domingo, 4 de maio de 2008

Mais uma biografia com grande importância para a história do Século XX português, sobre o General sem medo, cujo momento mais alto do protagonismo político se concretizou precisamente há 50 anos, durante estes meses de Maio e de Junho, aquando da sua candidatura à Presidência da República que galvanizou e levantou emocionalmente o país, sem contudo lograr concretizar a necessária tomada do poder e libertação do jugo fascista do salazarismo. No momento em que estamos da leitura, no primeiro terço, a obra, terá não só o maior interesse sobre o período mais conhecido e mais procurado que acabamos de referir, como ainda pelos períodos anteriores da biografia do General, quando o seu temperamento corajoso e exaltado acrescido da educação rebatejana e a sua inteligência nem sempre temperada pela experiência ou prudência intelectual, o levou a alinhar convictamente, como alguns outros, no entusiasmo pretensamente regenerador do 28 de Maio de 1926, de que se veio a arrepender quando, posteriormente, percebeu que o projecto do Estado Novo não passava de um embuste. Nesse período dos anos 30, Humberto Delgado não foi um qualquer do regime, foi mesmo um dos seus maiores entusiastas no plano ideológico-propagandístico e no plano operacional, tendo sido um dos principais repressores ("Batalha" do Rato) do levantamento tardio lisboeta de 7 de Fevereiro de 1927 (Revolução do Remorso), 4 dias depois do portuense 3 de Fevereiro do mesmo ano e quando este já estava derrotado. Novidade, para já, é que Humberto Delgado não participou na repressão ao Porto de 1927, porque, felizmente para todos, se manteve retido por doença.
Uma outra, pelo menos para nós, a de uma azeda carta a Salazar , escrita em 19.4.40, em que declara que, face à corrupção e videirismo generalizados que vai observando, ele próprio se iria converter a nobre causa do ora pro nobis, o que, no entanto, não vai conseguir, porque as pessoas não se modificam assim.
Ainda uma outra novidade é o desfazer do mito enraizado de que a "democratização" de Delgado, ou a sua incompatibilização com o regime de que fora um dos paladinos, se deveu à estadia nos EUA, quando na verdade o processo é anterior, tanto pelos factos relatados como pelo relato das próprias declarações do General Sem Medo.
Mas um comentário mais aprofundado, ficará para um momento mais avançado da nossa leitura deste calhamaço de 1300 páginas, escritas pelo neto do General, o Professor Frederico Delgado Rosa que, sem ser um especialista específico na área historiográfica, denota tanto pelo curriculum como pela metodologia na abordagem do tema, sustentadíssima formação científica, para dar o maior crédito ao trabalho. Vamos ouvir falar da obra nos próximos dias e, não sei porquê, pelo tipo de apresentadores que se desenham a pularem nos ecrãs, cheira-nos a manobra de branquemento de qualquer coisa, sentimos no ar aquele cheiro inconfundível da lixívia... Veremos, e cá estaremos.
Esperemos ter companhia até porque, como sói dizer-se, a obra lê-se muito bem. Nada melhor para seguir a leitura de "A Morte do Cão de Palha" de Pedro Baptista. Conhecem? Experimentem. Em géneros literários totalmente diferentes, as obras encaixam.

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