(DN) 23.08.09
Um artigo... na hora!
É uma maneira elegante de sugerir, sem ser alarmista, a crise do sistema ou a crise do modelo económico. É como empregar a palavra suave abrandamento (que tanto ouvimos, nos últimos tempos), para fugir à horrível recessão ou admitir a expressão, crise económica. Mas quem se pretende enganar com tais eufemismos?
É uma maneira elegante de sugerir, sem ser alarmista, a crise do sistema ou a crise do modelo económico. É como empregar a palavra suave abrandamento (que tanto ouvimos, nos últimos tempos), para fugir à horrível recessão ou admitir a expressão, crise económica. Mas quem se pretende enganar com tais eufemismos?
No final da última semana, na iminência das falências de bancos e companhias de seguros na América (como Lehman Brothers e American International Group, a AIG, para só citar os exemplos mais recentes), com repercussões nos países da União Europeia, da Suíça, do Japão e da China, o Presidente Bush foi obrigado a fazer uma intervenção dramática, prometendo que a Reserva Federal Americana e o Tesouro iriam entrar com os biliões necessários para resolver o problema. Não foi preciso mais nada.
As bolsas - até então em desespero - reagiram com grande optimismo e, por toda a parte, houve subidas importantes no preço das acções em bolsa. Contudo, está ainda tudo em aberto, com o intervalo do fim-de-semana. O Congresso terá de se pronunciar. Veremos o que se passará nesta semana
George Soros, numa entrevista dada ao Le Monde, no sábado passado, culpa os integristas do mercado (isto é, o sistema neoliberal, a ideologia "do laisser faire e da auto-regulação dos mercados"), responsáveis, pelas imensas perdas dos bancos, das seguradoras e das bolhas do imobiliário (sub-prime), que estão a conduzir à implosão do sistema. E então? Perante a catástrofe iminente, aqueles mesmos que reclamavam, há poucos meses, menos Estado, mais privatizações, recorrem agora ao Estado, com total desfaçatez, isto é: ao dinheiro dos contribuintes. Privatizam-se os lucros e socializam-se os prejuízos - essa parece ser agora a regra - sem se importarem com os prejuízos dos accionistas e as consequências que daí vão resultar no aumento em flecha do desemprego e na quebra intolerável do nível de vida das pessoas menos favorecidas. Como de costume, são os inocentes que mais sofrem. Porque os administradores e os gestores dos bancos e demais empresas - os responsáveis - saem a sorrir, com grandes indemnizações e chorudas reformas, com total impunidade.
A crise, iniciada nos Estados Unidos, no segundo mandato de Bush - como muitos previram e avisaram - está a repercutir-se na Europa, na Rússia, mesmo na China. Trata-se de uma crise talvez pior do que a de 1929. Como disse Soros: "Na China, a crise económica pode degenerar em crise política. Paradoxalmente, a crise do capitalismo americano pode dar cabo, sem o desejar, do comunismo chinês", avisa ainda Soros...
De qualquer forma, o sistema neoliberal entrou em ruptura. É preciso repensar o capitalismo, passando da fase especulativo-financeira dos paraísos fiscais, de uma "economia de casino", para um capitalismo ético, vincadamente social e respeitador do ambiente.
É possível uma tal mudança? É. Mais: é inevitável.
Mas, como escreveu o economista Joseph Stiglitz, prémio Nobel: "É preciso que os dirigentes políticos do Ocidente tenham a coragem de virar decisivamente à Esquerda" (El Pais, 7 de Setembro de 2008).
Ora a Esquerda americana sempre contou pouco, salvo com o New Deal de Roosevelt, e a nova fronteira de Kennedy, que durou pouco tempo. Mas o partido democrático sempre conseguiu estabelecer uma diferença com o partido republicano, ultraconservador, excepto talvez com Eisenhower, que teve a coragem de denunciar o perigoso "complexo industrial-militar", que renasceu em força com Bush. Barack Obama, sem ser ideologicamente de Esquerda, marca uma diferença clara com o ultraconservadorismo, político-religioso, de McCain e da sua companheira de lista, Sarah Palin, populista e antielites, que em pouco mais de duas semanas subiu ao estrelato máximo e começou a sua descida aos infernos, mostrando a sua impreparação política e as suas fragilidades.
Pelo contrário, a Esquerda europeia, que nos anos 70 e 80, dava cartas na Europa, com líderes da qualidade e coragem de Willy Brandt, Mitterrand, Schmidt, Callagham, Olof Palme, Kreisky, Felipe González, Nenni e Craxi, após o colapso do comunismo, começou a perder terreno e a deixar-se "colonizar" pelo pensamento neoliberal de Blair e Schroeder e da chamada "terceira via" (hoje desacreditada).
Daí, as perguntas que surgem: como se chegou à situação de fraqueza - e paralisia - em que a Esquerda se encontra na Europa de hoje? Como repensar o pensamento de Esquerda para poder fazer frente à crise múltipla com que estamos confrontados?
Se tivermos em conta a evolução - e o desnorte - dos partidos de Esquerda, nos grandes países europeus - o SPD, na Alemanha, o New Labour, no Reino Unido, os socialistas, em França, a "nova democracia", na Itália, para só citar os maiores - constatamos facilmente o declínio dos partidos que se reclamam da social-democracia, do trabalhismo, do socialismo democrático e da própria Internacional Socialista, cuja voz, hoje, quase deixou de se ouvir.
É verdade que há outra Esquerda residual: o que resta dos partidos comunistas, os alteromundialistas, que animam movimentos meramente protestatários, mas que tardam em encontrar o seu caminho para chegar ao poder. Sem esquecer o papel extremamente importante das Federações e Confederações Sindicais, que têm incontestável força e das associações de defesa dos Direitos Humanos, dos ecologistas e outras que têm a sua força, no plano social, mas com pouco peso na disputa do poder, em termos eleitorais...
É preciso, pois, repensar a Esquerda reformista, na perspectiva de fazer face, com êxito, à crise e de encontrar outro modelo económico, social e político (no sentido do aprofundamento democrático e de uma maior participação cívica dos cidadãos) para dar um novo élan à Europa (paralisada), responder à angústia e ao pessimismo dos cidadãos, quanto ao futuro, reforçando a justiça social.
Voltar aos valores éticos - que foram sempre bandeira da Esquerda -, ao civismo (contra o enfraquecimento dos Estados), contra as sociedades de mercado e dos negócios pouco transparentes, lutar contra a corrupção e o tráfico de influências. Voltar à militância em favor da paz e das negociações para resolver os conflitos, lutar contra a precariedade do trabalho, contra as desigualdades, a injusta distribuição dos rendimentos, pela inclusão social, contra a degradação do ambiente e pela ordenação do território. É preciso repensar as políticas de Esquerda, apelando sobretudo, à participação dos cidadãos. E velar para que as mulheres e os homens de Esquerda, que cheguem ao poder nos Estados ou nos partidos, sejam pessoas impolutas, que saibam distinguir os negócios privados do serviço público.Foi essa honradez republicana que permitiu que a nossa I República, apesar de só ter durado dezasseis anos, deixasse um legado de moralidade que resistiu, como um exemplo a seguir, a quase meio século de ditadura. Foram os lobbies dos interesses, a imoralidade dos dirigentes dos bancos e das empresas, as grandes negociatas, envolvendo políticos, e o tráfico de influências, numa palavra, a promiscuidade entre a política e os negócios, que desacreditou a política e nos conduziu à crise em que nos encontramos.
Não nos deixemos iludir: o sistema está podre e é preciso mudá-lo. Essa é a grande tarefa da Esquerda europeia, com autonomia ideológica em relação à América, uma vez repensadas as políticas e os comportamentos, para que os cidadãos se mobilizem.
1 comentário:
Caro prof,
Para se informar correctamente aconselho a visitar o-antonio-maria.blogspot.com. Esqueça o centralista e incoerente Soares.
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