domingo, 19 de julho de 2009

Por Eduardo Jorge Madureira Lopes (Diário do Minho)
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Michael Jackson e os animais dos media

O porco, como se sabe, é um animal bastante generoso. É por isso que, nele, tudo se aproveita. Há quem diga que o mesmo sucede com o atum, mas, mesmo que isso seja verdade, não parece que o peixe tenha tanto e tão variado para oferecer como o animal doméstico. A lista do que o porco oferece, recorde-se, inclui, além, evidentemente, da carne, os órgãos internos, a pele, o sangue, a gordura, a cabeça, o rabo e as patas. Ele, de facto, oferece tudo. Quem os cria tem, por isso, muita sorte. Sorte idêntica apenas é reservada aos criadores de estrelas mediáticas. Nestas, também tudo é susceptível de aproveitamento.
Há publicações, sobretudo revistas, e programas televisivos que parecem dedicar-se unicamente à produção de bacorinhos mediáticos. Geram e alimentam personagens com o único propósito de as pôr a render. Folheando uma ou outra dessas revistas ou observando um ou outro desses programas, encontra-se uma vasta fauna que, de outro modo, não chegaria a existir. Entre nós, a maior parte destas personagens vão, todavia, cedo para abate porque cuidar de animais mediáticos crescidos é, de um modo geral, algo que é muito dispendioso e pouco proveitoso.A criação portuguesa de animais mediáticos só seria rentável se fosse possível exportá-los, mas quem é que, no estrangeiro, se poderá interessar pelas Floribellas ou os Angélicos ou as Ritas Pereiras ou as Dianas Chaves? De resto, se, como no porco, nos nossos animais mediáticos, tudo se aproveita, a verdade é que o tudo que, neles, se aproveita é muito pouco.
No universo mediático, os reis da criação são os animais que têm a capacidade para gerar notícias sem parar, durante longos períodos de tempo, suscitando sempre um amplo interesse; uma capacidade que, aliás, lhes pode sobreviver. O bom animal dos media é o que, como o porco oferece a carne, os órgãos internos, a pele, o sangue, a gordura, a cabeça, o rabo e as patas e que, além disso, não cessa de dar o que não tem. Para os media, o paradigma do animal generoso, se assim se pode dizer, é Michael Jackson. Nele, tudo se aproveita. A partir dele, tudo se pode criar. É por isso que, desde a morte do cantor, os media têm, todos os dias, tirado proveito de incontáveis e variadas irrelevâncias a seu propósito. Durante a semana que finda, por exemplo, não faltaram referências a Michael Jackson nas listas de notícias mais lidas, comentadas ou enviadas que se encontram nos sites de jornais como o Diário de Notícias ou o Público, o El País ou o Corriere della Sera, por exemplo. No The New York Times, as notícias sobre Michael Jackson figuravam, ontem, em primeiro lugar na lista das mais procuradas.
Importa, pois, dar aos leitores aquilo que eles procuram e, nos dias mais recentes, foi-lhes servida, uma vez, a notícia de uma cirurgia do cantor, feita dias antes da sua morte, para remover um carcinoma do nariz. Outra vez, falou-se do seu alegado medo de morrer, que justificaria o desejo de se clonar. O motorista que o levou, em 2002, a uma conferência sobre o tema terá dito que ele estava muito excitado com a perspectiva de uma clonagem. Na vez seguinte, a CNN explicou por que razão surgia o “fantasma” de Michael Jackson nas imagens de uma reportagem exibida no programa de Larry King. Depois, alguém, identificado como biógrafo de Michael Jackson, revelou alguns pormenores da vida do cantor, dizendo que ele proibia as crianças de se verem ao espelho e dava os brinquedos deles todas as noites, com medo de que estivessem contaminados.
Dando início à exploração do filão inesgotável das teorias da conspiração, aparece uma notícia que dá conta das afirmações de La Toya Jackson, que garante que não descansará até saber quem assassinou o seu irmão, a que se somaram as de um “destacado” membro da polícia de Los Angeles, que não excluiu a hipótese de Michael Jackson ter sido vítima de homicídio. Entretanto, soube-se que o pai do músico, a pensar no futuro, aproveitará a experiência de ter transformado os seus filhos em estrelas musicais para criar um grupo com os três netos: Prince Michael (de 12 anos,) Paris (11 anos) e Prince Michael II (7 anos). A possibilidade pode não se concretizar, pois, como outra notícia deu conta, a mãe dos filhos de Michael Jackson e a mãe de Michael Jackson estão a lutar pela custódia das crianças.Mais recentemente, foi divulgado um vídeo inédito do acidente que Michael Jackson sofreu em 1984 durante a gravação de um anúncio para a Pepsi. Ontem, houve mais novidades. Citem-se apenas duas. O departamento legista de Los Angeles necessita de mais duas semanas para revelar o relatório da autópsia do cantor, diz o Correio da Manhã, que acrescenta que o atraso se deve a alguns consultores externos, que não finalizaram ainda os seus relatórios, um problema, pelos vistos, muito comum. O Público, por seu turno, dá conta da ida a leilão de um retrato de Michael Jackson feito por Andy Warhol.
As notícias sobre Michael Jackson continuarão, abundantes. Novas e cada vez mais fascinantes teorias da conspiração irão, sem dúvida, surgir. Os testemunhos multiplicar-se-ão. As palavras de actrizes, donas de lojas, empregados de restaurantes ou de hotéis, familiares, farmacêuticos, jardineiros, médicos, motoristas, músicos, picheleiros, simples transeuntes ou trolhas não se esgotarão. O envolvimento de extra-terrestres em qualquer momento da história não será, obviamente, esquecido. Durante as próximas décadas, não deixaremos de ouvir falar sobre Michael Jackson.

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