recordes negativos voltam a ser batidos. O défice de oito por cento previsto para 2009 e 2010 será, caso se confirme, o maior desde 1985 e a Comissão prevê, num cenário de políticas inalteradas, que suba ainda para 8,7 por cento em 2011.
A dívida pública acelera para valores nunca vistos durante a democracia, passando de 66,3 para 77,4 por cento este ano e atingindo os 91,1 por cento em 2011. O rácio da dívida pública portuguesa volta a estar acima da média da zona euro, algo que não acontecia desde 1992.
Além disso, apesar do maior problema estar na descida das receitas fiscais, a verdade é que a despesa do Estado ultrapassa pela primeira vez a marca dos 50 por cento do PIB.
Assim, a margem de manobra orçamental deste Governo e dos próximos reduz-se. Os portugueses - e, em particular os funcionários públicos - podem provavelmente contar com mais anos de contenção, que se reflectem em aumentos salariais mais moderados, investimento público limitado e hipóteses de redução de impostos muito reduzidas.

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