(PÚBLICO) 08.06.2008, Patrícia Carvalho
O Porto deve ou não ter um pólo da Cinemateca? Os promotores do abaixo-assinado que o exige e Jorge Campos debateram a questão.
O grupo tem qualquer coisa de Gato Fedorento em início de carreira. Mas sem as piadas. Conferenciam muito, nenhum quer assumir-se como líder, não gostam de aparecer (a saga que foi para os fotografar) e, de repente, puseram meio mundo a falar deles. Os oito estudantes universitários que exigem um pólo da Cinemateca no Porto, e lançaram um abaixo-assinado dizendo isso mesmo, aceitaram conversar com o professor e realizador Jorge Campos. Tinham juntado as cabeças para preparar algumas perguntas, mas foi ele quem partiu ao ataque. E o que Jorge Campos queria saber é o que entendiam os oito por "pólo da Cinemateca". A semântica seria uma das questões mais abordadas ao longo da conversa de quase hora e meia, mas este foi o ponto que mais demorou a ser esclarecido. Ao professor não caía bem a ideia de pólo, por carregar a impressão que implicaria a transferência para o Porto de algumas das competências da Cinemateca, na área de arquivo e conservação. "Querem um pólo ou programação da Cinemateca?", quis saber Jorge Campos. "Um pólo", disse Guilherme Blanc, que, sem assumir a liderança (cruz credo, nem lhe falem nisso), acabou por ser o mais falador de todos. "Mas por que não programação?", insistiu Campos. Ora, era de programação que os jovens falavam, mas de programação exibida num espaço que fosse da Cinemateca, gerido pela Cinemateca e em que os funcionários do organismo público assumissem a responsabilidade do transporte e conservação dos filmes que viessem ao Porto. Guilherme explicou tudo direitinho: "A Cinemateca é quem tem melhor conhecimento para exibir e zelar pelas películas. E não nos podemos esquecer do âmbito nacional da instituição - se tem esse âmbito, há que lhe fazer juz. Se é uma entidade tão bem conseguida, com actividade tão bem desenvolvida, vamos aproveitar essa experiência". Se é programação regular que Guilherme, Lídia, Carlos, Nuno, Ricardo, Filipe, David e Pedro querem, a causa está à partida ganha junto de Jorge Campos. Ao longo da conversa, não se cansou de classificar a reivindicação dos estudantes como "justíssima", reconhecendo que "têm toda a razão" e que, de facto, "nem pedem nada de mais". Mas lá o pólo é que não o convencia por aí além. "É muito dispendioso", explicava. Só que os oito não desarmam. E, cada vez mais entusiasmados, quase todos se foram juntando à conversa. Mas foi de novo Guilherme quem respondeu a esta: "A opção de gerir um espaço destes passaria pelos privados ou pelo Estado. Com os privados não é viável, se não for a Cinemateca, que já tem o know-how, vamos desperdiçar recursos." David deu uma ajuda: "O que queremos é que não seja a Cinemateca a ceder películas a terceiros, para fins de exibição no Porto, mas que a gestão seja dela. "Jorge Campos confessaria, no fim, que achou os oito "ainda muito verdes", mas houve alturas em que o deixaram calado. Voltando à semântica. Por mais que uma vez, os estudantes referiram-se ao cinema anterior à década de 90 como "clássico". O termo fazia saltar o professor. "Não devem dizer isso. O cinema clássico é um período curto, de vinte anos. Quando se dirigem ao público é indispensável que haja rigor na terminologia. "Eles lá reconheciam que tiveram dificuldade em acordar o melhor termo, e optaram por clássico pela qualidade "polissémica" da palavra, na sua conotação de qualidade. Guilherme incentiva o professor: "Diga, Jorge, diga, qual seria a alternativa. "Ele arrisca: "Cinema de autor." Não pode ser!, criticam os oito (é claro que já tinham passado longas horas a conferenciar sobre isto). Porque há cinema de autor posterior a 2000. Porque há cinema que, não sendo de autor, faz parte de uma memória que tem que ser revista (David ainda há poucas semanas foi à Cinemateca ver um filme da Mae West). Porque há autores que fazem filmes de indústria, defende o Nuno. E porque essa coisa de filme de autor é uma questão europeia, conclui Guilherme. Jorge Campos fica desarmado, ainda começa a sugerir uma alternativa, mas pára a meio, para concluir apenas: "É complexo". O melhor mesmo seria ficarem-se por "filmes anteriores a 1990" e não se fala mais nisso. E é então que o Ricardo, que estivera calado, escondendo