Pedro Baptista
O Porto, que teve um papel preponderante na constituição, prosperidade e expansão do reino, nunca teve Corte nem nada semelhante e, como demonstrou António Salgado Júnior, foi obrigado a ater-se ao epíteto de capital do trabalho no sentido restritivo do das artes e ofícios mecânicos.
Só à medida que cresceu em importância política e consciência cultural, lhe foram atribuídas algumas instituições culturais. Mas sempre tardiamente. A modernização pombalina apenas instituiu no Porto a Aula de Náutica (1761) e a de Desenho e Debuxo (1779); foi preciso virar o Século para chegar a Academia Real de Marinha e Comércio (1803) e esperar o Vintismo para nascer a Régia Escola de Cirurgia; só com a resistência liberal se criou a Biblioteca Pública e o Museu Portuense (1833) tal como só com a sua vitória o Porto teve o primeiro Liceu Nacional (1836) e a Academia Portuense de Belas Artes (1836, com base na antiga Aula de Desenho), a Escola Médico-Cirúrgica (1836) e, da reforma da Academia de Marinha e Comércio, veio a Academia Politécnica (1837). Só em 1852 foi criada a Escola Industrial e o Instituto Industrial e Comercial.
Pouco depois, em 1859, em Lisboa criava-se o Curso Superior de Letras mas nem a criação da Universidade Portuguesa em 1911, permitiu ao Porto ter uma Faculdade de Letras, como Lisboa ou Coimbra. Era-lhe sempre colado o epíteto de capital do trabalho braçal, quando não de terra de mercadores de bacalhau tendo assim, a própria Universidade do Porto nascida amputada de qualquer vertente de índole cultural. E no entanto, era no Porto que, por iniciativa civil e cívica, nascia o primeiro grande movimento cultural republicano “A Renascença Portuguesa” e a revista “A Águia”
Foi preciso um ministro tripeiro no Governo, Leonardo Coimbra, em 1919, unindo os dotes filosóficos e literários com os tribunícios e políticos, para criar no Porto, sem um suporte financeiro consolidado, a primeira Faculdade de Letras, no sótão da Academia Politécnica, transferindo-se em seguida para Oliveira Monteiro e depois para a Rua do Breiner. De pouca dura, contudo. No seguimento da derrota da Revolução portuense de 3 de Fevereiro de 1927, a Ditadura extinguiu a Faculdade de Letras.
Só 30 anos depois, em 1961, o Porto voltou a ter uma Faculdade de Letras e foi preciso esperar o 25 de Abril de 1974, e mais uns anos, para a Universidade do Porto poder dispor de uma Faculdade de Direito, no mesmo processo, visante da regionalização gorada, que por todos o país criou diversas novas universidades e politécnicos.
Verificam-se pois duas invariáveis que são duas faces de uma mesma moeda: uma, que visou reduzir o Porto a uma capital do trabalho corporal e mecânico; outra, a relutância em criar instituições que fixassem no território portuense a juventude e as formassem nos campos das ciências sociais e humanísticas e das ciências jurídicas e políticas.
As consequências são conhecidas pela deficiente fixação no Porto de elites culturais… limitadas praticamente aos escritórios de advogados e aos professores dos liceus… e ao fenómeno concomitante do individualismo literário compensado pela tradição da tertúlia politizante de café…
Invariáveis cuja presença negativa se continua hoje a sentir, embora a Universidade do Porto seja a maior do país. Mas o orgulho natural que os jovens portuenses ostentam na Universidade e na excelência de grande parte dos seus ramais, não pode ocultar as suas carências em diversas valências, como as acima apontadas, e a falta de competitividade e criatividade, resultante da existência de apenas uma Universidade pública, embora o Porto possa usar com vantagem o facto de ser vértice do ângulo que abrange Braga e Aveiro.
