sexta-feira, 17 de julho de 2009

O provincianismo
(GRANDE PORTO) 17 Julho 2009
Fernando Pessoa mostrou como uma das características do provincianismo português é considerar sempre os outros provincianos. Ele próprio, o provinciano, ao pretender não o ser, é-o mais do que todos, na medida em que para o não ser se renega - por exemplo na sua propalada pequenez ou mediocridade - reiterando a sua admiração pelos “grandes meios”, ou seja pelo que não é e pensa estar acima de si. É por isso que para o Poeta o “provincianismo consiste em pertencer a uma civilização sem tomar parte no desenvolvimento superior dela”. Um parisiense não admira Paris porque ninguém saudável pode admirar algo que faz parte de si, diz-nos Pessoa. E é assim que Pessoa considera Eça de Queirós como o exemplo mais flagrante do provincianismo português, pois foi o que mais se preocupou em não ser provinciano, ou seja, em ser civilizado, “(como todos os provincianos)”.
Uma outra característica do provincianismo nacional, em grande nos tempos hodiernos, que, todavia, fazemos decorrer da pessoana análise, é o conclame à demarcação ética ou estética com o futebol – essa horda de bárbaros, com o sindicalismo municipal – esse bando de parasitas, ou mesmo com as elites culturais – esses líquenes apostados em desequilibrarem as contas públicas. Os nossos demarcados reclamam-se de um espaço impromíscuo, uma ilha de virgindade numa sociedade corroída pela canalha e diluída pela permissividade. Uma espécie de português na Ilha dos Amores que em lugar de correr atrás das “lácteas tetas” que os deuses lhes ofertavam premiando a barbaria da sua intrepidez ao passar o Cabo, lhe desse para se entregar à oração, ou outra actividade estritamente intelectual (seja lá isso o que for) cônscio de que, separado da turba, a ascensão aos céus o recompensaria muito mais do que a chegada à Índia.
Vem a propósito de uma crónica intitulada “O Porto”, assinada pelo Sr. Leonel Moura, e publicada no passado dia 3, no Semanário Económico.
Da crónica do Sr. Moura, escrita, de resto, com elegância, levantando alguns problemas de reflexão útil para os portuenses, retirámos o raciocínio central , que, para além do mérito em si, auriluz no que representa da mentalidade que domina alguns círculo
s da Capital que fazem tudo por não serem provincianos, por serem civilizados, ou seja, serem pessoanisticamente provincianos.
O Porto em relação a Lisboa, em vez de ter uma intensa mas cordial (aliás civilizada) competitividade, como a de Lyon e Paris (!), Milão e Roma (!!), ou Barcelona e Madrid (!!!), que encadeariam benéficas sinergias comunitárias, tem pelo contrário um complexo de subalternidade que se não o leva sempre a roçar a inveja, o regionalismo e mesmo a xenofobia, leva-o ao complexo do Calimero, o boneco que passa a vida a queixar-se, transformando o território num prado de lamentações.
E O Dr. Rio que merece, ou pelo menos mereceu há uns anos atrás, a admiração pessoal do Sr. Leonel Moura, porque foi capaz de correr com todos os demónios acima indicados com excepção, claro, da Gaiola das Loucas, tornou-se recentemente uma desilusão para o nosso ilustre opinador da Capital, uma vez que, à moda dos Fernandos Gomes, dos Nunos Cardoso, ou, quiçá, mesmo dos Pintos da Costa, decidiu bater o pé ao assalto perpetrado pela Região de Lisboa e Vale do Tejo a todo o país, ou seja às regiões de convergência, no valor de mil e quinhentos milhões!
Não é que o elegantíssimo Dr. Rio, que até organiza corridas de carros antigos reinternacionalizando a cidade, exibe o seu Spitfire (ou será um MG?) descapotável, anos 60 (ou será 70?), costumava ter raciocínios tão lineares como dizer simplesmente que sim, sendo também por isso tão querido das boas gentes da Linha, não se tornou agora (talvez por o PS-Porto lhe deixar essas bandeiras eleitorais) num perigoso regionalista, um invejoso e um xenófobo? Pior, num queixinhas, um outro Calimero?
Então não será que qualquer pessoa civilizada e por isso medianamente inteligente, ao contrário dos provincianos que não são inteligentes (precisamente por não serem civilizados), não percebe, que embora a região de Lisboa estivesse proibida de receber um cêntimo destes fundos, tem todo o sentido (civilizado, claro) desviar o dinheiro que se destinava ao resto do país por causa do “efeito de difusão”! (O Sr. Moura desculpe-me mas não sei a expressão em inglês que V.Exa. sabe e eu sei que Dr. Rio também sabe, mas eu tirando-me o português, e mais umas linguazinhas menos admiradas, aliás menos civilizadas, sabe como é, o provincianismo…).
Ou seja o dinheiro que se destinava ao Porto e ao resto do país foi desviado para Lisboa porque, por via do “efeito difusor”, os seus efeitos (civilizadores?) alastrariam pelo país inteiro (contrariando o sentido oposto do centralismo português de há mais de três séculos que tem sido o da aspiração e não o da difusão).
O mais espantoso é até o linear Dr. Rui Rio ter percebido, com o intelecto animado pelos bioquímicos da inveja ou pelos da proximidade eleitoral, que em qualquer cidade ou região do país haveria exactamente ( ou mais) o mesmo efeito difusor, lançando assim por terra o esquema tão bem montado pela gente civilizada apostada (bem hajam) em promover ( quiçá salvar) o provincianismo português.
Em particular o do Porto!
Haverá um dia em que o Porto também se civilizará. Comerá e calará. Será roubado e feito otário. Sorrirá e flutuará como uma borboleta. Mas não será provinciano. Com o efeito difusor, eu próprio aprenderei inglês (de borla). Como já sei tocar piano e falar francês pode ser que até o Sr. Moura me aprecie. Como o gato maltês. Entre civilizados.
Pedro Baptista (Doutor em Filosofia, escritor e investigador)