um vozeirão que se faz ouvir bem longe, entra na conversa: "O que interessa é o grito em bruto. A falta que nós sentimos desse cinema no Porto. "Nesse ponto, a concordância de todos não podia ser maior. "Ver cinema e, com frequência, um determinado tipo de cinema, é uma questão de cidadania. Um bem essencial. Sinto que ao sermos privados de algo que está contemplado nos estatutos da própria Cinemateca pode ser considerado como muito lesivo", diz Jorge Campos. E, já agora, como é que os oito encaram esta questão do cinema?, quer saber. "É uma arte que nos está muito próxima. É necessário conhecer o passado para criar", diz Guilherme. Lídia acrescentaria, pouco depois: "Ver cinema é uma questão cultural que serve a todos. "Meio a brincar, Guilherme ainda diz: "Somos oito jovens inconscientes e apaixonados por cinema. "E, já agora, há um assunto que "ficara a moer" a cabeça de Guilherme. Quando falara dos custos, Jorge Campos aflorara um argumento já usado pelo director da Cinemateca, João Bénard da Costa, de que alguns filmes vinham para Portugal com a cláusula de serem exibidos apenas uma vez, e com custos elevadíssimos. Os oito concordam que isto não faz sentido. "A ausência é tão grande que ninguém aqui está preocupado com os filmes que vêm de propósito. Nós queremos as coisas que lá [em Lisboa] são vulgares", diz. O professor concorda: "A Cinemateca tem arquivo mais que suficiente para fazer programação para um ano inteiro."No fim, trocaram-se e-mails e Jorge Campos convidou-os para verem o próximo ciclo, que organiza, Imagens do Real Imaginado (cujos filmes, por desconhecimento, eles não incluiram na lista de películas anteriores a 1990 exibidas no Porto, que acompanha a petição). E o professor vai assinar a petição dos estudantes? "Claro", garante. Cumpriu, já assinou. O grupo, que se define como "novo [em oposição a velhos movimentos que lutaram pelo mesmo sem sucesso] e aberto à participação de todos", quer aceder a um serviço a que acredita ter direito. E, defende, o resto do público portuense também. Guilherme conclui: "As assimetrias existentes são a prova que a cultura não pode ser um privilégio de alguns (...)
O Porto deve ou não ter um pólo da Cinemateca? Os promotores do abaixo-assinado que o exige e Jorge Campos debateram a questão.
O grupo tem qualquer coisa de Gato Fedorento em início de carreira. Mas sem as piadas. Conferenciam muito, nenhum quer assumir-se como líder, não gostam de aparecer (a saga que foi para os fotografar) e, de repente, puseram meio mundo a falar deles. Os oito estudantes universitários que exigem um pólo da Cinemateca no Porto, e lançaram um abaixo-assinado dizendo isso mesmo, aceitaram conversar com o professor e realizador Jorge Campos. Tinham juntado as cabeças para preparar algumas perguntas, mas foi ele quem partiu ao ataque. E o que Jorge Campos queria saber é o que entendiam os oito por "pólo da Cinemateca". A semântica seria uma das questões mais abordadas ao longo da conversa de quase hora e meia, mas este foi o ponto que mais demorou a ser esclarecido. Ao professor não caía bem a ideia de pólo, por carregar a impressão que implicaria a transferência para o Porto de algumas das competências da Cinemateca, na área de arquivo e conservação. "Querem um pólo ou programação da Cinemateca?", quis saber Jorge Campos. "Um pólo", disse Guilherme Blanc, que, sem assumir a liderança (cruz credo, nem lhe falem nisso), acabou por ser o mais falador de todos. "Mas por que não programação?", insistiu Campos. Ora, era de programação que os jovens falavam, mas de programação exibida num espaço que fosse da Cinemateca, gerido pela Cinemateca e em que os funcionários do organismo público assumissem a responsabilidade do transporte e conservação dos filmes que viessem ao Porto. Guilherme explicou tudo direitinho: "A Cinemateca é quem tem melhor conhecimento para exibir e zelar pelas películas. E não nos podemos esquecer do âmbito nacional da instituição - se tem esse âmbito, há que lhe fazer juz. Se é uma entidade tão bem conseguida, com actividade tão bem desenvolvida, vamos aproveitar essa experiência". Se é programação regular que Guilherme, Lídia, Carlos, Nuno, Ricardo, Filipe, David e Pedro querem, a causa está à partida ganha junto de Jorge Campos. Ao longo da conversa, não se cansou de classificar a reivindicação