Força Joana!
A "Joana da Papoila" que ganhou a Câmara da Trofa
(Público) 3.11.09É difícil encontrar quem não a trate por tu. Joana Lima vem do povo e não teme essa proximidade. O PÚBLICO foi com ela ao futebol. É difícil encontrar quem não a trate por tu. Joana Lima vem do povo e não teme essa proximidade.
O encontro foi marcado para o café da irmã, numa das ruas principais do centro urbano da Trofa, atafulhada de trânsito e de lojas comerciais onde a maioria das montras exibe a última moda de Inverno, descasada da temperatura que ainda afasta clientes.
No Salão de Chá Ponto Xic, Joana Lima, a recém-eleita presidente da Câmara da Trofa, alcandorada a "heroína" por José Sócrates por ter sido a única mulher que ganhou uma câmara para o PS nas últimas autárquicas, olha com nervosismo para o relógio. Faltam apenas alguns minutos para o Trofense entrar em campo para defrontar o Fátima, num jogo a contar para a Taça da Liga. E este é "um compromisso a que não podia faltar". A afeição pelo Trofense vem desde os seus tempos de jovem. Aos 13 anos, à revelia do pai - que sempre achou que o futebol não era para mulheres - , Joana escapulia-se e ia torcer pelo seu clube de coração. É certo que divide o fervor clubístico com o FC Porto. É sócia dos dois clubes. "Mas se o Trofense jogar com o Porto, sou trofense sem dúvidas nenhumas", esclarece, prontamente.
Nesta improvável tarde de futebol - uma quarta-feira, apenas dois dias antes de tomar posse -, entra no recinto do clube, ao volante do seu carro, um utilitário que a partir desta semana terá de trocar pelo carro oficial.
"Então Joana, o presidente já cá está! Tens lugar no camarote." É difícil encontrar quem não a trate por tu, com a familiaridade de quem com ela se cruza desde sempre pelas ruas do concelho. "Não vou dizer a ninguém para me deixar tratar por Joana, o tempo fará com que as pessoas distingam", acredita.
No PS local há quem tenha já recomendado "contenção". Mais "reserva". Leram as últimas entrevistas, viram-na nas televisões e alertaram-na para os riscos da exposição mediática, agora que vai ocupar um cargo sujeito a um apertado escrutínio da população que a elegeu, pondo termo a 11 anos de maioria social-democrata que governou a Trofa, desde a elevação a concelho, em 1998. E Joana, 45 anos, mãe de dois rapazes, dá nas vistas.
"Eu volto!"
"Não procuro as câmaras, mas também não fujo delas", reage, em jeito de desafio. Evoca, a propósito, a sua candidatura à câmara de há quatro anos, de que saiu derrotada. Como líder da concelhia local do PS, conduziu o processo de escolha de candidatos e ficou sozinha. Após uma semana de contactos, ninguém se mostrou disponível para ser o rosto da lista socialista ("foi, na política, a minha pior, semana") e ela chegou de mãos vazias à reunião decisiva. "Anunciei que seria eu a candidata." Houve quem se opusesse, porque achavam "que não tinha estatuto, nem experiência, que parecia mal porque era a "Joana do café" e que não dignificava o partido". "Então vamos a votos!", propôs, depois de fazer saber "o orgulho" que tinha na sua actividade profissional e lembrar, ao mesmo tempo, que "não devia nada a ninguém porque honrava os seus compromissos". Saiu derrotada do combate autárquico, integrou a lista de deputados pelo círculo do Porto e acabou por chegar à Assembleia da República na leva da maioria absoluta do PS que fez ascender ao Parlamento dezenas de suplentes nas listas. Joana Lima ocupava o 27.º lugar na lista e foi substituir, na última legislatura, Guilherme de Oliveira Martins, mas nunca abandonou o lugar de vereadora, na oposição, para que fora eleita na Câmara da Trofa. "O presidente da câmara mudou as reuniões de sexta-feira para as quartas. Eu estava em Lisboa, mas vinha cá e voltava para Lisboa. No dia da derrota eu tinha dito ao povo: "Contem comigo que eu volto!""
Feminismo e pão-de-ló
Agrade ou não a alguns sectores do PS - ou até mesmo a alguma burguesia endinheirada da Trofa -, a nova presidente da câmara continua a ser conhecida pela "Joana do café". É "popular" e tem prazer nisso. Revive os tempos em que geriu durante 20 anos um café da cidade, que a tornou famosa, com um misto de entusiasmo e nostalgia. "Na Páscoa e no Natal trabalhava dia e noite a fazer pão-de-ló, bolos de chocolate... Ia lá toda a gente." O café da Joana ficou para a posteridade, mesmo depois de ter mudado de gerência. Foi aí que um antigo professor do ensino secundário e autarca a recrutou para as fileiras do PS, em 1989.
Desde então, foi construindo a sua carreira política, integrando as listas do PS para a freguesia de São Martinho do Bougado (uma das oito freguesias do concelho) e de órgãos partidários - na concelhia local, na direcção política do PS-Porto e na comissão política nacional do partido. Entretanto, foi estudar à noite, concluiu o 12.º ano e licenciou-se em Relações Internacionais pela Universidade Lusíada. "Percebi que nunca chegaria a lado nenhum, se não tirasse um curso."
Há um lema que parece guiá-la. "Não sou oportunista, mas agarro as oportunidades." Tem ideias muito próprias. Reconhece que foram as quotas (consagradas nos estatutos do PS bem antes da lei da paridade) que lhe facilitaram o acesso a cargos no partido, mas entende agora que já não faz sentido haver um departamento de mulheres no PS. "Já foi importante, hoje não faz sentido. Ou será que teremos também de criar um departamento de homens?" E distancia-se de "feminismos".
A razão de entrar na política pelo lado do PS fá-la recuar aos tempos revolucionários de 1976, quando, um dia, Mário Soares, foi visitar a Trofa. "Ainda me lembro que levava uma saia vermelha e uma camisola branca, de gola alta." Os pais gostavam de Soares e só se "desiludiram um pouco quando foi aquela coisa de ele meter o socialismo na gaveta".
Neste casal com 13 filhos, alguns enjeitaram a herança política: um dos irmãos milita no PCP e outro no PSD. A mãe, eleita como referência, "recitava poesia, fazia discursos". "Hoje seria uma política", adivinha Joana Lima. O pai, que era operário e um homem conservador à medida desses tempos, deu-lhe, curiosamente a entrada no mundo masculino, onde ela se move à vontade. "Aos sábados, ele juntava os amigos lá em casa para umas tainas. Eu e a minha irmã mais nova éramos as únicas que podiam entrar na sala onde eles conviviam", lembra. Mas regressa sempre às mulheres. Além de na mãe, é no carácter das suas avós que se inspira. "A Maria do Albino chegou onde queria. Tem um filho regedor e outro na procuradoria, dizia-se na Trofa no tempo da sua bisavó. "Tenho essa costela", assume.
terça-feira, 3 de novembro de 2009
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário