segunda-feira, 19 de maio de 2008

Calaram-se




Mário Crespo, Jornalista, Opinião (JN) 19.05.2008


Cavaco Silva e Sócrates tinham o dever de ter reagido com vigor à baixeza dos insultos que Angola dirigiu a Mário Soares. Ao deixar passar em claro um acto de tal hostilidade, presidente da República e primeiro-ministro não cumpriram com o respeito pelos valores nacionais a que constitucionalmente se comprometeram. O "Jornal de Angola" é porta--voz do MPLA. Ao insultar um antigo presidente de Portugal, o MPLA não está a fazer nenhuma réplica ao que Bob Geldof disse sobre o Governo de Angola. Está deliberadamente a tentar ofender Portugal, insultando alguém que os portugueses escolheram para ser chefe de Estado em dois mandatos consecutivos e que foi um dos pais fundadores da democracia em que vivemos. Achei excessivo e tendencioso aquilo que Geldof disse sobre o Governo de Angola. Foi uma declaração feita só para ser provocadora e bombástica. De facto, não tem substância nenhuma. Na ignorância de conjunturas e contextos muito complexos sobre os quais Geldof obviamente não reflectiu o suficiente, caiu naquilo a que o desconhecimento invariavelmente leva a construção de sínteses muito primárias e injustas. Mas por infeliz e pouco adequada que tenha sido a observação, foi dita em fórum privado por uma estrela cadente do rock. Foi um clamoroso desaire de relações públicas para a empresa que organizou a conferência e devia ter-se ficado por aí. Pelo contrário, o órgão de propaganda do MPLA, reflectindo a política governamental, aproveitou ripostando com injúria institucional e intencional, com ofensas dirigidas à mais respeitável das nossas figuras públicas.

Não tenho mandato para terçar armas pelo dr. Mário Soares. Mas Cavaco Silva e José Sócrates têm essa obrigação por aquilo que Soares representou e representa nesta nação. José Luís Zapatero e Juan Carlos não toleraram que o desbragado presidente da Venezuela insultasse um primeiro-ministro deposto e os dois, chefe de Estado e de Governo, reagiram de imediato silenciando (literalmente) o impropério ofensivo. Em Portugal aconteceu o contrário. Dos dois órgãos de soberania, a seguir à brutalidade da ofensa contra um antigo chefe de Estado, veio o silêncio cúmplice e atemorizado. Enquanto Espanha manda calar um agressor incoerente, o Portugal de Cavaco e Sócrates aceitou o desrespeito num mutismo embaraçado que não marcou os limites a partir dos quais a afronta aos valores do Estado Português não é tolerada. O dr. Soares representa esses valores. Claro que há mecanismos para manifestar o desagrado com firmeza e sem grande alarde. O Embaixador de Angola deveria ter sido chamado em audiência devidamente publicitada, mas com agenda reservada, para mostrar que a dignidade dos órgãos de soberania em Portugal não toleram o comportamento abusivo vindo de fontes oficiais de outros estados, por muito petróleo que tenham. Isso não foi feito e Portugal tem agora uma brecha aberta na sua respeitabilidade. Confiemos que com o insulto continue a entrar o petróleo barato e os contratos para as construtoras. Resignemo-nos à desonra se é que queremos o nível do gasóleo acima da reserva, foi a mensagem que os ensurdecedores silêncios de Belém e de São Bento nos trouxeram.

Há uma excepção importante. Manuel Alegre, que uns milhões de portugueses acharam (e acham) que deveria ser o chefe de Estado em Portugal, foi a única entidade com dimensão nacional a insurgir-se contra as ofensas do Governo de Angola a Mário Soares. Foram ataques despropositados e injustos feitos em termos inaceitáveis, disse o vice-presidente da Assembleia da República, um dos portugueses que de Nambuangongo a Lisboa mais combateram pela independência de Angola. Confiemos que mais este contributo seja pedagogicamente entendido por quem governa em Luanda.

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