dos estudantes como "justíssima", reconhecendo que "têm toda a razão" e que, de facto, "nem pedem nada de mais". Mas lá o pólo é que não o convencia por aí além. "É muito dispendioso", explicava. Só que os oito não desarmam. E, cada vez mais entusiasmados, quase todos se foram juntando à conversa. Mas foi de novo Guilherme quem respondeu a esta: "A opção de gerir um espaço destes passaria pelos privados ou pelo Estado. Com os privados não é viável, se não for a Cinemateca, que já tem o know-how, vamos desperdiçar recursos." David deu uma ajuda: "O que queremos é que não seja a Cinemateca a ceder películas a terceiros, para fins de exibição no Porto, mas que a gestão seja dela. "Jorge Campos confessaria, no fim, que achou os oito "ainda muito verdes", mas houve alturas em que o deixaram calado. Voltando à semântica. Por mais que uma vez, os estudantes referiram-se ao cinema anterior à década de 90 como "clássico". O termo fazia saltar o professor. "Não devem dizer isso. O cinema clássico é um período curto, de vinte anos. Quando se dirigem ao público é indispensável que haja rigor na terminologia. "Eles lá reconheciam que tiveram dificuldade em acordar o melhor termo, e optaram por clássico pela qualidade "polissémica" da palavra, na sua conotação de qualidade. Guilherme incentiva o professor: "Diga, Jorge, diga, qual seria a alternativa. "Ele arrisca: "Cinema de autor." Não pode ser!, criticam os oito (é claro que já tinham passado longas horas a conferenciar sobre isto). Porque há cinema de autor posterior a 2000. Porque há cinema que, não sendo de autor, faz parte de uma memória que tem que ser revista (David ainda há poucas semanas foi à Cinemateca ver um filme da Mae West). Porque há autores que fazem filmes de indústria, defende o Nuno. E porque essa coisa de filme de autor é uma questão europeia, conclui Guilherme. Jorge Campos fica desarmado, ainda começa a sugerir uma alternativa, mas pára a meio, para concluir apenas: "É complexo". O melhor mesmo seria ficarem-se por "filmes anteriores a 1990" e não se fala mais nisso. E é então que o Ricardo, que estivera calado, escondendo um vozeirão que se faz ouvir bem longe, entra na conversa: "O que interessa é o grito em bruto. A falta que nós sentimos desse cinema no Porto. "Nesse ponto, a concordância de todos não podia ser maior. "Ver cinema e, com frequência, um determinado tipo de cinema, é uma questão de cidadania. Um bem essencial. Sinto que ao sermos privados de algo que está contemplado nos estatutos da própria Cinemateca pode ser considerado como muito lesivo", diz Jorge Campos. E, já agora, como é que os oito encaram esta questão do cinema?, quer saber. "É uma arte que nos está muito próxima. É necessário conhecer o passado para criar", diz Guilherme. Lídia acrescentaria, pouco depois: "Ver cinema é uma questão cultural que serve a todos. "Meio a brincar, Guilherme ainda diz: "Somos oito jovens inconscientes e apaixonados por cinema. "E, já agora, há um assunto que "ficara a moer" a cabeça de Guilherme. Quando falara dos custos, Jorge Campos aflorara um argumento já usado pelo director da Cinemateca, João Bénard da Costa, de que alguns filmes vinham para Portugal com a cláusula de serem exibidos apenas uma vez, e com custos elevadíssimos. Os oito concordam que isto não faz sentido. "A ausência é tão grande que ninguém aqui está preocupado com os filmes que vêm de propósito. Nós queremos as coisas que lá [em Lisboa] são vulgares", diz. O professor concorda: "A Cinemateca tem arquivo mais que suficiente para fazer programação para um ano inteiro."No fim, trocaram-se e-mails e Jorge Campos convidou-os para verem o próximo ciclo, que organiza, Imagens do Real Imaginado (cujos filmes, por desconhecimento, eles não incluiram na lista de películas anteriores a 1990 exibidas no Porto, que acompanha a petição). E o professor vai assinar a petição dos estudantes? "Claro", garante. Cumpriu, já assinou. O grupo, que se define como "novo [em oposição a velhos movimentos que lutaram pelo mesmo sem sucesso] e aberto à participação de todos", quer aceder a um serviço a que acredita ter direito. E, defende, o resto do público portuense também. Guilherme conclui: "As assimetrias existentes são a prova que a cultura não pode ser um privilégio de alguns (...)
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