Há uma terceira invariável que é a do poder central olhar sempre para o Porto tardiamente, ou seja muito depois de se deleitar com o seu próprio umbigo. Mas não adianta lamentarmo-nos em abstracto. É preciso iniciativa reivindicativa com o surgimento de projectos que dêem ao Porto competitividade nas áreas humanísticas, das ciências sociais, do direito e das politologias, onde continua atrasada, o que se repercute como outrora na difícil fixação de elites liderantes da política regional, da sua relação com o país e da sua relação com o poder central.
Finalmente um paradoxo. Quando não havia instituições do Estado de estudos humanísticos, o Porto-cidade centro do Porto-região tinha uma agitada vida cultural, incidente em temas literários, filosóficos e sociais, resultante da iniciativa das suas instituições associativas civis, ou de iniciativas particulares comerciais. Nos anos 60, em que dois jornais portuenses detinham um suplemento literário, e em determinado período mesmo os três matutinos, o Ateneu, os Fenianos, o Cine-Clube ou a Associação de Jornalistas e Homens de Letras eram prenhes em iniciativas culturais de tipo coloquial. E lembramo-nos de ser já a chegar aos anos 70 que, pela primeira vez, no Porto se discutiu publicamente o “estruturalismo”, no Cine-Clube, numa série de colóquios com os saudosos Eduardo Prado Coelho e Jofre do Amaral Nogueira, quando o vocábulo ainda soava arrevesado para a maioria dos professores das “Letras”. O paradoxo está em que havia mais vida cultural na cidade (neste “strictu sensu”) quando não tínhamos nada, do que agora quando, não tendo quase tudo, temos bastante mais do que quase nada. Algo está mal no que temos. No que temos mas, afinal, poucos sabemos que temos.
Não poderemos queixar-nos justamente e, ainda melhor, reivindicarmos e exigirmos, sem resolvermos este paradoxo. Provavelmente, também aqui, o problema será só um: serão também duas faces da mesma moeda.
O Porto, que teve um papel preponderante na constituição, prosperidade e expansão do reino, nunca teve Corte nem nada semelhante e, como demonstrou António Salgado Júnior, foi obrigado a ater-se ao epíteto de capital do trabalho no sentido restritivo do das artes e ofícios mecânicos.
Só à medida que cresceu em importância política e consciência cultural, lhe foram atribuídas algumas instituições culturais. Mas sempre tardiamente. A modernização pombalina apenas instituiu no Porto a Aula de Náutica (1761) e a de Desenho e Debuxo (1779); foi preciso virar o Século para chegar a Academia Real de Marinha e Comércio (1803) e esperar o Vintismo para nascer a Régia Escola de Cirurgia; só com a resistência liberal se criou a Biblioteca Pública e o Museu Portuense (1833) tal como só com a sua vitória o Porto teve o primeiro Liceu Nacional (1836) e a Academia Portuense de Belas Artes (1836, com base na antiga Aula de Desenho), a Escola Médico-Cirúrgica (1836) e, da reforma da Academia de Marinha e Comércio, veio a Academia Politécnica (1837). Só em 1852 foi criada a Escola Industrial e o Instituto Industrial e Comercial.
Pouco depois, em 1859, em Lisboa criava-se o Curso Superior de Letras mas nem a criação da Universidade Portuguesa em 1911, permitiu ao Porto ter uma Faculdade de Letras, como Lisboa ou Coimbra. Era-lhe sempre colado o epíteto de capital do trabalho braçal, quando não de terra de mercadores de bacalhau tendo assim, a própria Universidade do Porto nascida amputada de qualquer vertente de índole cultural. E no entanto, era no Porto que, por iniciativa civil e cívica, nascia o primeiro grande movimento cultural republicano “A Renascença Portuguesa” e a revista “A Águia”
Foi preciso um ministro tripeiro no Governo, Leonardo Coimbra, em 1919, unindo os dotes filosóficos e literários com os tribunícios e políticos, para criar no Porto, sem um suporte financeiro consolidado, a primeira Faculdade de Letras, no sótão da Academia Politécnica, transferindo-se em seguida para Oliveira Monteiro e depois para a Rua do Breiner. De pouca dura, contudo. No seguimento da derrota da Revolução portuense de 3 de Fevereiro de 1927, a Ditadura extinguiu a Faculdade de Letras.