14 comentários:

D.N. antigo colega disse...

Belo texto PB. O semanário "Grande Porto" pode ser alguma coisa. Porque não será um homem com a tua dimensão a fazer a viragem necessária para o Porto? Quem tem mais profundidade que tu? Quem comunica melhor que tu? Em quem podemos mais acreditar senão em ti que da política só tens levado sofrimento e abnegação? Quem ama mais o Porto do que tu?

M. Araújo disse...

Eu, um provinciano por condição e aspecto, remetido ao castigo, consequência desta minha mania de opinar em tudo, penso saber o que é o "Efeito Difusor" e, passo a explicar.
Dizem que é uma espécie de "amor canino", aquele que os cães têm às cadelas de cuja aplicação prática, gera ninhadas de cãezinhos que depois são difundidos (espalhados) pelo país fora.
É claro que os cãezinhos não chegam para todos mas, novos amores caninos surgem da Europa e repete-se o processo interminavelmente.
Falamos do efeito, e da causa?

Nota: Gostei desse puxar de galões por parte de quem os tem. Há gente que julga que foi feita de encomenda e sabe tudo de tudo menosprezando os verdadeiros sábios. Não há nada como provar as competências.

Miguel Castro disse...

"Haverá um dia em que o Porto também se civilizará. Comerá e calará. Será roubado e feito otário. Sorrirá e flutuará como uma borboleta. Mas não será provinciano."

Belo texto! Parabéns!

GAVIÃO DOS MARES disse...

Eu, um labrego genuíno (com certificado de origem e garantia de qualidade) fiquei embasbacado com os cognomes do autor:
"Doutor em filosofia, escritor e investigador"
Pooorra!!!
Lá na minha terreola (= terra de labregos) doutores são os médicos. Está-se sempre a aprender!

Pedro Baptista disse...

Pois fique, o meu caro Gavião dos Oceanos, sabendo, que os primeiros doutores da história, o latino "doctor", eram-no em filosofia. Nessa altura chamavam aos médicos, "físicos". A grande maioria dos médicos, os que não são doutorados, não são doutores mas apenas licenciados e médicos, caso tenham integrado e completado o estágio, tendo em qualquer destes casos o tratamento académico e profissional de Dr., assim abreviado.
Por outro lado, enquanto os licenciados, mestres ou doutorados em psicologia, biologia, sociologia ou politologia, se apodam com toda a facilidade de psicólogos, biólogos, sociólogos ou politólogos, os doutorados em filosofia, de uma maneira geral, não se gostam de assumir como filósofos a não ser que tenham publicada uma obra filosófica significativa, o que não é o nosso caso. Por isso, por pudor e humildade, quando os jornais pedem uma "qualidade" e não nos queremos assumir na qualidade política por causa do tema que tratamos, preferimos assumirmo-nos com o grau académico de "doutor em filosofia". Há órgãos que nos classificam de "filósofo" mas isso é lá com eles.
Não vejo em nada disto vaidade, petulância, nem falsa modéstia. As coisas são o que são sem complexos. Talvez, dentro de algum tempo, a nossa sociedade evolua para acabar com este tipo de "cognomes" como diz... Reconheço que será um avanço e estarei com isso. Mas quando o motivo principal for sermos quase todos quase doutores. Então seremos todos senhores. Que, evidentemente, à primeira vista, somos, sendo certo que doutores há muitos, senhores é que há poucos...
As minhas saudações marítimas!

josant disse...

O que motiva o gavião dos mares ou oceanos a utilizar a Pooorra!!! para consumo próprio é simplesmente,por ignorância, já que, por ciúme não é concerteza, pois que como labrego que diz ser,tem obrigação de saber que os labregos que se prezam, não têm esse "tipo de sentimento",pelo facto de o serem...naturalmente.

Mas, que são um tudinho nada mais...sabedores, lá isso são.
Para bom entendedor???.............

Anónimo disse...

O Doutor Pedro Baptista esté em grande forma.
Assim gostei.
Bofetada de luva branca.

GAVIÃO DOS MARES disse...

No meio de tanta sabedoria... perdi-me.
Uma verdadeira iinciclopédia este senhor doutor.
Eu escrevi:"lá na minha terreola doutores SÃO os médicos. Não estava lá no tempo de Aristófanes, Séneca ou Savonarola para poder escrever como era. Quando era criança e ia à catequese o senhor prior falava dos doutores da igreja, mas isso já foi há muiiito tempo. E um vizinho meu, entendido nestas coisa e que eu consultei para me por mais esperto até me disse, veja lá, que os americanos até chamavam aos doutores Philosopher Doctor. Coisa do Bush, concertesa. Ele (o meu vizinho, que é sábio) até propos que o Doutor Pedro Baptista deveria intitular-se: BEDE VENERABLE philosopher doctor.
E mais uma vez obrigado a vossa mercê pelos ensinamentos com que esclareceu esta ignara cabeça. Eu até me pergunto: "Como é que sabe tanta coisa?!!!"

O Galaico disse...

O Prof. Gavião dos Mares deve ter aprendido a escrever com o Capitão Haddock.

zangado disse...

Bom comentário de um dos poucos membros do PS Porto que se tem batido por alterar a situação existente. Conheço-o há muitos anos, talvez quando tinha 15 anos e andavamos no mesmo colégio, depois lembro-me da sua acção contra a Queima no início dos anos 70 e da sua acção como deputado na Assembléia da República. Depois tenho acompanhado, um pouco de longe, a sua acção em prol do Porto que, infelizmente, não é partilhada por muitos dos dirigentes e quadros do PS local.
O seu artigo traça um esboço da realidade que enfrentamos e, por isso, é de saudar. Todos não somos demais para defender esta cidade e região do centralismo e colonialismo da capital, alicerçado nos vários meios da comunicação social.
Cumprimentos

Pedro Baptista disse...

Um abraço amigo Zangado e obrigado pelas tuas palavras. Há muito para fazer, mas o único instrumento da vitória é o combate. Zanga-te sempre que sintas que tens razão mesmo que não te mostre zangado (porque o inimigo não precisa de saber). Até vencer. Nós temos razão. Havemos de vencer

António Maria disse...

Antes de mais, mudem-me p.f. o desenho deste blogue! Azul sobre vermelho! O Leonel Moura, que é daltónico, certamente não lerá nada do Pedro Baptista.

Depois, já pensaram em reivindicar a criação de uma Região Autónoma do Porto, ou Comunidade Portuense, À maneira da Comunidad de Madrid? Menos circunlóquios, e mais acção, por favor ;-)

Pedro Baptista disse...

Espero que a legibilidade tenha melhorado com este azul mais celeste. Preciso de uma cor, que não a branca, para distinguir os mesmo comentários ou artigos, das notícias transcritas.

ernesto disse...

Meus caros o que eu aprendi(!) ao ler os comentários que antecedem este e cheguei à triste conclusão que em politica mais que ter convicções é necessário ter um canudo!Não sei se o que tenho serve para ser aceite no "seio" de tão ilustres intelectuais! Sou licenciado em "povo"!!É mesma liceciatura do presidente da republica do Brasil!Não sei se já repararam quem colocou o mundo no estado em que se encontra foram os "cránios" saídos das faculdades que governaram contra o interesse das maiorias, em Portugal aconteceu o mesmo.Importante mesmo mais que o canudo, o que importa saber é que cada um pensa que sociedade pretende construir! O resto é balela.