segunda-feira, 2 de junho de 2008

João Salgueiro: "Temos tido uma estratégia económica coxa"

Não faz mal a ninguém ler o que o João Salgueiro diz...
02.06.2008 - 08h46 Por Cristina Ferreira, Paulo Ferreira (Público)
Para Salgueiro, "estratégia é definir o que queremos e o que precisamos de fazer para o conseguir, de forma calendarizada". O líder da Associação Portuguesa de Bancos diz que já não é capaz de discutir se os impostos devem subir ou baixar. A preocupação deste antigo ministro das Finanças é que as empresas portuguesas estão a trabalhar em condições muito desfavoráveis, porque a fixação no défice deixou esquecida a estratégia de competitividade da economia.
PÚBLICO - Ficou surpreendido com a revisão em baixa da previsão do PIB?
JOÃO SALGUEIRO - Já era esperado há meses.
Mas tardou?
Poderia ter sido feita mais cedo. O Governo jogou pelo seguro, pelo que se conhece neste momento.
Prevê uma nova revisão até final do ano?
Ninguém sabe.
Como explica a redução do IVA?Há quem diga que a medida não foi pacífica dentro do Governo.Concorda com ela?
Já tenho dito que não sou capaz de discutir se os impostos devem subir ou baixar. Uma medida desta natureza tem de estar ao serviço de uma estratégia. Podemos conseguir o mesmo com mais ou menos impostos. Mas temos tido uma estratégia coxa, pois fixámos como única prioridade a consolidação orçamental. Não percebo como é que um país como o nosso consegue viver tantos anos sem equacionar uma estratégia de competitividade. Não é menos importante que a consolidação das Finanças Públicas. Mas parece que só podemos andar num pé: primeiro consolidamos, depois tratamos da competitividade. Não faz sentido. Ambas as metas teriam de ser prosseguidas ao mesmo tempo. Sem competitividade não há consolidação sustentada, como se verá. A estratégia de consolidação é aceitável, porque tem tido progressos, embora devesse estar mais centrada na parte da despesa. E o PRACE está atrasado face à reestruturação indispensável da administração pública.
Há a ideia de que pouco se fez?
Quando estive no Governo fez-se muito sem grandes anúncios. A prioridade maior era a revisão constitucional para avançar nas negociações com a CEE. Mas foi possível extinguir direcções-gerais, concentrar ministérios. É preciso decidir quais as funções que o Estado deve preservar e qual é a organização da administração pública desejável. O que se tem feito são, em regra, retoques.
O choque tecnológico, as novas oportunidades vão nesse sentido?
São intenções. O que é para mim ter uma estratégia? É definir o que queremos e precisamos de fazer para o conseguir, calendarizando e responsabilizando. Por exemplo, para atrair investimento nacional e estrangeiro. Não existe um quadro definido.
Qual é o papel da competitividade fiscal?
Se para grandes projectos é indispensável oferecer isenções fiscais, abrir excepções em relação à burocracia, então como é que as pequenas empresas podem sobreviver numa selva onde não se fez nenhum ajustamento.
O resto da economia também deveria beneficiar?
Podem não ser rigorosamente estas, mas deve haver uma estratégia. Estão a fechar milhares de empresas. A ASAE tem sido profícua a atacar pequenas empresas, mas há comércio clandestino espanhol, nos bens alimentares, que entra em Portugal e não paga IVA. De madrugada entra peixe em Portugal. Mas a ASAE deve ter um horário diferente... Os nossos produtores estão a trabalhar em condições muito desfavoráveis. Será que o ajustamento pode ser parte da cura?Preferia aumentar a fasquia da produção da riqueza. Os portugueses têm estado a ser chamados para fazer sacrifícios, mas era preciso explicar que temos o direito a mais ambição, não há nenhuma razão para não vivermos como os outros europeus. Mas para o conseguir temos de nos organizar para produzir ao nível europeu.
O nível de exigência em Portugal é baixo?
O Estado não dá o exemplo de cumprimento quando atrasa os pagamentos. Os recibos verdes, os contratos provisórios. O Governo é tolerante em matérias que depois não tolera aos privados. Hipervalorizou-se o fumo do primeiro-ministro e do presidente da ASAE, mas não é relevante. Actos tomados noutros domínios são relevantes. O Governo diz que não há falta de segurança nas escolas, porque os casos registados são menos de 60. Mas bastava um. O que propõe? Não tenho de ter uma estratégia, mas sei que o país a tem de ter. Se me pedirem sugestões, dou-as. Temos de ter uma fiscalidade mais competitiva, com impostos mais baixos. Devíamos fazer o que a senhora Thatcher fez: como não tinha administração fiscal para controlar os impostos em centenas de milhares de empresas, decidiu que as PME pagariam metade dos impostos aplicados às grandes empresas. Aos que alegam não ser possível ter duas fiscalidades, digo para criarem dois escalões. Um baixo, para todas as PME, enquanto as outras pagam pelo escalão normal. E adoptava uma legislação laboral que fosse realista e encorajasse a criação de emprego. Temos mais de 30 por cento de contratos temporários. O mercado adapta-se mal à realidade, pois tem rigidez de um lado e excessiva precariedade do outro. Não podemos oferecer às novas gerações contratos precários para a eternidade. E a legislação que temos favorece isso, pois a alternativa é não haver emprego.

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