Só 30 anos depois, em 1961, o Porto voltou a ter uma Faculdade de Letras e foi preciso esperar o 25 de Abril de 1974, e mais uns anos, para a Universidade do Porto poder dispor de uma Faculdade de Direito, no mesmo processo, visante da regionalização gorada, que por todos o país criou diversas novas universidades e politécnicos.
Verificam-se pois duas invariáveis que são duas faces de uma mesma moeda: uma, que visou reduzir o Porto a uma capital do trabalho corporal e mecânico; outra, a relutância em criar instituições que fixassem no território portuense a juventude e as formassem nos campos das ciências sociais e humanísticas e das ciências jurídicas e políticas.
As consequências são conhecidas pela deficiente fixação no Porto de elites culturais… limitadas praticamente aos escritórios de advogados e aos professores dos liceus… e ao fenómeno concomitante do individualismo literário compensado pela tradição da tertúlia politizante de café…
Invariáveis cuja presença negativa se continua hoje a sentir, embora a Universidade do Porto seja a maior do país. Mas o orgulho natural que os jovens portuenses ostentam na Universidade e na excelência de grande parte dos seus ramais, não pode ocultar as suas carências em diversas valências, como as acima apontadas, e a falta de competitividade e criatividade, resultante da existência de apenas uma Universidade pública, embora o Porto possa usar com vantagem o facto de ser vértice do ângulo que abrange Braga e Aveiro.
Há uma terceira invariável que é a do poder central olhar sempre para o Porto tardiamente, ou seja muito depois de se deleitar com o seu próprio umbigo. Mas não adianta lamentarmo-nos em abstracto. É preciso iniciativa reivindicativa com o surgimento de projectos que dêem ao Porto competitividade nas áreas humanísticas, das ciências sociais, do direito e das politologias, onde continua atrasada, o que se repercute como outrora na difícil fixação de elites liderantes da política regional, da sua relação com o país e da sua relação com o poder central.
Finalmente um paradoxo. Quando não havia instituições do Estado de estudos humanísticos, o Porto-cidade centro do Porto-região tinha uma agitada vida cultural, incidente em temas literários, filosóficos e sociais, resultante da iniciativa das suas instituições associativas civis, ou de iniciativas particulares comerciais. Nos anos 60, em que dois jornais portuenses detinham um suplemento literário, e em determinado período mesmo os três matutinos, o Ateneu, os Fenianos, o Cine-Clube ou a Associação de Jornalistas e Homens de Letras eram prenhes em iniciativas culturais de tipo coloquial. E lembramo-nos de ser já a chegar aos anos 70 que, pela primeira vez, no Porto se discutiu publicamente o “estruturalismo”, no Cine-Clube, numa série de colóquios com os saudosos Eduardo Prado Coelho e Jofre do Amaral Nogueira, quando o vocábulo ainda soava arrevesado para a maioria dos professores das “Letras”. O paradoxo está em que havia mais vida cultural na cidade (neste “strictu sensu”) quando não tínhamos nada, do que agora quando, não tendo quase tudo, temos bastante mais do que quase nada. Algo está mal no que temos. No que temos mas, afinal, poucos sabemos que temos.
Não poderemos queixar-nos justamente e, ainda melhor, reivindicarmos e exigirmos, sem resolvermos este paradoxo. Provavelmente, também aqui, o problema será só um: serão também duas faces da mesma moeda.
1 comentário:
Grande artigo, Doutor Pedro Baptista, é disto que Norte e os militantes socialistas precisam.
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